Por Jurema Werneck e Erika Guevara Rosas 

*Publicado originalmente em O Globo, em 19/09/2022.

Durante as eleições, as pessoas candidatas dispõem de uma tribuna que lhes permite amplificar seus discursos e, consequentemente, suas repercussões, para o bem ou para o mal. Nesses momentos decisivos, os cidadãos devem ter acesso a informações confiáveis, objetivas e baseadas em evidências. Em qualquer contexto, o direito à liberdade de expressão deve ser protegido, inclusive o direito de buscar e divulgar informações, ideias e opiniões de todos os tipos. No caso de um contexto eleitoral, porém, isso tem uma importância vital, pois as pessoas precisam de informações para exercer o seu direito de participação nos assuntos públicos e para manifestar suas opiniões sobre as candidaturas. 

No Brasil, esse direito à informação é ameaçado quando um dos candidatos, e atual presidente, utiliza constantemente um discurso contrário aos direitos humanos, desde as últimas eleições. Sobretudo quando um dos candidatos, Jair Bolsonaro, concorre à reeleição e não apenas persiste com esse discurso, mas o aprofunda com as ações de seu governo e o utiliza para questionar a legitimidade de outras instituições públicas fundamentais para a salvaguarda dos direitos das pessoas e das garantias do devido processo legal, como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. 

As pessoas candidatas são livres para expressar suas ideias e mobilizar seus apoiadores, mas esta liberdade de expressão implica obrigações e tem limites, o que é ainda mais importante quando se trata de funcionários públicos de primeiro escalão. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo, determinou que, quando altos funcionários públicos se pronunciam sobre temas de interesse público, estão “submetidos a certas limitações na medida em que  devem constatar de forma razoável, ainda que não necessariamente exaustiva, os fatos nos quais fundamentam suas opiniões”. Sendo assim, pessoas que ocupam cargos públicos “deveriam fazê-lo com uma diligência ainda maior à empregada pelos particulares, em razão de sua alta investidura pública, do amplo alcance e eventuais efeitos que suas expressões podem ter em certos setores da população, e para evitar que os cidadãos e outras pessoas interessadas recebam uma versão manipulada de determinados fatos”. 

Além disso, a Corte estabelece que as pessoas que são funcionárias públicas devem levar em conta que “têm uma posição de garantiae dos direitos fundamentais das pessoas e, portanto, suas declarações não podem desconhecer estes direitos nem podem constituir formas de ingerência direta ou indireta ou pressão lesiva aos direitos daqueles que pretendem contribuir com a deliberação pública por meio da expressão e difusão de seu pensamento. Este dever de especial cuidado se vê particularmente acentuado em situações de maior conflitividade conflito social, alterações da ordem pública ou polarização social ou política, precisamente pelo conjunto de riscos que podem implicar para determinadas pessoas ou grupos em um dado momento”. 

“Como funcionários públicos, eles têm uma posição de garantidores dos direitos fundamentais das pessoas e, portanto, suas declarações não podem ignorar esses direitos.”  – Corte Interamericana de Direitos Humanos

No Brasil, esse contexto altamente polarizado está claramente presente e, por isso, é responsabilidade de todas as candidaturas, principalmente de quem atualmente ocupa o cargo de presidente, estar à altura dessa responsabilidade. As pessoas candidatas devem assegurar que tanto suas propostas de governo quanto seu discurso público estejam de acordo com os direitos humanos e impliquem avanços, nunca retrocessos, nessa questão.  

Continuamos a acompanhar as pessoas defensoras dos direitos humanos, ativistas e jornalistas que, nos últimos anos, têm pagado um preço muito alto pela defesa dos direitos humanos, assim como aquelas pessoas que, de uma forma ou de outra, foram vítimas de discursos de ódio e contrários a direitos. Além disso, pedimos ao atual presidente e às demais pessoas candidatas que não percam tempo com polêmicas e ataques, mas que aproveitem o momento para concentrar seus esforços na discussão de questões de direitos humanos que serão fundamentais para o país nos próximos quatro anos, como as medidas a serem tomadas para uma recuperação justa da pandemia de Covid-19, a violência policial, os direitos dos povos indígenas, as medidas urgentes para proporcionar justiça climática e garantir a liberdade de expressão para todas as pessoas, e a proteção das pessoas defensoras dos direitos humanos e ambientalistas. 

As eleições não podem ser pretexto para violar ou promover a violação dos direitos humanos. 

As eleições não podem ser pretexto para violar ou promover a violação dos direitos humanos. 

 

 

Jurema Werneck é diretora executiva da Anistia Internacional Brasil. Erika Guevara Rosas é diretora para as Américas da Anistia Internacional. 

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