Por Clare Algar, Diretora Geral de Pesquisa, Advocacy e Política da Anistia Internacional
Abdulkareem al Hawaj, da Arábia Saudita, tinha 16 anos quando, em 2012, supostamente participou de protestos contra o governo na Província Oriental do país de maioria xiita. Dois anos depois, o adolescente foi preso e acusado de crimes relacionados à sua participação nos protestos.
Segundo as informações disponíveis, Abdulkareem foi mantido em reclusão solitária pelos primeiros cinco meses, sujeito a espancamentos e intimidações e recebeu ameaças com a morte de sua família durante interrogatórios brutais nos quais foi pressionado a “confessar”. Ele não teve acesso a um advogado durante sua prisão preventiva e nem durante os interrogatórios.
Abdulkareem foi condenado à morte pelo Tribunal Penal Especializado em 27 de julho de 2016 e, em 23 de abril de 2019, foi executado juntamente com 26 outras pessoas em uma tenebrosa execução em massa. Sua família, assim como as famílias dos outros homens executados naquele dia, soube das mortes pelo noticiário. Elas nunca receberam os corpos de seus entes queridos para velá-los.
A Anistia Internacional considera a pena de morte a forma mais extrema de punição cruel e desumana. Arrancar a vida de uma pessoa, seja por enforcamento ou por eletrocussão, decapitação, fuzilamento ou injeção letal, a sangue frio, é o ato mais vil e desprezível. Condenar alguém com menos de 18 anos no momento do crime à morte é uma violação do direito internacional.
Quando a pena de morte não está sendo usada contra pessoas que criticam as autoridades, para reprimir a dissidência ou espalhar o medo entre grupos minoritários ou desfavorecidos, é freqüentemente usada para aparentar pulso firme contra a prática de crimes. Mas não há evidências confiáveis de que as sociedades em que é praticada sejam mais seguras ou que as execuções possam realmente dissuadir a prática de crimes mais do que as penas de prisão.
A Anistia Internacional pede o fim da pena de morte há mais de 40 anos; em todos os casos e sem exceção. Portanto, é encorajador ver que nosso relatório mais recente mostra que as execuções em todo o mundo diminuíram pelo quarto ano consecutivo, atingindo o nível mais baixo em 10 anos.
Tendência global para o fim da pena de morte
No total, 657 execuções foram registradas em todo o mundo em 2019, representando uma diminuição de 5% em relação a 2018. Os dados confirmam a tendência global de redução do uso da pena de morte a cada ano, desde o pico máximo de 1.634 execuções registradas em 2015.
Essa queda é parcialmente atribuída ao fato de que alguns países onde a pena de morte é mais amplamente utilizada executaram menos pessoas em 2019, como o Egito (de pelo menos 43 a pelo menos 32), Japão (de 15 a 3) e Cingapura (de 13 a 4).
Pela primeira vez desde 2010, nenhuma execução foi realizada no Afeganistão. Também houve interrupções na Tailândia e Taiwan. Enquanto isso, Federação Russa, Gâmbia, Cazaquistão, Malásia e Tajiquistão continuaram a aplicar moratória nas execuções.
Embora nenhum país tenha abolido a pena de morte para todos os crimes em 2019, o impulso em direção à abolição global dessa terrível punição continuou a crescer.
Na África Subsaariana, vários países – como Gâmbia, Guiné Equatorial, Quênia, República Centro-Africana e Zimbábue – tomaram medidas que podem levar à abolição.
No Caribe, Barbados removeu a pena de morte obrigatória de sua Constituição, enquanto nos Estados Unidos, o governador da Califórnia, o estado com a maior população de pessoas condenadas à pena capital, estabeleceu moratória oficial às execuções, e New Hampshire se tornou o vigésimo-primeiro estado a abolir a pena de morte para todos os crimes.
Avanços dificultado por um pequeno número de estados
No entanto, os avanços foram dificultados por vários eventos, como o aumento acentuado de execuções em países como Arábia Saudita e Iraque.
No total, as autoridades sauditas executaram 184 pessoas no ano passado, frente a 149 em 2018.
A maioria das execuções foi realizada por crimes relacionados a drogas e homicídios. Não obstante, a Anistia Internacional também documentou um aumento no uso da pena de morte como arma política para reprimir a dissidência da perseguida minoria xiita na Arábia Saudita.
No Iraque, as autoridades têm recorrido cada vez mais à pena de morte, principalmente para punir supostos membros do grupo armado autodenominado Estado Islâmico. O número de pessoas executadas quase dobrou para 100 em 2019, comparado a 52 em 2018.
Falta de transparência
“Sigilo” e pena de morte andam de mãos dadas.
Apesar dos pedidos da Anistia Internacional, muitos países não forneceram informações oficiais sobre o uso da pena de morte. Por exemplo, o Vietnã, um dos cinco países que realizou mais execuções em 2018, divulgou apenas números parciais para 2019, e a China, Coréia do Norte e Irã continuaram a ocultar a dimensão verdadeira do uso da pena de morte.
Isso apenas aumenta nossa determinação.
Devemos continuar fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance para pressionar a pequena minoria de países do mundo que realizam execuções a abolirem a pena de morte de uma vez por todas. A vida humana é o mais importante. Nós nunca devemos esquecer isso.