Mais de 1.000 pessoas, muitas delas presas arbitrariamente, estão sendo mantidas em condições terríveis e várias estão morrendo de doenças e desnutrição ou foram torturadas até a morte como parte da reação do governo e das forças de segurança de Camarões ao Boko Haram, revelou a Anistia Internacional em um relatório publicado hoje.
O relatório Right cause, wrong means: Human rights violated and justice denied in Cameroon’s fight against Boko Haram (Causa certa, meios errados: Violação de direitos humanos e negação da justiça na luta de Camarões contra o Boko Haram, em tradução livre) detalha como a ofensiva militar contra o Boko Haram resultou em uma vasta gama de violações dos direitos humanos de civis no extremo norte do país.
“Ao procurar proteger a população da brutalidade do Boko Haram, Camarões está buscando o objetivo certo, mas ao prender arbitrariamente, torturar e sujeitar pessoas a desaparecimentos forçados, as autoridades estão usando os meios errados,” condenou Alioune Tine, diretor regional da Anistia Internacional para a África Ocidental e Central.
“Com centenas de pessoas presas sem motivos razoáveis para suspeitar que tenham cometido algum crime e os detidos morrendo semanalmente nas prisões superlotadas, o governo de Camarões deveria tomar medidas urgentes para manter a promessa de respeitar os direitos humanos na luta contra o Boko Haram.”
Estas descobertas surgem poucas semanas após um ataque suicida feito pelo Boko Haram em Djakana, perto de Limani, ter matado 11 pessoas. Esta foi a última etapa de um massacre que já tirou a vida de 480 civis neste ano. Aproximadamente metade dos 46 ataques suicidas do Boko Haram foi realizada por crianças.
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Até oito pessoas morrem por mês na prisão de Maroua
Mais de 1.000 pessoas acusadas de apoiar o Boko Haram estão atualmente detidas em prisões desesperadamente superlotadas e em condições insalubres onde a desnutrição é abundante. Na prisão de Maroua, por exemplo, entre seis a oito pessoas morrem por mês. Apesar dos esforços para melhorar o fornecimento de água e construir novas celas, as condições continuam desumanas, com aproximadamente 1.500 pessoas confinadas em um prédio feito para abrigar 350. As visitas da família aos detidos são estritamente limitadas.
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Prisões arbitrárias e assassinatos extrajudiciais
As prisões realizadas pelas forças de segurança, geralmente com base em poucas informações ou critérios arbitrários e às vezes tendo como alvo grupos inteiros, aumentaram demais a população carcerária. Em fevereiro de 2015, por exemplo, 32 homens foram reunidos e presos em Kossa com base em acusações de que o vilarejo estaria fornecendo alimentos para o Boko Haram. A maioria foi libertada depois, mas um homem morreu enquanto estava sob custódia.
As prisões também costumam ser acompanhadas pelo uso desnecessário ou excessivo de força. Em novembro de 2014, integrantes da Brigada de Intervenção Rápida (BIR) mataram ilegalmente sete homens desarmados durante uma operação realizada no vilarejo de Bornori e prenderam outros 15 antes de voltar nas semanas seguintes para incendiar as casas. Em outro exemplo ocorrido em julho de 2015, soldados do exército reuniram e atacaram aproximadamente 70 pessoas em Kouyapé.
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Torturado até a morte enquanto estava detido e incomunicável
A Anistia Internacional documentou 29 casos de pessoas torturadas por integrantes das forças de segurança entre novembro de 2014 e outubro de 2015, incluindo seis que morreram em consequência disso. A maioria dos casos de tortura foi cometida quando as pessoas eram mantidas incomunicáveis em locais ilegais de detenção situados em bases militares gerenciadas pela BIR em Salak, perto de Maroua, e em Mora, antes de serem transferidas para prisões oficiais. As vítimas alegaram ter sido agredidas com paus, chicotes e facões por longos períodos de tempo, às vezes até perderem a consciência.
Um homem de 70 anos detido em Salak contou à Anistia Internacional ter visto soldados da BIR torturarem o filho dele por 10 dias, além de ter presenciado dois homens serem espancados até a morte:
“Fomos todos interrogados na mesma sala, um a um, por um homem que usava um uniforme da BIR. Outros dois homens com roupas civis eram responsáveis pelos espancamentos e outras torturas. Naquele dia, dois prisioneiros foram espancados com tanta violência que morreram na nossa frente. Os homens com roupas civis os chutaram e bateram violentamente neles, além de agredi-los com pedaços de madeira.”
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O mesmo homem de 70 anos disse:
“Não fui agredido porque sou velho, então eu ajudei a carregar os dois cadáveres da sala de interrogatório para a cela. Naquela noite nós dormimos na cela com dois cadáveres. No dia seguinte, o BIR chegou, jogou sacos plásticos em nossa direção, mandou que colocássemos os corpos dentro deles e recolheu tudo. Não sei para onde levaram os corpos e se eles chegaram a ser enterrados.”
A tortura também foi documentada na Diretoria Geral de Pesquisa Externa (DGRE) em Yaoundé, atingindo até o jornalista da Radio França Internacional (RFI) Ahmed Abba, que foi despido e espancado após ter sido preso em julho de 2015.
A Anistia Internacional também documentou os casos de 17 vítimas de desaparecimentos forçados, cujo paradeiro após a prisão continua desconhecido há quase dois anos.
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Mais de 100 pessoas condenadas à morte em julgamentos militares injustos
Nos casos onde os suspeitos de apoiar o Boko Haram são levados a julgamento, eles enfrentam tribunais militares nos quais a pena de morte é o resultado mais provável. Mais de 100 pessoas, incluindo mulheres, foram sentenciadas à morte no tribunal militar de Maroua desde julho de 2015, embora ninguém tenha sido executado até agora.
Os réus geralmente são condenados com base em provas limitadas, incluindo testemunhos de informantes anônimos que não podem ser confirmados ou provas circunstanciais, como o réu não ter conseguido explicar uma viagem para longe do vilarejo onde morava ou a perda do documento de identidade. Mal pagos e com excesso de trabalho, os advogados fornecidos pelo governo não têm recursos suficientes para defendê-los adequadamente.
A Anistia Internacional observou o julgamento de quatro mulheres que foram condenadas à morte em abril de 2016 apenas com base na afirmação feita pelo integrante de um comitê de vigilância local após elas terem voltado da Nigéria, onde trabalharam como empregadas domésticas. O único contato que elas fizeram com um advogado ao longo de todo o processo foi durante um breve intervalo no tribunal.
“Após serem presas sem motivo razoável e sofrerem com as terríveis condições da prisão enquanto aguardam o julgamento, pessoas de todas as regiões de Camarões correm o risco de serem condenadas à morte por tribunais militares com base em poucas provas ou sem prova alguma, em julgamentos claramente injustos,” conta Alioune Tine.
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Leis excessivamente rigorosas contra o terrorismo
A maioria dos réus é acusada com base na lei antiterrorismo criada em dezembro de 2014. Esta lei fornece uma definição ambígua de terrorismo que ameaça a liberdade de expressão.
A lei foi usada contra Fomusoh Ivo Feh, de 27 anos, preso após ter enviado uma mensagem por SMS para os amigos fazendo piada sobre o fato de o Boko Haram recrutar jovens recém-formados. Ele está sendo julgado pelo tribunal militar em Yaoundé e pode ser condenado à morte.
“Se um estudante pode receber a pena capital porque fez uma brincadeira por SMS, está claro que há um problema sério com a criação e o uso da legislação antiterrorista em Camarões. As autoridades precisam mudar a lei para garantir que ela forneça uma estrutura capaz de proteger a população sem retirar seus direitos,” diz Alioune Tine.
A Anistia Internacional exige que o governo implemente com urgência uma série de medidas para impedir a violação dos direitos humanos na luta contra o Boko Haram, como: o fim das prisões arbitrárias em massa, levar os suspeitos diretamente aos locais oficiais de detenção, acabar com a tortura, garantir que os presos tenham acesso à família e advogado, estabelecer um registro central de detidos, melhorar as condições das prisões, mudar a lei antiterrorismo e investigar todas as acusações de violações dos direitos humanos.
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Histórico
Entre outubro de 2015 e julho de 2016, a Anistia Internacional entrevistou mais de 200 pessoas no extremo norte de Camarões documentando incidentes nos quais centenas de pessoas foram detidas, além de visitar prisões, observar julgamentos e coletar informações detalhadas sobre 82 casos individuais de violações dos direitos humanos feitas pelas autoridades e forças de segurança camaronesas. A organização também analisou imagens de satélites de um vilarejo no qual as casas foram incendiadas pelas forças de segurança. As principais descobertas deste relatório foram enviadas por escrito para as autoridades no dia 7 de maio de 2016, mas nenhuma resposta foi recebida.
Como resultado das agressões do Boko Haram, mais de 170.000 pessoas de Camarões, sendo a maioria composta por mulheres e crianças, abandonaram suas casas e agora estão desalojadas internamente no extremo norte do país. Camarões também recebeu mais de 65.000 refugiados que fugiram dos ataques feitos por grupos armados na Nigéria.
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