As repressões do governo de Guillermo Lasso a manifestações estão causando uma crise de direitos humanos no Equador. Os protestos foram convocados por indígenas e organizações sociais e sindicais no contexto de uma greve nacional. Segundo a Anistia Internacional, são múltiplas as denúncias de assédio, de uso excessivo da força, de prisões arbitrárias, de maus-tratos e de criminalização de manifestantes, jornalistas e defensores dos direitos humanos.
“A infeliz decisão do presidente Lasso de reprimir os protestos está causando uma crise de direitos humanos que lembra a de outubro de 2019. Para evitar que essa história se repita, o presidente deve acabar com a repressão e dar respostas às causas estruturais dos protestos, como a crise econômica e o impacto das políticas públicas nos direitos dos grupos mais afetados pela pandemia, como os povos indígenas e as pessoas que vivem na pobreza”, disse Erika Guevara-Rosas, diretora para as Américas da Anistia Internacional.
Desde o dia 14 de junho, a Aliança pelos Direitos Humanos do Equador registrou a prisão de 79 pessoas, 55 feridos e 39 episódios de violações de direitos humanos no contexto da repressão das autoridades às manifestações – como uso excessivo da força, prisões arbitrárias de manifestantes, ataques a jornalistas e intimidação a organizações. Outras organizações de direitos humanos também alertaram sobre a existência de casos de maus-tratos e criminalização. Por sua vez, a Polícia Nacional denunciou incidentes de violência por parte de manifestantes.
No período dos protestos de outubro de 2019, organizações de direitos humanos no Equador e a Anistia Internacional documentaram violações semelhantes de direitos humanos, que ainda permanecem impunes.
De acordo com informações oficiais, entre a noite de 17 de junho e a manhã de 18 de junho, pelo menos 16 pessoas ficaram feridas, inclusive com golpes no crânio e nos olhos, durante a repressão a uma manifestação de agentes da Polícia Nacional em Riobamba. Há relato de duas vítimas com ferimentos de pelotas.
No dia 19 de junho, às 14h17, o Comandante-Geral da Polícia Nacional afirmou que iniciaria uma investigação da Corregedoria e negou que seus agentes tenham usado chumbinhos e que tenham disparado contra as vítimas.
Pessoas que defendem direitos humanos e lideranças indígenas também relataram ter sofrido assédio e ataques durante o desempenho de seus trabalhos no contexto dos protestos.
Em 18 de junho, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) denunciou que indivíduos não identificados atiraram na janela do veículo do presidente Leónidas Iza ainda vazio. Duas horas depois, o Ministério do Governo informou que solicitaria a investigação correspondente e que não toleraria atos de violência “com mais razão se os atos ocorrerem contra quem nos critica, justificadamente ou não”. A CONAIE já havia denunciado vigilância e assédio por pessoas não identificadas.
A CONAIE, a Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana (CONFENIAE) e a Aliança pelos Direitos Humanos do Equador relataram que seus sites sofreram ataques de bots que sobrecarregar os servidores nos dias 13, 14 e 18 de junho, respectivamente.
“Para evitar a escalada desta crise, a Anistia Internacional pede ao presidente Lasso que pare com a estigmatização e a repressão daqueles que exercem seu direito de protesto pacífico. O governo deve publicar informações detalhadas sobre o número de pessoas feridas e detidas e de acusações, e dar respostas às causas estruturais que levaram vários setores da população a se manifestarem em defesa de seus direitos humanos”, disse Erika Guevara Rosas.
Com o número preocupante de denúncias de violações de direitos humanos cometidas pelas forças de segurança, a Procuradoria Geral do Estado deve realizar investigações rápidas, intensas, independentes e imparciais para levar à justiça os suspeitos de responsabilidade criminal, incluindo suas cadeias de comando.
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Em 14 de junho, por volta das 12h29, as forças de segurança detiveram Leónidas Iza, presidente da CONAIE, na província de Cotopaxi. Ele foi detido incomunicável e acusado do crime de “paralisação de um serviço público”, antes de ser libertado naquela noite. Sua detenção pode ter sido arbitrária e o processo criminal contra ele pode constituir criminalização do protesto.
Em 17 de junho, o Presidente Lasso emitiu o Decreto Executivo nº 455, que declarou “estado de emergência por grave comoção interna nas províncias de Cotopaxi, Pichincha e Imbabura”, suspendendo a liberdade de associação, reunião e movimento por trinta dias. O decreto definiu o Distrito Metropolitano de Quito como uma “Zona de Segurança” a cargo das Forças Armadas, que receberam a atribuição de “manter a ordem” no contexto dos protestos de forma “complementar” às ações da Polícia Nacional.
Uma versão anterior do decreto, que continha a assinatura do presidente, incluía dispositivos preocupantes que autorizavam o uso de “força letal” (artigo 11) pelas forças de segurança e limitavam o direito à informação (artigo 9), suspendendo “os serviços de telefonia fixa, móvel e Telecomunicações pela Internet” e restringindo a divulgação de “informações classificadas, reservadas ou de circulação restrita por meio de mídias sociais, redes sociais e conteúdos comunicacionais”. Posteriormente, a Presidência argumentou que se tratava apenas de um “projeto” e emitiu uma nova versão sem essas disposições.
Em 18 de junho, apesar de o estado de emergência ter suspendido a liberdade de associação e reunião, a Presidência emitiu o Boletim Oficial 561, intitulado “A capital dos equatorianos marcha pela paz”, para promover uma marcha de “centenas de homens e mulheres de Quito ( …) preocupado com a situação do país e os atos de violência e vandalismo”. O boletim incluía a mensagem “O Governo Nacional apoia esta iniciativa e junta-se a esta causa”. Tanto a página oficial que hospedava o boletim quanto o tweet que o promovia foram posteriormente removidos. Um vídeo veiculado nas redes sociais, supostamente gravado durante aquela marcha, mostra um grupo de pessoas cantando mensagens racistas contra a população indígena.