O comandante de submarino John Remo teve o cuidado de ocultar todas as provas, escondendo as roupas de mulher no porão. Levou mais de 30 anos para o segredo vir a público.

John era imprevisível quando criança. Xingava, metia-se em brigas, tocava numa banda de rock. Ingressou na Marinha, chegando a comandante de submarino aos 27 anos.

Certa noite o telefone do navio tocou para John. Era sua esposa. Ela tinha encontrado uma sacola com roupas femininas no porão. John percebeu que tinha sido apanhado, mas era arriscado demais falar por um telefone militar. Ele prometeu escrever-lhe uma carta.

Na manhã seguinte o submarino de John saiu para patrulhar o norte do Mar de Barents, no auge da Guerra Fria. Sua esposa ficou esperando o correio para saber a verdade sobre o marido.

Terreno perigoso

A história começa há mais de 20 anos, em uma pequena cidade costeira da Noruega. John, com cerca de quatro anos, foi descoberto por sua mãe usando um vestido. Ela ficou furiosa: isso era impensável e proibido.

“Ficamos ambos com medo. Percebi que era um terreno perigoso, mas eu sempre me senti como uma menina, queria parecer uma e fazer parte dos jogos de meninas.”

Crescendo na década conservadora de 1950, John aprendeu que ao fingir ser um menino obteria o amor que precisava. Um amor condicional.

“Eu comecei a fingir, mas de tanto tentar, eu exagerava e ficava desinteressante. Eu rapidamente aprendi os piores palavrões e como lutar.”

John pode ter sido um arruaceiro como adolescente, mas ele também adorava música. Isso abriu uma porta para continuar a explorar o seu lado feminino reprimido. Sua tia tinha uma guitarra e deu-lhe as chaves de sua casa para ensaiar.

“Ela tinha roupas bonitas, lingerie de seda e sapatos de salto alto. Foi uma sensação de liberdade e felicidade ir para lá, experimentar tudo, e ser eu mesma. Mas ficava triste por não poder mostrar a ninguém.”

Muito provavelmente, sua tia sabia, mas ela nunca disse nada. “Minha tia era uma mulher pequena, e eu ainda me lembro da tristeza que senti quando seus sapatos já não cabiam mais nos meus pés.”

John saiu de casa aos 17 e casou perto dos 20 anos. Tiveram um filho. Como pai de barba áspera e um emprego de macho, ele cumpriu as expectativas de seu sexo.

A verdade vem à tona

A esposa de John ficou estranhamente aliviada quando finalmente recebeu a carta. Seu primeiro pensamento foi que John havia assassinado alguém e escondido suas roupas na sacola.

Mas uma vez sabendo da verdade, estava claro que o relacionamento se baseava em uma mentira e não poderia continuar.

“Eu a amava, e tinha medo de perdê-la. Eu esperava que a minha necessidade de ser mulher fosse embora – que por ser casado com ela eu poderia dispensar isso. Mas isso só durou um mês antes de eu voltar a me vestir em segredo.”

Trinta anos depois que a sacola com as roupas foi encontrada no porão, chegou a hora de finalmente acabar com o segredo e caminhar abertamente como mulher pela rua mais movimentada de Oslo: “Foi uma sensação tão emocionante de liberdade.”

Sexo: M

Ela mudou seu nome legal com relativa facilidade. Para os amigos e amigas, agora ela é apenas Jeanette. Mas, em público, ela usa John Jeanette para destacar a discriminação que ela e outras pessoas transgênero ainda enfrentam na Noruega.

Porque mudar seu sexo legal – para aparecer como feminino em documentos de identificação, como uma carteira de motorista ou passaporte – era outra história. A legislação norueguesa exige que ela se submeta a uma ‘conversão real de sexo’ obrigatória com base em uma prática grosseira datando de 1970.

Trata-se de ter seus órgãos reprodutivos removidos – e, portanto, tornar-se estéril. Também requer um diagnóstico psiquiátrico, que obriga a pessoa a aceitar que sofre de problemas mentais.

John Jeanette se recusa a submeter-se a isso. “Os hormônios mudam seu corpo e mente – é como passar por uma nova puberdade”, explica ela.

Todos os seus documentos oficiais, portanto, ainda se referem a ela como homem. Sua identidade transgênero é pública, e muitas vezes comentada quando ela se registra em um hotel, pega uma receita médica ou toma emprestado um livro da biblioteca local.

“Sento-me em uma sala de espera como uma mulher, apenas para ter o meu nome masculino chamado em voz alta. Estou preparada para isso, mas eu ainda me sinto humilhada e frustrada toda vez.”

John Jeanette não quer ser forçada a trocar uma cirurgia pelos documentos de identificação do sexo feminino. Ela diz que ficou muito surpresa ao ouvir que ativistas da Anistia em todo o mundo estão apoiando sua atitude em dezembro.

“Acho que significa muito para as pessoas na minha situação”, disse ela. “Juntos, podemos mudar as coisas.”

Entre em ação: Exija que John Jeanette e todas as pessoas transgênero possam viver livres de discriminação.

Saiba mais

O que significa ser transgênero?
Refere-se a pessoas cuja identidade de gênero é diferente do sexo legal que lhes foi atribuído ao nascerem. Pessoas transgênero são, com frequência, assumidamente gays, mas a identidade de gênero não tem nada a ver com a orientação sexual.

Por que a situação de John Jeanette é um caso de direitos humanos?
Fazer as pessoas transgênero escolherem entre uma irreversível cirurgia de esterilização, ou não ter seu gênero legalmente reconhecido, viola seu direito de viver livre de discriminação e é um tratamento desumano, cruel ou degradante.

Por que agora é uma boa oportunidade para a mudança?
A Dinamarca aprovou recentemente um marco de lei permitindo que as pessoas transgênero mudem de sexo legalmente sem serem diagnosticadas com problema mental ou se submeterem a cirurgias. Só a Argentina tem leis semelhantes. Ao alterar a sua lei também, a Noruega vai corresponder à sua imagem de campeã dos direitos humanos e da igualdade.