Uso excessivo e desnecessário da força por agentes do Estado, falta de medidas para reduzir a violência policial, emergência nacional de saúde pública pela falta de assistência ao povo Yanomami e aumento significativo da pobreza e da extrema pobreza. São algumas violações de direitos no Brasil apontadas pela Edição 2023/2024 do Informe global “O Estado Dos Direitos Humanos no Mundo”, lançado nesta quarta-feira (24), pela Anistia Internacional.  

O documento, que reúne análises e insumos sobre a situação dos direitos humanos em 156 países destaca que pelo menos 394 pessoas foram mortas em operações policiais nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, somente entre os meses de julho e setembro, durante a crise de segurança pública, em 2023. Para a Anistia Internacional, as autoridades devem garantir que a aplicação da lei esteja em conformidade com os padrões de direitos humanos estabelecidos internacionalmente, sobretudo, no que disser respeito ao uso da força e controle da atividade policial. 

“Em relação ao uso da força policial, a situação é de descontrole. Ele começa com o órgão constitucionalmente responsável por controlar a atividade policial, o Ministério Público, sendo omisso e inoperante diante de graves violações de direitos humanos cometidos por agentes do Estado e termina com casos de letalidade policial que não são levados à justiça. O recado que o Estado reitera é de que a polícia tem carta branca para matar e cometer outras violações, sobretudo, contra comunidades negras e periféricas, diz Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil. 

Ainda segundo o documento, a maioria dos países das Américas não conta com sistemas robustos de proteção aos defensores dos direitos humanos e as autoridades continuaram a violar os direitos à vida, à liberdade, a julgamentos justos e à integridade física, enquanto detenções arbitrárias foram generalizadas na região.  

A violência baseada em gênero em toda a região permaneceu arraigada e as autoridades não conseguiram lidar com a impunidade desses crimes e proteger mulheres, meninas e outros grupos de pessoas em risco. 

Veja abaixo os principais pontos do documento: 

  • Violência Policial

A violência policial, os homicídios ilegais e as detenções arbitrárias persistiram. Devido ao racismo sistêmico, as pessoas negras foram afetadas de forma desproporcional. Entre julho e setembro de 2023, pelo menos 394 pessoas foram mortas em operações policiais nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Apesar da extensão da crise, o secretário executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, referindo-se à Bahia, teria comentado que “não se enfrenta o crime organizado com fuzil com rosas”. Além disso, o governo seguiu e continuoua a ignorar medidas para reduzir a violência policial, incluindo o uso de câmeras corporais. O uso excessivo e desnecessário da força pelas polícias, inclusive da força letal, também foi observado na região, principalmente na Argentina, Brasil, Canadá, Cuba, República Dominicana, Honduras, México, Peru, Porto Rico e EUA. Em muitos casos, a força foi usada desproporcionalmente com um viés racista.  

  • Defensores

As Américas continuaram a ser uma das regiões mais perigosas do mundo para os defensores de direitos humanos. Os defensores que trabalham para proteger a terra e o meio ambiente enfrentaram riscos crescentes em países como Bolívia, Brasil, Canadá, Colômbia, Equador, El Salvador, Honduras e México. Os defensores dos direitos humanos negros, indígenas e mulheres permaneceram particularmente em risco. Os governos e os agentes não estatais usaram uma variedade de ferramentas, como assédio, estigmatização, criminalização e assassinatos para impedir que os ativistas de direitos humanos realizassem seu trabalho essencial e legítimo em países como Brasil, Canadá, Colômbia, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Peru e Venezuela. 

  • Gênero

A violência de gênero, inclusive o feminicídio, continuou a ser a norma em toda a região. As autoridades falharam sistematicamente em lidar com a impunidade desses crimes. No México, uma média de nove mulheres foram assassinadas por dia, de acordo com a Secretaria Executiva do Sistema Nacional de Segurança Pública, e a maioria dos casos nunca foi efetivamente resolvida. No Canadá, a ONU relatou um aumento no número de mulheres e meninas indígenas desaparecidas ou assassinadas, além de altos índices de agressão e exploração sexual entre mulheres e meninas indígenas e pessoas de dois espíritos, lésbicas, gays, bissexuais, trans, queer, questionadoras, intersexuais e assexuais (2SLGBTQQIA+) que vivem perto de locais de construção de oleodutos. No Brasil, o aborto continuou sendo considerado crime; pelo menos 19 pessoas morreram em decorrência de aborto inseguro até julho, de acordo com o Ministério da Saúde. Em setembro, uma ação judicial buscando a descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gravidez foi apresentada ao Supremo Tribunal Federal, mas a votação foi suspensa. Em alguns países, a reversão do acesso ao aborto se expandiu. As medidas continuaram a afetar desproporcionalmente pessoas negras e racializadas. As autoridades devem acabar com a impunidade dos crimes violentos contra mulheres e meninas. Elas também devem garantir o acesso ao aborto seguro e a outros direitos sexuais e reprodutivos, incluindo educação sexual abrangente. 

  • Povos Indígenas

Os povos indígenas continuaram a ser afetados de forma desproporcional por violações de direitos humanos. Na Colômbia, 45% de todas as vítimas de deslocamento, em 2023, eram afrodescendentes e 32% eram povos indígenas, de acordo com o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários da ONU (OCHA). No Brasil, Sônia Guajajara, uma mulher indígena, tornou-se a primeira-ministra dos Povos Indígenas. O Ministério da Saúde brasileiro declarou emergência nacional de saúde pública devido à falta de assistência disponível para o povo Yanomami, que sofria de desnutrição, contaminação e violência sexual, em grande parte causadas pela presença de atividades de mineração ilegal em seu território na região amazônica. Os Estados devem garantir que os povos indígenas tenham propriedade e controle sobre suas terras e recursos. Políticas devem ser implementadas para acabar com a violência contra os povos indígenas e garantir justiça, verdade e reparação pelas violações de direitos humanos sofridas. 

  • Direitos sociais e econômicos

As taxas de pobreza e extrema pobreza na região, que aumentaram significativamente durante a pandemia de Covid-19, voltaram aos níveis pré-pandêmicos em 2023. Mas os países continuaram a não tomar as medidas necessárias para cumprir a meta presente entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, de acabar com a pobreza até 2030. Quase 30% da população da América Latina (183 milhões de pessoas) continuou a viver na pobreza e 11,4% (72 milhões) na pobreza extrema. A desigualdade continua sendo o principal desafio para que os países possam promover o crescimento e o desenvolvimento inclusivos, com 34% da renda total na América Latina concentrada nos 10% mais ricos da população. Os Estados devem tomar medidas robustas – fiscais e orçamentárias – para combater a pobreza e a desigualdade e garantir que cumpram suas obrigações de direitos humanos em relação aos direitos à saúde, educação, moradia e seguridade social e acesso a serviços e bens essenciais. 

Leia aqui o documento na íntegra 

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