Publicado originalmente em 02/03/2021, no jornal O Globo.

Por Mary Lawlor, Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Defensores dos Direitos Humanos

Hoje se completam cinco anos desde que a defensora dos direitos humanos e do meio ambiente Berta Cáceres foi assassinada em sua casa em Honduras.

Ela foi uma entre centenas de defensores dos direitos humanos mortos devido a seu trabalho pacífico, e centenas de outros vêm sendo mortos todo ano desde então. Os responsáveis raramente são levados à justiça.

É uma história já conhecida e que continua em muitas partes do mundo onde os responsáveis pelo assassinato de uma defensora frequentemente gozam de impunidade.

Esta semana apresentarei meu relatório mais recente ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. O relatório trata dos assassinatos de defensores dos direitos humanos e das ameaças que muitas vezes precedem essas mortes.

Entre 2015 e 2019, dezenas de defensores foram assassinados em pelo menos 64 países – um terço de todos os estados membros da ONU.

Sabemos que em todos os continentes, nas cidades e no campo, em democracias e ditaduras, governos e outras forças ameaçaram e mataram defensores. Muitos, como Berta Cáceres, foram mortos no contexto de grandes obras empresariais.

Por que tantos governos e outros matam defensores que trabalham pacificamente em prol dos direitos de outros? É em parte porque podem fazê-lo, cientes de que é improvável que exista a vontade política de punir os responsáveis.

Embora alguns estados já tenham criado mecanismos dedicados de proteção para prevenir e responder a riscos e ataques contra defensores, estes frequentemente denunciam que esses mecanismos recebem recursos insuficientes.

Esses crimes não são atos aleatórios de violência que vêm do nada. Muitos dos assassinatos são precedidos por ameaças. Como destacou a Anistia Internacional, o assassinato de Berta Cáceres foi “uma tragédia que estava esperando por acontecer”; ela havia “denunciado repetidas vezes as agressões e ameaças de morte que recebera.”

Mesmo assim, seu governo não a protegeu. Desde que assumi esta missão, já falei com centenas de defensores no mundo inteiro. Muitos me contaram de seu medo real de ser assassinados e me mostraram ameaças de morte que lhes foram feitas, em muitos casos publicamente.

Eles me contam que algumas ameaças são ditas em voz alta, pessoalmente, postadas em redes sociais, feitas em telefonemas ou mensagens de texto ou, ainda, em bilhetes escritos enfiados sob uma porta. Alguns defensores são ameaçados de ter seus nomes incluídos em listas publicadas de alvos de assassinato, recebendo uma mensagem passada por um intermediário ou tendo suas casas pixadas.

Pessoas que defendem os direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexo, além das defensoras e dos defensores dos direitos humanos de mulheres e pessoas transgênero, frequentemente são atacadas com ameaças baseadas em gênero e são visadas devido a quem são, além de pelo que fazem. Mulheres e pessoas LGBTI que reivindicam direitos em contextos patriarcais, racistas ou discriminatórios muitas vezes sofrem formas de ataque específicas que incluem violência sexual, difamação e estigmatização.

Os assassinatos de defensores não são inevitáveis; muitos são assinalados com antecedência. Ainda assim, ano após ano os governos deixam de fornecer recursos suficientes para preveni-los e, ano após ano, deixam de levar os assassinos à justiça. Na verdade, os estados deveriam não apenas acabar com a impunidade, como também aplaudir publicamente a contribuição vital dos direitos humanos às sociedades.

Esta semana voltarei a lembrar às Nações Unidas que seus estados membros estão descumprindo suas obrigações morais e legais de impedir os assassinatos de defensores. Não adianta representantes governamentais lamentarem e concordarem que o assassinato de Berta Cáceres e outros defensores é um problema terrível e que alguém deveria estar fazendo alguma coisa a esse respeito.

Não é tão complicado assim. Cabe aos estados encontrarem a vontade política de impedir os assassinatos, reagindo melhor às ameaças feitas a defensores dos direitos humanos e levando os assassinos à justiça.

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