A Anistia Internacional Brasil denuncia que a extinção da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos viola os direitos à verdade, à justiça e à reparação das vítimas e familiares de vítimas da violência de Estado durante o Regime Militar no Brasil (1964-1985). 

 Hoje, 15 dias antes do fim da gestão de Jair Bolsonaro, o Governo Federal anunciou o fim da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP.  A Anistia Internacional Brasil alerta que o resultado da votação de hoje representa um grave retrocesso e uma ameaça ao processo de justiça de transição necessário neste país, além de violar direitos à verdade, à justiça e à reparação das vítimas e familiares de vítimas da violência de Estado durante o Regime Militar no Brasil (1964-1985).  

Os únicos três votos contrários – vencidos por quatro favoráveis – foram de Vera Paiva, filha do ex-deputado Rubens Paiva – morto pela ditadura, Diva Soares Santana, irmã de Dinaelza Santana – militante do PCdoB morta pelos militares e Ivan Marx, representante do Ministério Público Federal 

É inadmissível o encerramento das atividades da Comissão, em um contexto em que ela ainda não cumpriu sua tarefa legal, recomendada também pela Comissão Nacional da Verdade, de localizar, identificar e entregar para sepultamento digno os restos mortais de desaparecidos políticos.   

Instituída em 1995, a Comissão tem a função de localizar e reconhecer pessoas que foram mortas ou desaparecidas em razão de suas atividades políticas no contexto do Regime militar brasileiro, além de formular medidas de indenização e reparação para as famílias das vítimas. Em 2013, a publicação do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), órgão temporário que encerrou suas atividades em 2014, representou um marco histórico no processo de redemocratização do país – fato que reforça a importância da CEMDP na investigação e transparência dos crimes cometidos durante o Regime Militar. À época, a CNV reconheceu 434 mortos e desaparecidos, número que é considerado subestimado por historiadores e historiadoras, dado a carência de fontes documentais e casos de corpos não identificados na Vala do Perus, por exemplo. 

Importa ter em mente que os direitos das vítimas e familiares perseguidos, torturados, mortos e desaparecidos por oposição ao regime militar estão garantidos na Constituição Federal de 1998, assim como no âmbito dos parâmetros internacionais de direitos humanos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), em julgamento do “Caso Gomes Lund v. Brasil, Guerrilha do Araguaia”, sentenciou, em novembro de 2010, a obrigação do Estado brasileiro em apurar, processar e responsabilizar os responsáveis pelos crimes cometidos pelo regime militar contra opositores políticos. Em 2018, ao julgar o caso “Vladimir Herzog v. Brasil” a Corte IDH reconheceu que as violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar contra opositores políticos consistia em crimes contra a humanidade. 

Apesar de a CEMDP se tratar de uma comissão de Estado, regulada pela Lei nº 9.140 de 04 de dezembro de 1995, a menos de um mês da posse do próximo governo federal eleito, o presidente do órgão, Marco Vinícius Pereira de Carvalho, nomeado para o cargo pela ex-ministra do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, anunciou que a pauta para dissolução da Comissão seria votada em reunião extraordinária, marcada inicialmente para o dia 14 de dezembro, e adiada para hoje, 15 de dezembro. Em junho de 2022, Carvalho também havia convocado uma reunião extraordinária com o mesmo fim, tendo recuado após manifestações contrárias da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal.  

É preciso quebrar de uma vez por todas este ciclo de não responsabilização dos envolvidos nos crimes do Regime Militar que, no presente, segue produzindo um quadro alarmante de práticas de tortura, execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados por parte das forças de segurança pública brasileiras. Este é um passado que não cessa no Brasil.  

É imprescindível que as autoridades competentes atuem de forma a revogar a descontinuidade de um órgão comprometido com os direitos de memória, verdade e justiça.  

 

 

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