Por Jurema Werneck e Erika Guevara-Rosas 

Publicado orginalmente no dia 08 de outubro de 2021 no site Newswee

Mais de mil dias após o início da administração do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil está consideravelmente pior do que quando ele assumiu o cargo. A má gestão da pandemia da COVID-19, o agravamento de uma crise de segurança pública e uma vasta devastação ambiental são apenas três resultados de um mandato que tem sido nada menos do que desastroso para os direitos humanos. 

No relatório 1.000 dias sem direitos: as violações do governo de Bolsonaro, a Anistia Internacional Brasil destacou 32 ações governamentais que conduziram claramente a graves violações dos direitos humanos desde a posse do presidente até o dia 26 de setembro de 2021. Milhões de pessoas em todo o país sentiram o impacto dessas políticas nocivas no bolso, no vazio da geladeira e na própria pele.  

O país que Bolsonaro descreveu em seu recente discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas não existe. Está longe das alegações do presidente de supervisionar uma nação livre de corrupção, com proteção ambiental robusta e credibilidade restaurada aos olhos do mundo. Na realidade, o Brasil está atolado em uma crise de direitos humanos grave e de várias dimensões. 

Quatorze milhões de pessoas estão desempregadas, e são parte dos 56% da população que enfrenta a insegurança alimentar e que tem pouco ou nenhum acesso à assistência social. Dezenove milhões de pessoas passam fome todos os dias. Os mais afetados são negros e indígenas. Muitas vezes as mulheres assumem o desafio solitário de garantir o cuidado e a subsistência de suas famílias, sem qualquer apoio do governo federal. A ajuda financeira emergencial que começou a ser prestada em 2020 foi interrompida por três meses e depois retomada com valor reduzido. Organizações da sociedade civil se mobilizaram para mitigar os efeitos da fome no Brasil, distribuindo alimentos para moradores de favelas e prestando assistência jurídica a indígenas e quilombolas, para que pudessem defender seus direitos. Mas o estado deve fazer mais. 

O presidente Jair Bolsonaro encarou a pandemia COVID-19 com um misto de negação, negligência, oportunismo e desprezo pelos direitos humanos. As constantes afirmações e ações de Bolsonaro que minimizavam os efeitos da doença, incluindo seus inúmeros discursos antivacina, a demora na obtenção de vacinas, sua defesa de medicamentos ineficazes e seu incentivo a grandes aglomerações, são alguns dos motivos pelos quais o Brasil ultrapassou o triste marco de 600.000 vidas perdidas. Esses enormes números refletem não apenas o número de mortos, mas também a quantidade de famílias e comunidades que perderam seus entes queridos. São histórias interrompidas por negligência e omissão. Enquanto isso, o presidente Bolsonaro continua a tratar a COVID-19 como se ela não existisse. 

O Brasil tem um dos poucos sistemas públicos de saúde universais das Américas, mas foi afetado pelas medidas de austeridade do governo em meio à pandemia. Indígenas, quilombolas e até moradores de favelas do Rio de Janeiro tiveram que recorrer ao Supremo Tribunal Federal para exigir seus direitos à assistência – e mesmo assim, as decisões do tribunal não foram cumpridas como deveriam. 

As constantes afirmações e ações de Bolsonaro que minimizavam os efeitos da doença, incluindo seus inúmeros discursos antivacina, a demora na obtenção de vacinas, sua defesa de medicamentos ineficazes e seu incentivo a grandes aglomerações, são alguns dos motivos pelos quais o Brasil ultrapassou o triste marco de 600.000 vidas perdidas.

Em junho, organizações da sociedade civil, incluindo a Anistia Internacional, apresentaram um estudo revelando que o governo brasileiro poderia ter evitado 120.000 mortes apenas no primeiro ano da pandemia se tivesse adotado as medidas de saúde pública adequadas para combater a COVID-19. As organizações apelaram ao procurador-geral Augusto Aras para que abrisse investigações sobre a responsabilidade do governo Bolsonaro.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito está em curso no Senado Federal há cinco meses. Algumas situações já reveladas precisam da atenção urgente do Procurador-Geral da República, mas as suas ações ainda não são claras. Essa paralisia não se limita ao judiciário. O Parlamento do Brasil também continuou a conspirar com os incontáveis ​​fracassos do governo Bolsonaro na gestão da pandemia. Mais de 120 pedidos de impeachment do presidente estão na mesa de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados. 

Não se trata apenas do manejo incorreto da pandemia, mas também de outras ações governamentais que estão perpetuando as múltiplas crises de direitos humanos no Brasil. 

Bolsonaro e outras autoridades de alto escalão estão constantemente atacando a imprensa, tirando o crédito do trabalho de milhares de jornalistas e trabalhadores da mídia e, por vezes, ameaçando o Estado de Direito. Ao estimular o desmatamento e a extração de recursos naturais na Amazônia, o presidente agravou o impacto da crise climática nas terras e territórios dos povos indígenas, deixando um legado de destruição ambiental. 

Não se trata apenas do manejo incorreto da pandemia, mas também de outras ações governamentais que estão perpetuando as múltiplas crises de direitos humanos no Brasil. 

O governo de Bolsonaro relaxou ainda mais as proteções e os mecanismos de preservação, expondo comunidades inteiras a desastres, violência e abandono. No que diz respeito à segurança pública, o governo ampliou o acesso a armas de fogo em 65%, apesar de o Brasil já ser um dos países com maior número de mortes por arma de fogo no mundo. 

A comunidade internacional não pode fechar os olhos enquanto o governo de Bolsonaro destrói inúmeras vidas e causa danos incalculáveis ​​ao planeta. O mundo deve exigir prestação de contas e estar ao lado do povo brasileiro em seus apelos para que o governo respeite e defenda os direitos humanos. 

 

Jurema Werneck é diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil. Erika Guevara-Rosa é diretora da Anistia Internacional Regional Américas 

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