Em 2024, o golpe militar no Brasil completa 60 anos. E como forma de cobrar justiça, a Anistia Internacional rememora relatório global sobre casos de tortura e violações de direitos humanos durante o regime militar no Brasil. Enviado às autoridades brasileiras e internacionais, ainda na década de 1970, o documento traz nomes de 1.081 vítimas de tortura e de 472 responsáveis pelos crimes. O relatório foi construído como uma resposta à negativa do então presidente do Brasil, Emílio Médici, a visita de mecanismos internacionais de direitos humanos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos para documentação das situações de violação de direitos humanos no país.

Na década de 1970, de maneira inédita, a organização denunciou prisões ilegais sob o regime ditatorial instalado no país. A atuação da Anistia se deu por meio do detalhamento e documentação da situação de 119 presos e perseguidos políticos, além da mobilização e apoio financeiro e atenção pública fora do país para suas memórias de violência, através de cartas que trocou com os exilados e presos políticos no Brasil.
As trocas de cartas entre exilados, membros da Anistia Internacional e presos políticos no Brasil é inclusive retratada em “Fico te Devendo uma Carta sobre o Brasil”, filme em que a cineasta Carolina Benjamin parte das correspondências trocadas entre sua avó, Iramaya Benjamin e Marianne Eyre, da Anistia Internacional em Estocolmo, na Suécia, e a mobilização internacional que ambas lideraram e que culminou com a libertação e na acolhida no exílio de Cesar Benjamin, filho mais novo de Iramaya e pai de Carolina.

A mobilização da opinião pública internacional e a pressão sobre o governo brasileiro se intensificaram a partir dos relatos de graves violações perpetradas pelo Estado brasileiro contra 11 ativistas presos e torturados pelo regime entre 1969 e 1972. O relatório da Anistia Internacional traz descrições precisas da anatomia do regime de exceção, seus aspectos legislativos, judiciais e políticos, e os mecanismos que utilizava para tentar legitimar violações de direitos praticadas por agentes do Estado e fornecer uma espécie de fachada que, em tese, ajudaria a esconder ou maquiar – inclusive para outros países – a barbárie que ocorria nos chamados “porões” da ditadura.O documento revela padrões das instituições brasileiras e denuncia a Operação Bandeirantes, vista como uma “escola de tortura”, citando nomes de chefes das cadeias de comando como o Delegado Sérgio Fleury.

“As torturas eram extremamente severas, como “pau-de-arara”, choques em todas as regiões do corpo, sevícias nos dentes e unhas, surras, exposição ao frio, privação de sono, afogamentos, ameaças a seus familiares, violência sexual, entre outras. Na maioria dos relatos é mencionada a presença de médicos que estiveram presentes às sessões para garantir não o socorro, mas a “eficácia” daquelas práticas criminosas. Infelizmente, se analisarmos as condições das prisões e padrões de execuções extrajudiciais que seguem vitimando civis no Brasil contemporâneo, vemos que avançamos muito pouco (ou quase nada).”, afirma Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.

É importante rememorar que ainda em maio de 1970, representantes da Anistia Internacional se reuniram com o então presidente do Brasil, general Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), e integrantes da Embaixada Brasileira em Londres. No encontro, um dossiê com nomes e denúncias de violações de direitos cometidas por agentes do regime foi apresentado, junto com a reivindicação para que pudéssemos realizar uma investigação independente in loco no país, porém sem sucesso.

Mais de 50 anos separam o Brasil pós-redemocratização, da década de 2020, daquele de 1972 e, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, são 832.295 presos no Brasil, um em cada quatro deles permanece sem julgamento – mesmo apesar de o STF ter apontado o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro. Predominam nas prisões brasileiras os jovens, negros, de baixa renda e escolaridade. Estes provavelmente também já eram maioria entre os encarcerados em 1972, uma vez que o racismo atravessa gerações, mas suas histórias tanto no passado como no presente não são contadas.

“Os depoimentos sobre casos de tortura levam à conclusão de que a tortura continua no Brasil”, dizia o relatório da Anistia Internacional de 1972. O achado segue valendo para os dias atuais. Apesar da Constituição de 1988 vetar quaisquer formas de tortura e censura, entre 2019 e 2022 foram 44,2 mil denúncias sobre tortura e maus tratos de presos e presas feitas a magistrados durante audiências de custódia. É imprescindível que as autoridades competentes atuem para garantir o funcionamento adequado de mecanismos capazes de efetivar e garantir os direitos de memória, verdade e justiça das vítimas das arbitrariedades perpetradas pelo Estado brasileiro. Para que não haja repetição e para que nunca mais o país seja controlado por autoridades incapazes de cumprir suas obrigações com os direitos humanos”, finaliza Jurema Werneck.

Baixe aqui o relatório.

CAMINHADA DO SILÊNCIO

No próximo domingo (31), a Anistia Internacional Brasil participa da Caminhada do Silêncio, em São Paulo. A marcha, que tem objetivo de promover de ressignificar a data do golpe e realizar homenagem à memória das vítimas, se concentrará antigo Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi, a partir das 16h.

A caminhada terá como destino o Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos, no Parque Ibirapuera.

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