As pessoas em privação de liberdade ao redor do mundo foram esquecidas durante a pandemia da COVID-19, de acordo com um novo relatório da Anistia Internacional, enquanto as prisões enfrentaram desafios sistêmicos para impedir a propagação do vírus, com as medidas de controle que conduzem às sérias violações dos direitos humanos. A organização está pedindo que milhões de pessoas que sofrem em celas superlotadas sejam incluídas nas campanhas nacionais de vacinação.

Esquecidos atrás das grades: COVID-19 e as prisões revela que, com mais de 11 milhões de pessoas em privação de liberdade em todo o mundo, as prisões em muitos países correm o risco de se tornarem focos da doença. Muitos presos lutam para ter acesso a sabonete, saneamento adequado ou equipamento de proteção individual, enquanto o distanciamento físico é difícil de alcançar e estão disponíveis apenas cuidados de saúde limitados.

“Enquanto a COVID-19 continua a se alastrar pelas prisões em todo o mundo, as medidas introduzidas pelos governos para prevenir a propagação da doença levaram à violações dos direitos humanos, incluindo o uso excessivo do confinamento solitário para ajudar o distanciamento social e medidas inadequadas para reduzir os danos causados pelo isolamento ”, disse Netsanet Belay, Diretor de Pesquisa e Advocacy da Anistia Internacional.

A escala total de infecções e mortes por COVID-19 nas prisões é difícil de avaliar, uma vez que os governos falharam em fornecer publicamente informações confiáveis e atualizadas. No entanto, os dados disponíveis indicam padrões preocupantes de infecções por COVID-19 em prisões em todo o mundo. E à medida que as estratégias e planos para a implantação da vacina tomam forma, muitos governos permanecem em silêncio sobre suas intenções de vacinar prisioneiros, os quais estão particularmente em risco.

Superlotação perigosa e constante

A superlotação é amplamente reconhecida como um dos problemas mais sérios das prisões atuais. Cerca de 102 países relataram níveis de ocupação prisional de mais de 110%, com uma proporção significativa de presos acusados ou condenados por crimes não violentos.

Embora medidas tenham sido tomadas para libertar prisioneiros elegíveis, a pesquisa da Anistia Internacional indica que as atuais taxas de soltura são insuficientes para lidar com o risco enorme que o vírus representa.

“Muitos países com níveis perigosamente altos de superlotação carcerária, como Bulgária, Egito, República Democrática do Congo e Nepal, não conseguiram dar a devida atenção aos surtos de COVID-19. Em outros países, como Irã e Turquia, centenas de prisioneiros arbitrariamente detidos, incluindo defensores de direitos humanos, foram excluídos das libertações relacionadas à COVID-19”, disse Netsanet Belay.

Crise de saúde

A COVID-19 também expôs os anos de subinvestimento e a negligência dos serviços de saúde nas prisões. As autoridades prisionais têm sido incapazes ou não querem lidar com a crescente necessidade de medidas profiláticas e de serviços médicos para as pessoas em privação de liberdade. Durante as primeiras fases da pandemia, a Anistia Internacional descobriu que, em muitos países, prisioneiros não conseguiam fazer o teste COVID-19 devido à total escassez, enquanto a alguns detidos no Irã e na Turquia foram negados de forma arbitrária ao tratamento médico.

Países como Camboja, França, Paquistão, Sri Lanka, Togo e os EUA também não conseguiram implementar medidas preventivas e de proteção adequadas para conter a disseminação da COVID-19 nas prisões.

“Não importa quem sejam ou onde estejam, as pessoas merecem ter acesso a máscaras faciais, quantidades adequadas de sabão, desinfetantes e água corrente limpa”, disse Netsanet Belay. “Nas prisões, em especial, o equipamento de proteção individual precisa ser fornecido gratuitamente e os governos precisam aumentar o acesso aos testes e tratamentos contra a COVID-19, para prevenir e gerenciar possíveis surtos”.

Medidas de controle que resultam em abusos

Em muitos países, as autoridades penitenciárias recorreram a medidas perigosas, incluindo confinamento excessivo e abusivo e medidas de quarentena para enfrentar a crise da COVID-19, levando a graves violações de direitos humanos. Em alguns lugares, como na Argentina e no Reino Unido, os detidos foram colocados em isolamento por até 23 horas por dia, geralmente por semanas ou meses.

“Isolamento excessivo e abusivo e medidas de quarentena foram usadas para conter a disseminação da COVID-19 em algumas prisões ao redor do mundo. Em alguns casos, isso pode chegar a ser um tratamento cruel, desumano ou degradante. Medidas mais humanas devem ser postas em prática agora para proteger essas pessoas”, disse Netsanet Belay.

Algumas medidas de bloqueio relacionadas à COVID-19 nas prisões também impactaram as visitas familiares, aumentando os riscos para o bem-estar físico e mental dos encarcerados. Em alguns casos, isso gerou protestos e distúrbios generalizados nas prisões, aos quais as autoridades muitas vezes responderam com força excessiva.

“Enquanto algumas autoridades prisionais mantiveram as visitas e adaptaram as condições, outras recorreram à proibição de visitantes, privando efetivamente os detentos da sua janela para o mundo exterior e minando seu bem-estar físico e emocional”, disse Netsanet Belay.

Priorizando a vacinação de pessoas detidas

Pelo menos 71 países já implementaram uma política de vacinação para pelo menos um grupo considerado vulnerável. Embora alguns desses países tenham incluído populações carcerárias e trabalhadores desse sistema entre os grupos prioritários para receber vacinas, a pesquisa da Anistia Internacional descobriu que muitos outros, incluindo países de renda mais alta, estão em silêncio ou permanecem obscuros sobre seus planos.

“As prisões são alguns dos locais de maior risco para surtos da COVID-19 e não podemos mais negligenciar o direito à saúde das pessoas encarceradas. A falta de clareza a respeito dos planos de vacinação, políticas e tratamento de populações carcerárias é uma preocupação global premente”, disse Netsanet Belay. “Ao passo que as estratégias de vacinação tomam forma, a falta de priorização da saúde das pessoas detidas terá consequências catastróficas para os presos, suas famílias e o sistema público de saúde.”

A Anistia Internacional pede aos Estados que não discriminem os detidos ao desenvolverem políticas e planos de vacinação. Além disso, insta os Estados a fazerem todos os esforços para priorizar os presos em seus planos nacionais de vacinação, dado que suas condições de confinamento não lhes permitem distanciar fisicamente, e garantir que aqueles que integram o grupo de risco para a COVID-19 (como os presos mais velhos e aqueles com condições crônicas de saúde) sejam priorizados para a vacinação tal qual esses grupos da população em geral.

>>Acesse o relatório [em inglês]<<

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