A vida não para. Todo dia, seguimos com a nossa rotina, persistindo e dando o melhor de nós mesmos para a sociedade em que vivemos, mas, é verdade: 2019 começou com tudo! E nós, na Anistia Internacional, estamos bastante preocupados com alguns assuntos relacionados a direitos humanos no Brasil.

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Listamos aqui oito dessas preocupações e queremos que você entenda quais são e porque você também deve ficar de olho nesse assunto. Afinal, o Brasil é para todo mundo e é sobre nosso presente, sobre nosso futuro e sobre nossos direitos que estamos falando.

  • Flexibilização da regulação sobre porte e posse de armas

Todo mundo tem o direito de ir e vir com segurança e de viver sem medo. Mas este ano, assinaram-se decretos que facilitam que milhões de pessoas possam comprar armas para guardar em casa e, em alguns casos, andar com elas por aí. E isso pode atentar contra as garantias do direito à vida. O aumento da circulação de armamentos, seja pela compra nos termos da lei, seja pela possibilidade de aumento dos casos de roubos, nos preocupa pela escalada do risco envolvido em situações como pequenos conflitos: uma briga, uma discussão em família ou com o vizinho poderá ser letal, por exemplo.

  • Pacote Anticrime

Policiais precisam de segurança, de qualidade no trabalho, e investimento em treinamento e inteligência operacional. A vida desses profissionais também está em jogo, mas isso não pode justificar tornar mais flexíveis as situações em que a polícia pode utilizar a força. Essa é uma das preocupações provocadas pelo “Pacote Anticrime”, que amplia os pressupostos de “legítima defesa” e diminui ou até mesmo elimina a pena para policiais que cometerem homicídios durante as atividades profissionais. No texto do projeto, a regulação dos pressupostos da legítima defesa é vaga e pode levar a violações ao direito à vida e à obrigação do Estado de investigar e sancionar adequadamente casos que envolvam mortes. A nova regulação também poderia transgredir o direito à liberdade ao aumentar os pressupostos da prisão preventiva, medida que deve ser excepcional e de último recurso, em um contexto de prisões superlotadas no país. Nós precisamos de uma política de segurança pública construída com inteligência e estratégia, não baseada na violência e no encarceramento como medidas centrais. 

  • Política de Drogas

Se uma pessoa é dependente de drogas, ela deveria ter acesso a um tratamento e reabilitação baseados em evidências científicas, no respeito e na proteção de seus direitos – entre eles, o da saúde. No entanto, a nova política de drogas adotada no Brasil está baseada no proibicionismo e se afasta da proposta de redução de riscos e danos. O Decreto nº 9.761/2019 propõe a abstinência como solução para os problemas relacionados com o uso de drogas – uma alternativa que já se mostrou ineficaz e que facilita violações aos direitos humanos. A prioridade dada pelo regulamento às “comunidades terapêuticas” também é preocupante pois favorece o seu financiamento por verbas públicas sem exigir a comprovação de eficácia de seus métodos e sem uma fiscalização minuciosa por parte das autoridades.

  • Demarcação de Terras Indígenas e Quilombolas

Todo mundo quer um lugar para chamar de seu, para viver, para trabalhar. Não é diferente para as populações indígenas e quilombolas. Está na Constituição e em tratados internacionais: o Brasil deve respeitar e proteger os direitos dos povos Indígenas e quilombolas, e entre esses estão os direitos originários sobre as terras e territórios. A ausência de demarcação e titulação, no entanto, continua colocando muitas comunidades tradicionais em perigo. O cenário se tornou ainda mais preocupante quando o Governo transferiu o poder de demarcação da Funai para o Ministério da Agricultura – decisão criticada pelo Relatório Especial das Nações Unidas sobre Direitos das Pessoas Indígenas. A responsabilidade de titulação de territórios quilombolas também saiu do Incra e passou para o mesmo ministério. Recentemente, uma comissão especial do Senado alterou a questão referente à Funai, atribuindo-lhe novamente a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas, assim como devolvendo sua estrutura para o Ministério da Justiça – a autarquia havia sido transferida para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A comissão do Senado não alterou a mudança feita pelo novo governo referente à titulação dos territórios quilombolas. A Medida Provisória ainda não foi votada em definitivo, e o contexto ainda é preocupante. Além disso, a mudança inicialmente sugerida pode piorar ainda mais a situação de indígenas que batalham contra invasões ilegais para apropriação de terras e/ou derrubada de árvores, mesmo quando suas terras já estão regularizadas, como é o caso de líderes comunitários e defensores de direitos humanos e do meio ambiente do povo Karipuna e Uru-Eu-Wau-Wau. Eles têm recebido ameaças e sofrido diversos ataques constantes, como mostramos recentemente.

  • Controle das atividades de ONGs

Cada vez mais governos tentam controlar organizações não-governamentais e buscam interferir na liberdade de atuação de instituições que, muitas vezes, apontam falhas, crimes e violações de direitos humanos cometidos pelo Estado. Ou seja, em vez de solucionar problemas, querem restringir o trabalho de quem os expõe e propõe soluções. Um novo Decreto presidencial (recentemente questionado pelo Congresso Nacional, o que pode resultar em sua anulação quando for a votação em plenário) queria permitir que o governo “supervisione, coordene e monitore” as atividades de organizações da sociedade civil, mas não deixou claro quais seriam as atribuições específicas do departamento criado para isso, e quais critérios adicionais poderiam surgir. A intenção de implementar este tipo de medidas nos preocupa por poder resultar em uma interferência indevida e em uma preocupante redução do espaço cívico. É importante lembrar que todas as organizações formalizadas que atuam no país já são fiscalizadas por órgãos responsáveis pela tributação, como a Receita Federal, e pelo controle das verbas públicas, como o Tribunal de Contas da União. Conheça o trabalho da Anistia Internacional.

  • Enfraquecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos

Recentemente, governos da Argentina, Chile, Colômbia e Paraguai, em conjunto com o governo do Brasil, apresentaram uma declaração ao Secretário Executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Nela, esses governos reivindicam autonomia para decidir sozinhos pelas formas mais adequadas para assegurar direitos em seus territórios, restringindo a atuação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH). Para nós, condicionar a atuação do mecanismo regional a interesses políticos dos países coloca em risco os direitos de vítimas de violações de direitos humanos. O SIDH tem desempenhado um papel de liderança na garantia do exercício dos direitos humanos nas Américas, de combate à impunidade e na defesa de casos individuais, quando os instrumentos dos Estados falham. Ou seja, quando as autoridades dos países não investigam violações cometidas em seus territórios, ou quando estas autoridades mesmas são quem cometem as violações, as vítimas têm um mecanismo de proteção independente, capaz de garantir verdade, justiça, reparação, além de medidas de não repetição. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos é de todas as pessoas que vivem na região das Américas!

  • Direito à verdade, justiça e reparação pelos crimes cometidos durante o Regime Militar

No último 11 de abril, poucos dias depois do golpe militar completar 55 anos – e de autoridades do governo considerarem comemorar essa data -, a edição do Decreto nº 9.759/2019 suspende a partir de junho o trabalho do coletivo de antropólogos forenses que analisa, desde 2014, mais de mil caixas com restos ósseos extraídos de fossas comuns, achados enterrados no Cemitério Perus – vala clandestina onde foram encontradas ossadas de vítimas de esquadrões da morte, de presos políticos e desaparecidos forçados da época do regime militar brasileiro. Esta medida nega o direito à verdade, à justiça e à reparação das vítimas do regime militar no Brasil. Além disso, foi adotada dias depois do 55º aniversário do golpe militar, momento no qual o Relator das Nações Unidas para a Promoção da Verdade, da Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição instara as autoridades brasileiras a reconsiderar planos para comemorar o aniversário de um golpe militar que resultou em graves violações de direitos humanos a milhares de pessoas por duas décadas. Quando se trata de perseguição, tortura, desaparecimento e morte, não há nada a celebrar.

  • Discurso Anti-direitos Humanos

Temos visto recentemente em muitos países líderes políticos em campanhas com uma agenda abertamente anti-direitos humanos, incluindo discursos de ódio. Alertamos no ano passado, após as eleições, que o presidente eleito no Brasil fez campanha com esse tipo de agenda e frequentemente fez declarações discriminatórias sobre diferentes grupos da sociedade. No Brasil, este discurso começa a se converter, agora, em medidas concretas e entre os sujeitos ameaçados estão, como falamos por aqui, tanto organizações quanto pessoas – muitas vezes por conta da cor da pele, gênero ou orientação sexual, e identidade de gênero ou tradicional. As declarações das autoridades podem estimular a proliferação de discursos de ódio, que polarizam a sociedade e afastam medidas concretas de proteção de todas as pessoas. O Brasil que queremos é um Brasil para todo mundo e isso só será possível se os direitos de todas as pessoas, sem distinção, forem respeitados!

Essas medidas podem afetar milhões de pessoas. E, para nós, um país justo não exclui ninguém. Para cada um desses temas, a Anistia Internacional expõe sua análise e propõe uma série de recomendações que consideramos que devem ser adotadas pelo governo do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, para garantir o cumprimento das obrigações do país perante as leis e as normas internacionais de direitos humanos. Enviamos uma carta aberta com nossas posições ao presidente, e esperamos que ele as considere no exercício de seu mandato. Problemas complexos exigem soluções complexas. Adotar medidas firmes e decisivas para proteger os direitos humanos e todas as pessoas que os defendem é urgente.

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