*Publicado originalmente em Marie Claire/Foto: Bruna Sanches
5 de setembro é Dia da Amazônia. A data nos dá a oportunidade de refletir sobre o bioma que contém a maior floresta tropical e a maior reserva natural do planeta. São 6,74 milhões de km2 de extensão, espalhando-se por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Está no Brasil a maior porção de sua área protegida, o que nos confere a responsabilidade de olhar para ela e conservá-la.
Nunca pus meus pés na floresta, ainda que tenha visto (e sentido) do alto, da janela do avião, sua potência e sua paradoxal fragilidade, ao visitar quase todos os estados brasileiros da região e também alguns de seus outros países. Como eu, a maior parte dos brasileiros e da humanidade não viu de perto esse bioma tão pujante quanto ameaçado.
“O que os olhos não veem…”, no caso da Floresta Amazônica, todo corpo humano sente. Sente a mudança no regime de chuvas, que inunda comunidades, afogando casas e sonhos daquelas e daqueles que já tinham tão pouco, e seca lavouras e rios, fazendo faltar comida no prato de uma legião de subnutridos. Enchendo ainda mais de medo o coração de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e tantas outras comunidades tradicionais locais, muitas delas desesperadas diante da floresta em chamas, com o fogo chegando cada vez mais perto, ou com a ameaça das armas de grileiros e garimpeiros que trazem, junto com a devastação, a covid-19.
Nasci em área urbana numa época em que orgulho de brasileiro era viver em um país sem furacões, terremotos ou nevascas. Agora já começo a perceber mudanças antes impensáveis. Da mesma forma que a Floresta Amazônica, nosso planeta arde: já estamos 1,1 °C acima dos níveis pré-industriais devido ao aquecimento global. O resultado: eventos climáticos extremos, como ondas de calor e incêndios florestais sem precedentes, tempestades tropicais de alta intensidade e secas severas. E a reação das autoridades públicas? Nula ou negligente.
A crise do clima e a devastação da Amazônia são crises de direitos humanos, como aponta o recente relatório Parem de Queimar Nossos Direitos, da Anistia Internacional. Está tudo conectado e há “impactos graves sobre os direitos humanos de milhões de pessoas, como o direito à vida, à água, à alimentação, à moradia, à saúde, ao saneamento, a um padrão de vida adequado, ao trabalho, ao desenvolvimento, a um meio ambiente saudável, à cultura e à autodeterminação, bem como o direito de estar livre de discriminação e tratamento cruel, desumano ou degradante, entre outros”, diz o documento.
No relatório, a Anistia Internacional e seus mais de 10 milhões de apoiadores mundo afora exigem que governos e empresas adotem medidas urgentes para que os efeitos das mudanças climáticas parem de violar ainda mais os direitos humanos, sobretudo de pessoas historicamente vulneráveis, como indígenas, povos e comunidades tradicionais do Brasil e do mundo, chamando atenção para o grande fardo que as mulheres desses povos e comunidades estão carregando. A conservação da Amazônia é um eixo determinante para o presente e o futuro da sociedade que queremos. Temos que nos unir para pressionar as autoridades públicas a reconhecerem que a defesa do ambiente é também um direito humano. E o agir é pra ontem.
Precisamos, no Brasil, fazer parar a “boiada” de Bolsonaro, Ricardo Salles e dos 296 deputados federais que aprovaram o PL da Grilagem, que dá privilégios aos fora da lei que invadiram terras públicas, territórios indígenas, áreas de reservas e de comunidades quilombolas, não raro com violência, conferindo a eles o “direito” à terra invadida, como aconteceu no passado com invasores bandeirantes. O estrago daquela época – genocídio indígena, escravidão de milhões, devastação – não foi reparado até hoje.
Esta coluna está coberta de medo: de não vermos mais a maior floresta tropical do mundo, sua fauna e flora únicas; e que a carga de sofrimento experimentada pelas pessoas que lá habitam não encontre alívio.
A escolha de caminhos sustentáveis de viver precisa se contrapor à sanha exploratória devastadora de biomas e de vidas que marca tão fortemente a história do Brasil. Ainda tenho esperança de pisar no chão da Amazônia. Ainda sonho com a interrupção da tragédia climática. Em sociedade, devemos repactuar e transformar modos de consumo e de vida em favor da sobrevivência dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e demais comunidades tradicionais. É pela Amazônia, e por cada um de nós.