“(..) Eles me tiraram o direito de viver com meu filho. Eles mataram meu filho, ele ficou caído e tentaram tirar a dignidade dele (…) O policial apertou o gatilho, mas existe todo o sistema por detrás disso” (Ana Paula Oliveira em entrevista para a Anistia Internacional na campanha Jovem Negro Vivo em 2016)
Após quase uma década, o policial militar Alessandro Marcelino de Souza, acusado de assassinar Jonathan Oliveira de Lima, de apenas 19 anos, com um tiro pelas costas na tarde de 14 de maio de 2014, na Comunidade de Manguinhos, no Rio foi levado a júri popular. O inquérito policial realizado à época do crime apontou que o PM, lotado na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da favela, ao atirar em direção a um grupo de moradores que protestavam contra os abusos cometidos pela polícia, assumiu o risco de que sua ação poderia resultar em morte. A denúncia apresentada pelo Ministério Público em 2014 foi aceita pelo Poder Judiciário naquele mesmo ano. Uma década sem respostas e sem a devida justiça: o júri popular atendeu a um pedido de última hora da defesa e decidiu desclassificar o crime para homicídio culposo, isto é, sem intenção de matar.
O júri reconheceu que o réu foi o responsável pela morte do jovem e que Johnatha não tinha qualquer envolvimento com atividades ilícitas, contudo, acolheu a solicitação da defesa do policial para que o delito a ele imputado fosse homicídio culposo. O processo agora sai da Justiça comum e deverá tramitar em um tribunal militar. Um ano antes do assassinato de johnatha, em 2013, o mesmo agente foi preso por triplo homicídio em Queimados, na Baixada Fluminense, mas foi solto e voltou a trabalhar nas ruas.
A Anistia Internacional Brasil esteve ao lado de Ana Paula Oliveira, mãe de Johnatha, ao longo desses inaceitáveis dez anos de luta por justiça e assim permanecerá. Reiteramos que os resultados desse júri são incompatíveis com o direito de acesso à justiça e verdade, tal como de reparação pelos danos causados aos familiares e amigos de Johnatha: o Estado mais uma vez reforça o seu padrão de resposta frente a crimes como este, que ocorrem diariamente nas favelas cariocas.
Violência policial sistêmica é produto de respostas insuficientes
O caso não é isolado. A mesma história triste continua diariamente e quantas mães permanecem aguardando por justiça? A luta de Ana Paula simboliza a forma como o Estado lida com a dor das mães: de forma morosa, inconclusa e sem justiça. Quanto de vida cabem em 10 anos? Apenas em 2023, a cada 8h e 35 minutos uma pessoa negra morreu pela ação da polícia no estado do Rio de Janeiro. Em 2014, ano da morte de Johnatha, foram 580 casos de morte decorrente de intervenção policial e 79% das vítimas eram jovens negros, assim como ele.
Conforme documentado no relatório Você Matou Meu Filho, da Anistia Internacional Brasil, publicado em 2015, o caso também é representativo do descontrole das forças policiais no país, que tem resultado em um padrão de política de segurança pública baseado no confronto e na criminalização da pobreza, resultando em um policiamento caracterizado pelo uso desnecessário e excessivo da força, execuções extrajudiciais, invasões, torturas e outras graves violações de direitos que afetam de forma desproporcional adolescentes e jovens negros, moradores de favelas e periferias.
A Anistia Internacional Brasil reforça sua profunda solidariedade a Ana Paula, os demais familiares e amigos de Johnatha e insta o Governo do Estado do Rio de Janeiro e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro a adotar medidas efetivas e céleres, em consulta com as pessoas afetadas, para garantir proteção, cuidados em saúde física e psicológica e reparação. Instamos ainda o atual governo a avançar na adoção de medidas contundentes de reorientação de sua política de segurança pública, garantindo um padrão de policiamento condizente com a defesa dos direitos humanos, a começar pelo direito à vida. Para que mortes como a de Johnatha nunca mais se repitam!
A Anistia Internacional Brasil continuará junto com movimento Mães de Manguinhos e os familiares e amigos de Johnatha!