Há cinco anos, Ana Maria Santos Cruz teve de transformar a dor e o luto pela perda de um filho em força para lutar por justiça e verdade. Em 2018, aos 31 anos, Pedro Henrique Santos Cruz foi assassinado por policiais na cidade de Tucano, a cerca de 270 km de Salvador, BA. Homem negro e ativista pelos Direitos Humanos, Pedro teve sua casa invadida por policiais, na madrugada do dia 27 de dezembro de 2018, enquanto dormia
com sua namorada. A ação é vista por familiares e amigos de Pedro como uma represália ao ativismo contra a violência policial que ele fazia na região.

Do evento trágico surge mais uma mãe contra a brutalidade policial: a história de Ana Maria é parecida com a de milhares de famílias e, sobretudo, a de mães negras brasileiras, que, de repente, perdem seus entes queridos em decorrência da violência de Estado e se veem simultaneamente diante de uma grande dor e da necessidade de lutar por justiça. A história será recontada ao mundo pela “Escreva Por Direitos”, da Anistia Internacional, uma das maiores campanhas de direitos humanos do planeta, envolvendo mais de 150 países, a ser lançada no próximo dia 29, no Festival WOW Rio 2023.

A “Escreva por Direitos” promove mudanças na vida de defensores e defensoras de direitos humanos, gente que passa por injustiças ao redor do mundo e comunidades que experimentam violações. Entre as ações da campanha, a Anistia Internacional também apresenta as reinvindicações dos protagonistas desses casos e suas histórias a autoridades que podem mudar suas realidades.

A campanha estimula as pessoas a escreverem cartas para líderes nacionais, locais e mundiais exigindo a proteção de indivíduos que tiveram seus direitos violados, como é justamente o caso de Ana Maria. Nesta edição, a Anistia fará uma petição que cobra a celeridade nas investigações ao Ministério Público da Bahia, órgão responsável pela
denúncia após a fase do inquérito.

Brutalidade contra o ativismo
Pedro Henrique vivia para o ativismo, pregava a paz, igualdade racial e se identificava como parte da cultura rastafari. Era o principal idealizador da “Caminhada pela Paz”, que denunciava as ações violentas da PM na cidade baiana de Tucano, além de arrecadar alimentos para as famílias em situação de insegurança alimentar. Sua militância começou em 2012 quando foi vítima de uma abordagem policial violenta na porta da casa do seu
pai. Os policiais que conduziram o procedimento abusivo, além dos que assistiram sem fazer nada, foram punidos após terem sido processados por Pedro. Segundo Ana Maria, na audiência que os condenou, em 2013, seu filho chegou a ser ameaçado.

Em poucos anos, o ativismo de Pedro Henrique despertaria incômodo em integrantes das forças de segurança em Tucano, que cometeram vários abusos contra ele num espaço de 5 anos. Até que, no dia 27 de dezembro de 2018, Pedro teve sua casa invadida enquanto dormia por volta das 3h da madrugada. Eram três homens encapuzados, que o executaram com oito tiros. A testemunha ocular do crime, sua ex-namorada, reconheceu os três homens como sendo policiais.

A indignação de Ana Maria com o histórico de abusos policiais sofridos pelo filho, a impunidade perante as denúncias feitas por ele em vida e a ausência de desfecho na investigação de seu assassinato, obrigam-na a falar publicamente, criticando os abusos e exigindo a responsabilização dos envolvidos.  Após perder seu filho por este ato de brutalidade, Ana Maria tornou-se conhecida pela sua luta por justiça. No entanto, seu grito de indignação também não foi recebido pacificamente pelas forças policiais da Bahia e ela tem sido alvo de constantes
perseguições e intimidações por parte de autoridades, inclusive com processos na justiça por “calúnia e difamação”. Tudo com o objetivo de constranger, intimidar e criminalizar sua luta e dissuadi-la de continuar falando.

Essas ações foram ajuizadas em 2019 pelo mesmo escritório de advocacia, em cidades diferentes (Salvador, Euclides da Cunha e Tucano) com a clara intenção de dificultar a defesa de Ana Maria e esgotá-la, uma vez que é preciso acompanhar vários processos em lacais distintos e distantes de sua casa. Salvador, cidade onde reside Ana Maria, fica a 252 Km de Tucano e em Euclides da Cunha, local da outra comarca, fica a 56 km de
Tucano e a 324 km de Salvador. Os acusados pelo crime contra Pedro Henrique vivem normalmente, como se nada tivesse acontecido. Enquanto Ana Maria e a sua família, embora mais unida desde o ocorrido, convivem com a dor da ausência de Pedro Henrique em suas rotinas.

CAMPANHA ESCREVA POR DIREITOS
Ao longo dos anos, a Escreva Por Direitos já visibilizou casos de centenas de defensores ao redor do mundo, contribuindo para reparações de direitos violados, como no caso do professor indígena da Guatemala, Bernardo Caal, liberto após quatro anos de prisão, em 2021. Esta é a segunda vez que um caso brasileiro entra na campanha: a primeira foi em 2018, com a história de Marielle Franco. Seus familiares receberam cartas de
solidariedade de várias partes do mundo.

Além do apoio com a escrita de cartas para as autoridades, cartas de solidariedade e assinaturas das petições com chamados de ação, a campanha também atua com educação em Direitos Humanos a partir de outros casos. Ao todo, são publicados cinco guias educativos, que podem ser utilizados em sala de aula, em família, amigos ou em
atividades culturais. Neles, por meio da história real de um defensor(a), pode-se discutir temas importantes de direitos humanos; e receber dicas e sugestões sobre como falar a respeito desses assuntos de forma fácil e educativa, incentivando a ação solidária, a cidadania e a empatia.

Serviço:
Lançamento campanha Escreva Por Direitos
Data: 29 de outubro
Local: Festival Mulheres do Mundo – WOW Rio, na Praça Mauá

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