Prisioneiros que se encontram no corredor da morte na Indonésia rotineiramente não conseguem ter acesso a advogados e são coagidos a fazer “confissões” através de fortes espancamentos, enquanto os estrangeiros que enfrentam a pena de morte têm de lidar com um sistema judicial cujo entendimento é muito difícil, disse a Anistia Internacional em um novo relatório hoje.

Justiça Falha expõe como o governo do presidente Joko “Jokowi” Widodo zombou do direito internacional ao realizar 14 execuções desde que tomou posse, ao mesmo tempo em que as vidas de mais prisioneiros que estão agora no corredor da morte podem estar em risco.

“A indiferença da Indonésia em reverter as execuções já levou à morte de 14 pessoas, apesar da clara evidência de violações flagrantes das regras relativas a julgamentos justos. O governo pode argumentar que está seguindo a lei internacional ao pé da letra, mas a nossa investigação mostra que a realidade é muito diferente, com falhas endêmicas no sistema de justiça “, disse Josef Benedict, Diretor de Campanhas da Anistia Internacional para o Sudeste Asiático.

“A pena de morte é sempre uma violação dos direitos humanos, mas os numerosos e graves problemas com relação à forma como ela está sendo aplicada na Indonésia torna o seu uso ainda mais trágico. As autoridades devem acabar com essa matança sem sentido de uma vez por todas e rever imediatamente todos os casos de pena de morte com vista à sua comutação.”

Apesar dos fortes indícios de que a Indonésia tinha deixado de utilizar a pena de morte nos últimos anos, o governo do presidente Widodo – que assumiu o cargo em outubro de 2014 – tem ampliado significativamente as execuções.

Das 14 pessoas que foram enviadas perante o pelotão de fuzilamento em 2015, 12 eram estrangeiros e todos foram condenados por acusações relacionadas a drogas. O governo prometeu aplicar a pena de morte para enfrentar uma situação “emergencial de drogas” nacional, apesar de não haver evidências de que a ameaça de execução possa funcionar como um elemento dissuasor mais efetivo para a criminalidade do que a pena de prisão. O Presidente Widodo também disse que vai rejeitar todas as petições de clemência de prisioneiros por tráfico de drogas que estão no corredor da morte.

A investigação da Anistia Internacional sobre 12 casos individuais no corredor da morte revela falhas emblemáticos no sistema de justiça indonésio, o que levanta questões sérias sobre o uso da pena de morte no país.

Confissão Forçada

Em metade dos casos, os prisioneiros do corredor da morte alegaram que tinham sido coagidos a “confessar” seus crimes, inclusive por meio de espancamentos realizados por policiais enquanto estavam presos. Muitos afirmam ter sido torturados ou maltratados, mas as autoridades indonésias nunca se dispuseram a investigar estas denúncias.

Um cidadão paquistanês, Zulfiqar Ali, afirma que a polícia o manteve em uma casa por três dias depois de sua prisão, onde recebeu chutes, socos e foi ameaçado de morte até que ele finalmente assinou uma “confissão”. A agressão o deixou em um estado tão ruim que ele teve que passar por uma cirurgia nos rins e no estômago.

Apesar de Zulfiqar Ali ter dado detalhes sobre a tortura que sofreu durante o seu julgamento, o juiz permitiu que sua “confissão” pudesse ser usada como prova e não houve investigação independente sobre suas alegações.

As constatações de Justiça Falha ecoam as de outras organizações de direitos humanos nacionais e internacionais, que encontraram evidências de tortura sistemática e generalizada ou outros maus-tratos por parte da polícia indonésia sem que ninguém tenha sido punido.

Acesso negado a advogado

Os prisioneiros do corredor da morte indonésios rotineiramente não conseguem ter acesso a advogados, apesar deste direito ser garantido tanto pela lei indonésia quanto pela lei internacional.

Muitos dos prisioneiros mencionados no relatório e acusados de terem cometido crimes capitais são forçados a esperar várias semanas ou mesmo meses antes de ver um advogado, comprometendo seriamente a capacidade para defender seu caso em tribunal.

Há também sérias dúvidas sobre a qualidade da representação jurídica concedida aos que enfrentam acusações relacionadas a drogas. Em um caso recente, o único conselho que um réu recebeu de seu advogado foi responder “sim” a todas as perguntas do investigador. Em outro caso, a sentença de morte foi proferida devido a um pedido do próprio advogado do réu para os juízes.

Em nenhum dos 12 casos examinados em Justiça Falha os prisioneiros foram levados perante um juiz imediatamente após a detenção, conforme exigido por lei e as normas internacionais – a maioria teve de esperar vários meses antes que isso acontecesse.

Estrangeiros

Doze das 14 pessoas executadas na Indonésia, em 2015, eram cidadãos estrangeiros e pelo menos 35 outros estrangeiros estão atualmente no corredor da morte no país.

Mas os resultados da Anistia Internacional mostram que, em inúmeros casos, a Indonésia viola os direitos dos prisioneiros estrangeiros que estão no corredor da morte, negando-lhes explicações durante ou antes do julgamento, fazendo-os assinar documentos em uma língua que eles não entendem, ou negando acesso aos serviços consulares.

Além disso, em 2015, a Indonésia condenou à morte um homem que sofre de uma deficiência mental grave, violando o direito internacional. O brasileiro Rodrigo Gularte tinha sido diagnosticado com esquizofrenia paranoide.

Recomendações

Dadas as graves falhas no sistema de justiça da Indonésia, a Anistia Internacional insta as autoridades a estabelecer de imediato um órgão independente para rever todos os casos em que pessoas foram condenadas à morte, tendo em vista comutar as penas capitais.

A Indonésia também deve modificar seu Código Penal para adequá-lo aos padrões internacionais e garantir que o direito de todos os prisioneiros a um julgamento justo seja respeitado.

“O Presidente Joko Widodo prometeu melhorar os direitos humanos na Indonésia, mas ao colocar mais de uma dúzia de pessoas diante de um pelotão de fuzilamento mostra o quanto esses compromissos são pouco efetivos”, disse Josef Benedict.

“A Indonésia deve dar o exemplo em matéria de direitos humanos em nível regional. É hora de assumir essa responsabilidade a sério – um primeiro passo deve ser o de impor uma moratória sobre as execuções.”

Contexto

Vinte e sete pessoas foram executadas entre 1999 e 2014, período relativo aos mandatos dos quatro primeiros presidentes da era democrática da Indonésia. Não foram realizadas execuções entre 2009 e 2012.

De acordo com dados obtidos a partir do Ministério da Justiça e Direitos Humanos, em 30 de abril de 2015 havia pelo menos 121 pessoas no corredor da morte. Entre estas se incluem 54 pessoas condenadas por crimes relacionados a drogas, dois condenados por acusações de terrorismo e 65 condenados por assassinato.

Atualmente, 140 países são abolicionistas na lei ou na prática. A Anistia Internacional opõe-se à pena de morte em todos os casos e em quaisquer circunstâncias, independentemente da natureza do crime, das características do infrator ou do método utilizado pelo Estado para realizar a execução. A organização considera a pena de morte uma violação do direito à vida, tal como reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos e um castigo cruel irrevogável, desumano e degradante.

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