Este ano marca os 50 anos do golpe de Estado no Chile. Meio século de esquecimento em muitos aspectos: esquecimento das milhares de vítimas da ditadura de Augusto Pinochet que foram violentadas, executadas e desaparecidas; esquecimento dos milhares de familiares que ainda hoje buscam verdade, justiça e reparação; esquecimento das graves violações dos direitos humanos cometidas pelas Forças Armadas e carabineros do Chile. O esquecimento só traz dor e impunidade, por isso a memória é tão importante, para encontrar paz, para construir um futuro melhor, para não repetir a história.

A realidade é chocante, basta citar alguns números para mostrar o horror dos fatos. De acordo com a Subsecretaria de Direitos Humanos do Chile, mais de 40 mil pessoas foram vítimas, incluindo execuções políticas, desaparecimentos forçados e vítimas de prisão política e tortura. E atualmente há mais de mil pessoas desaparecidas e executadas que continuam desaparecidas.

A Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura (2005), por exemplo, recebeu o relato de 3.399 mulheres que sofreram a violência do Estado chileno. Quase todas disseram ter sido vítimas de violência sexual e 316 disseram ter sido estupradas. 229 mulheres foram presas estando grávidas e 11 delas disseram ter sido estupradas. Pelo menos 20 sofreram aborto e 15 tiveram seus filhos na prisão. É importante reconhecer que a violência sexual constitui uma das formas mais graves de violência e durante a ditadura foi sistemática e generalizada.

De acordo com o relatório da Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação (1991), pelo menos 307 menores de 20 anos foram executados, dos quais 75 são pessoas desaparecidas. As vítimas de prisão política e tortura menores de 18 anos, no momento da detenção, chegam a 956. Muitos foram vítimas diretas de tortura física; outros foram espectadores da brutalidade que seus familiares sofriam. E mais de 200 mil pessoas foram exiladas.

São mais do que números. Cada número representa uma pessoa, uma família, uma sociedade prejudicada. Com o passar das décadas, as novas gerações talvez recebam esses relatos de forma distante, mas é por isso mesmo que é importante lembrar e apontar quem foram os responsáveis e instar o Estado e suas instituições a não guardarem mais silêncio e a responderem pelas atrocidades cometidas, tomando urgentemente as medidas necessárias para fazer reparação e justiça.

Como afirmou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, “entende-se por memória as formas como as pessoas e os povos constroem sentido e relacionam o passado com o presente no ato de lembrar as graves violações dos direitos humanos e/ou as ações das vítimas e da sociedade civil na defesa e promoção dos direitos humanos e valores democráticos nesses contextos”.

Neste ano comemorativo, em vez de avançar nessa memória histórica, temos visto no Chile o aumento de discursos negacionistas. Por isso, a Anistia Internacional hoje é enfática ao afirmar que devemos priorizar a verdade e ser mais claros de que nunca, nunca, as violações aos direitos humanos podem ser justificadas.

Talvez, apenas assim, o nunca mais possa se tornar realidade no futuro. Vamos lembrar para não esquecer.

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