Gersem Baniwa*

Para nós, povos indígenas da Amazônia, a floresta é nosso berço de origem e de civilização, e nossa condição de existência, física, cultural e espiritual. A Amazônia é nossa Casa Ancestral e Atual, desde sempre. Sua exuberante e gigantesca sociobiodiversidade garantiu ao longo dos tempos o surgimento e desenvolvimento de uma enorme diversidade sociocultural de povos, etnias, línguas, saberes, cosmovisões, ontologias e epistemologias, formados atualmente por povos indígenas, comunidades tradicionais, povos da floresta, ribeirinhos. Com essa condição orgulhosa de filhos da floresta, aprendemos ao longo de milhares de anos a conviver com ela, cuidando dela e tirando dela o que precisamos para viver dignamente, sem nunca ter colocado em risco sua exuberância e sustentabilidade existencial.

Foi assim que aprendemos a sentir a Natureza Amazônica como nossa verdadeira Mãe. Essa ideia de Natureza-Mãe não é simplesmente uma força de expressão ou uma simbologia semântica, mas uma forma de vida, de existência. Mãe, porque a Natureza é nossa fonte de vida, nosso alimento, nossa casa. Ela cuida de nós e nós cuidamos dela. É uma simbiose existencial profunda. Quando falamos que a Floresta Amazônica é nossa fonte de vida, essa NOSSA é no plural maiúsculo, pois, não é apenas para os que nela vivem, mas para toda a Humanidade e o Cosmo, uma vez que, em nossas cosmovisões ancestrais, o mundo cósmico é único, vivido e experimentado por diversas expressões, formas e modos de vida e existências.

Para nós, a Natureza, as florestas, os rios e o ar formam um bem comum planetário, de humanos e não humanos. São bens comuns que não podem ser transformados ou tratados como mercadorias ou como propriedades particulares. A Natureza e a Amazônia não podem ser concebidas como uma “terra prometida”, um objeto valioso de consumo ou uma utopia ou mesmo uma fantasia do futuro, pois a Amazônia é um bioma real e presente, embora toda sua riqueza e exuberância sejam finitas e frágeis. A Amazônia, assim como a Natureza, é uma dádiva ou uma benção. Ela representa o Princípio e o valor primordial de múltiplas existências e de vida, um bem sagrado e, como tal, deve ser cuidada.

É assim que os povos indígenas se tornaram os maiores defensores da natureza e, em particular, da Amazônia. Para comprovar isso, basta observarmos os mapas ambientais do Brasil ou da América Latina, para concluir que as áreas mais preservadas coincidem com as terras indígenas, mesmo comparadas às Unidades de Conservação. Não se trata de coincidência, trata-se de civilizações humanas que aprenderam o valor verdadeiro da vida, com a profunda simplicidade da natureza que gera paz de espírito e beleza de vida. É uma relação de amor, respeito, reciprocidade e complementaridade entre a natureza e o indígena, mútuo conhecimento e reconhecimento.

É com muita tristeza, preocupação e indignação que observamos nos últimos anos uma escalada sem precedentes de destruição de parte significativa da nossa floresta amazônica e, junto, todo o seu ecossistema (poluição e assoreamento de rios e lagos, por exemplo), seja por queimadas criminosas ou avanços ilegais de áreas de garimpo, mineração, agronegócio, extrativismo madeireira. Essas são práticas incentivadas por um discurso governamental que despreza e critica a pauta ambiental e os seus principais defensores, a exemplo, os povos indígenas, em vez de criar ou fortalecer políticas públicas de combate aos crimes ambientais, que também são crimes contra a humanidade. A crise da Amazônia afeta profundamente a vida dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. Portanto, é uma crise de humanidade, de civilização. É uma crise existencial sem precedentes para o mundo pós-moderno.

Neste sentido, afirmamos a importância da defesa e proteção dos direitos humanos dos povos indígenas como uma das principais medidas de proteção à floresta amazônica, uma vez que estes são os principais defensores e cuidadores originários milenares dessas florestas e da natureza como um todo. Assim, defender e proteger as terras indígenas, as culturas, línguas e saberes indígenas é defender e proteger a Amazônia, a floresta amazônica, a natureza e o planeta. A Amazônia pode existir sem os seus habitantes originários, mas não seria a mesma, pois perderia seus filhos originários e seus maiores jardineiros e cuidadores!

 * Indígena e membro da Anistia Internacional Brasil, integrante da Assembleia Geral.

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