Mohamed Ali Saidi, Mohamed Garnit e Abdelaziz Redaouia

Mohamed Ali Saidi, de 27 anos, fazia parte de um grupo de saarianos preso em 9 de maio de 2013 por suspeita de protestos violentos durante uma manifestação pela autodeterminação em Laayoune ocorrida cinco dias antes. Ele contou que os policiais ameaçaram violentá-lo, antes de submetê-lo a várias outras formas de tortura e maus-tratos, durante os três dias que ficou preso. Ele contou à Anistia Internacional:

“Ameaçaram violentar-me com uma garrafa, trouxeram a garrafa para eu ver. Era uma garrafa de vidro.

Disse ainda:

Açoitaram as solas de meus pés com cordas, enquanto eu estava suspenso numa posição de frango assado, e também mergulharam meus pés em água gelada… Enquanto eu estava suspenso, colocaram uma toalha na minha boca e me engasgaram jorrando água dentro do meu nariz. Depois, despejaram urina.  Depois… tiraram minhas roupas, exceto minhas roupas de baixo, e me açoitaram na virilha com cintos.”( Em entrevista, Laayoune, 13 de junho de 2014.)

Outro manifestante preso no mesmo dia,  Mohamed Garnit, 24, também contou que os policiais ameaçaram violentá-lo com uma garrafa de vidro, depois de desnudá-lo até as roupas de baixo. Contou que também ameaçaram matá-lo, que iriam espancá-lo depois de suspendê-lo na posição de  ‘frango assado’ (posição estressante em que as vítimas são penduradas de cabeça para baixo de uma barra pelos joelhos e punhos, numa posição agachada, que sobrecarrega grandemente os joelhos e ombros) e enfiaram um trapo encharcado de urino na sua boca. Os policiais seguraram sua mão, forçando-o a assinar vários relatórios de interrogatórios, e forçando suas impressões digitais em outros documentos. Ele contou que mais tarde descobriu que suas ‘confissões’ implicavam duas outras pessoas que ele não conhecia na época.

Os dois prisioneiros contaram ao juiz de investigação que foram torturados, especialmente para garantir ‘confissões’, disse o advogado deles à Anistia Internacional. Mohamed Ali Saidi disse que mostrou ao juiz investigante as marcas no rosto, mas o juiz as ignorou. Mohamed Garnit  lembra o que aconteceu quando ele mostrou seus ferimentos ao juiz:

“Eles nos levou para ver o juiz de inquérito no domingo, de manhã, quando o tribunal estava vazio. Quando eu lhe mostrei meus ferimentos, e lhe contei que os policiais haviam me torturado, ele jogou as mãos no ar e disse: ‘O que você quer que eu faça? Você quer que eu vá com você e bater neles? ‘ “

O tribunal não ordenou qualquer investigação sobre a tortura e também não fez nada depois que as famílias deram queixas quanto à tortura. Mohamed Ali Saidi, Mohamed Garnit e outros detidos foram mantidos em prisão preventiva durante cinco meses, antes de serem libertados sob fiança depois da primeira audiência de julgamento. Dois anos após a sua detenção, os seus processos continuam em aberto.

Em outros processos, os suspeitos disseram à Anistia Internacional que foram torturados ou maltratados por se recusarem a assinar relatórios de interrogatório ou por não responderem a determinadas perguntas.

Abdelaziz Redaouia, 34, disse que policiais o prenderam em Tanger em 5 de dezembro de 2013 quando estava de férias, e o transferiram ao quartel central da Brigada Nacional da Polícia Judiciária em Casablanca onde contou que foi detido, interrogado e torturado.  Esse cidadão de dupla nacionalidade, francesa e argelina, contou que policiais à paisana primeiro o acusaram de roubar carros, depois de posse ilegal de armas, e no final, de crimes relacionados a drogas.

Descreveu como eles o torturaram para forçá-lo a assinar um relatório de interrogatório que não deixaram ele ler, e para incriminar  outros de crimes que não cometeram. Ele disse que os policiais forçaram sua cabeça para debaixo d’água, usaram uma bateria de carro para lhe dar choques elétricos nos órgãos genitais, e bateram  nas solas dos seus pés enquanto ele estava suspenso. Ele acrescentou que não havia intérprete durante o interrogatório,  realizado em árabe, uma língua que ele mal entende.

“Eu me recusei a assinar o relatório de interrogatório, então eles me espancaram de novo. Eles engancharam uma algema dentro da minha bochecha e puxavam como se fossem furar minha pele.”

Abdelaziz Redaouia contou que ele disse ao tribunal em várias ocasiões que os policiais o haviam torturado, mas os juízes não ordenaram nenhum exame ou investigação quanto a  suas alegações. Em 18 de fevereiro de 2014, o tribunal o condenou por posse de drogas, tráfico de drogas e fraude, e o penalizaram com dois anos de prisão e uma multa, confirmada em recurso. A condenação baseou-se no seu relatório de interrogatório não assinado e fraudado. O tribunal também condenou três outros réus no mesmo processo.

As forças de segurança abusam de manifestantes com “descarada segurança de impunidade”

Abderrazak Jkaou, Brahim El Guelai

Vários estudantes descreveram como as forças de segurança os prenderam e torturaram ou maltrataram antes dos protestos planejados no campus, numa aparente tentativa de dissuadi-los e aos espectadores da dissidência. Alguns disseram que foram abusados bem ​​à vista de colegas com descarada segurança de impunidade.

Em 27 de março de 2012, os agentes de segurança espancaram o estudante ativista Abderrazak Jkaou no campus deixando-o desmaiado, na véspera de um protesto no campus da universidade Ibn Toufail de Kenitra. Várias testemunhas confirmaram o seguinte relato dado à Anistia Internacional por um estudante de 27 anos:

“Foi uma violência brutal – como se os perpetradores tivessem prazer em me espancar. Fui cercado por policiais … Alguns levavam longos cassetetes de madeira. Bateram-me da cabeça aos pés. Em seguida, um oficial à paisana colocou uma algema em seu punho e me deu um soco entre os olhos. Caí nocauteado. Em seguida, os outros vieram e pisotearam minha bexiga até eu urinar. Bateram-me até eu desmaiar, então me jogaram para fora do campus, como um advertência aos outros estudantes. Os alunos pensaram que eu estava morto. ”

Quando voltou ao campus no dia seguinte, as forças de segurança o prenderam juntamente com dezenas de outros alunos ao dispersaram o protesto. Ele disse que os oficiais o espancaram, ameaçaram violentá-lo com o cassetete, cuspiram nele depois de prendê-lo, em seguida, levaram-no para a delegacia de polícia. Ali a polícia continuou a maltratá-lo durante o interrogatório, fazendo-o ajoelhar-se durante horas diante de uma parede com as mãos algemadas nas costas, pontuando o interrogatório com tapas na cabeça e chutes. Ele e outros 10 estudantes presos naquele dia, vários dos quais disseram à Anistia Internacional que também foram abusados, foram acusados ​​e julgados com base nos relatórios de interrogatório eles alegaram a polícia os forçou a assinar enquanto presos.

Quando os 11 estudantes viram o Procurador-Geral depois de três dias presos na polícia, vários tinham ferimentos visíveis, incluindo hematomas, inchaço e cortes no rosto e no corpo, assim como roupas manchadas de sangue, contaram à Anistia Internacional.

O Procurador-Geral observou as lesões e, estranhamente, concordou com o pedido dos advogados para exames médicos. Os exames foram realizados várias semanas mais tarde e os advogados disseram à Anistia Internacional que os relatórios que se seguiram concluíram que os estudantes foram feridos. No entanto, os estudantes disseram que muitos dos seus ferimentos visíveis haviam desbotado quando foram feitos os exames. Vários estudantes salientaram o fato de que o médico não os tocou durante o breve exame ou perguntou sobre os sintomas ou lesões não visíveis, e não realizou avaliações psicológicas. O estudante Brahim El Guelai lembrou:

O exame chegou tarde e meus ferimentos estavam pouco visíveis. Ele só olhou para nós e não fez perguntas ou nos tocou. Foi só para constar, os exames levaram cinco minutos por pessoa. Ele não fez nenhuma pergunta relacionada a lesões não visíveis, sobre dores de cabeça ou sobre trauma psicológico. Os atestados médicos subestimaram as lesões de alguns companheiros que ainda tinham lesões bem visíveis “.

O tribunal abriu um inquérito, mas disse que a prova não era  conclusiva porque os alunos que disseram ter sido torturados enquanto de olhos vendados não puderam identificar seus torturadores. O tribunal ignorou outras queixas por parte dos alunos e condenou-os todos a penas de seis meses de prisão por “insultar e agredir” os agentes de segurança, “rebelião”, “danificar patrimônio público”, “portar armas” e “tentativa de invadir uma residência privada”.  Ao dar seu veredicto, o tribunal se baseou em relatórios policiais do interrogatório que os acusados ​​disseram que foram  forçados a assinar.

Passantes não estão a salvo das forças de segurança

Khadija (nome alterado para proteger sua identidade)

Alguns dos que relataram ter sido presos e torturados eram conhecidos militantes estudantis, outros eram transeuntes. Khadija é uma estudante de fala mansa, calouro da Universidade Sidi Mohamed Ben Abdellah em Fes. Não é uma ativista em si, ela passava por acaso perto do protesto no campus da universidade Dhar El Mehraz que estava sendo disperso violentamente enquanto ela estava voltando para seu dormitório depois da aula, no dia 29 de março de 2014. Ela descreveu à Anistia Internacional sua detenção e tortura por oficiais da Unidade de Intervenção Móvel (Corps mobile d’intervention, CMI) e outros policiais:

No meu caminho de volta da aula, três policiais de choque da CMI vieram até mim por trás e me fizeram tropeçar. Eu caí e eles arrancaram  meu xale e me bateram. Depois,  eles me arrastaram pelas pernas, de bruços, até a sua van. No interior, cerca de 10 outros policiais estavam à espera. Foi quando me bateram com a maior força. Durante meia hora ou mais, eles me bateram, me chamaram de prostituta, xingaram minha mãe e ameaçaram estuprá-la [a mãe] …”

“Na delegacia, eles me colocaram numa sala com a porta aberta. A polícia continuou entrando e saindo, me puxando para um lado e do outro, ameaçando me estuprar, tentando tirar minha roupa … Alguns disseram: ‘Se virmos você na universidade de novo, nós vamos te estuprar “. Cada vez que entrava um novo policial, eu esperava que ele tivesse um pouco de compaixão, mas ele apenas ameaçava me estuprar ou me xingava, enquanto os outros riam … “

Khadija disse que os policiais a soltaram sem acusação às 9 da noite. Deixada sem dinheiro, ela não teve outra escolha senão arriscar sua segurança e ir a pé do centro da cidade até  dormitórios de estudantes sozinha à noite.

Eu descobri que somos torturadas em nosso próprio país, e os policiais não respeitam as mulheres. Eles dizem que Marrocos é um país democrático, com liberdades e direitos humanos. Mas eu descobri que não é de todo o caso. Quem não têm dinheiro não têm nada. ”

Preso por se expressar

Wafae Charaf

Wafae Charaf, 27, ativista de direitos humanos que trabalha pelos direitos dos trabalhadores e de grupos políticos em Tanger está na prisão por “informações falsas” e “calúnia” após dar queixa por sequestro e tortura.

Ela disse na denúncia que dois homens à paisana a sequestraram de um protesto sindical em Tanger, em 27 de abril de 2014. Ela disse que eles a forçaram a entrar num veículo sem identificação, vendaram-lhe os olhos e a espancaram, ameaçando-a de mais violência se não parasse com seu ativismo, e só a soltaram três horas  depois. Três dias depois, ela deu queixa por “sequestro e tortura” junto à Procuradoria-Geral do Tribunal de Recursos de Tanger, com um atestado médico descrevendo seus ferimentos.

A família de Wafae disse que a polícia investigou a queixa durante as semanas seguintes e prometeu protegê-la de mais agressões – se ela retirasse a queixa. Wafae insistiu que era seu direito de apresentar queixa e tê-la adequadamente investigada. Sua família e um defensor local de direitos humanos dizem que os interrogadores  perguntaram longamente sobre os conselhos de trabalhadores e ativismo político em Tanger, embora isso não fosse relevante para a sua reclamação. Eles disseram que ela desmaiou em várias ocasiões durante o interrogatório e, posteriormente, foi internada em uma clínica privada. Lá, os médicos descobriram que ela estava sob grande pressão psicológica e concluíram que ela não estava preparada para interrogatório enquanto sua saúde mental não melhorasse, mas os policiais continuaram a interrogá-la.

Quando ela se recusou a retirar a sua queixa, os policiais prenderam Wafae Charaf em 8 de julho de 2014 antes de acusá-la por calúnias e “falsa denúncia” de crime, colocando-a em prisão preventiva. Em 12 de agosto de 2014, o Tribunal de Primeira Instância de Tanger condenou  Wafae Charaf por todas as acusações, penalizando-a com um ano de  prisão, multando-a e ordenando que pagasse mais 50.000 dirhams (cerca de US $ 5.000) à policia como indenização. De acordo com um advogado de defesa, o tribunal recusou os pedidos da defesa para chamar determinadas testemunhas e para divulgar provas da acusação alegadamente obtidas através da intercepção de mensagens de telefone. Sua pena foi aumentada para dois anos no recurso. A Anistia Internacional considera Wafae Charaf  uma prisioneira de consciência, presa apenas por exercer seu direito a queixar-se de maus-tratos, e pede sua libertação imediata e incondicional.

À procura de  justiça no estrangeiro

El Mostapha Naim

Diante da inação judicial quanto à  sua busca por prestação de contas e, em especial, diante da má-vontade das autoridades para investigar suas denúncias de tortura, alguns sobreviventes de tortura anteriormente detidos em Marrocos começaram apresentar queixas na França.

El Mostapha Naim, cidadão francês de origem marroquina, de 30 anos de idade, procura obter  justiça quanto a um alegado sequestro, detenção secreta e tortura em 2010. Ele disse à Anistia Internacional que a inteligência marroquina o sequestrou em 1 de Novembro de 2010, em Algeciras, na Espanha, e obrigou-o a entrar  em uma balsa com destino a Marrocos, juntamente com sua esposa grávida. Ele disse que oficiais da inteligência o mantiveram secretamente em Temara por 10 dias onde eles o acusaram de terrorismo, e mais tarde de crimes relacionados a drogas, e o torturaram. Ele disse que os oficiais deram-lhe choques elétricos debaixo das rótulas em duas ocasiões, e dando-lhe socos e pontapés, levando-o à beira do suicídio.

El Mostapha Naim acrescentou que, após 10 dias, os  oficiais de inteligência o entregaram à polícia em Casablanca, onde foi mais maltratado, e o obrigaram a assinar uma declaração incriminatória que ele não pôde ler. Ele disse que o tribunal ignorou as lesões visíveis em seu rosto durante a sua primeira audiência. Ele acrescentou que seu advogado disse repetidamente ao promotor e ao juiz investigativo que ele havia sido torturado, em vão. Ele continuou em prisão preventiva até o tribunal  condená-lo com mais outros cinco por delitos relacionados a drogas em outubro de 2011. Em 2013, ele conseguiu transferência para uma prisão na França, depois do quê foi libertado.

El Mostapha Naim disse à Anistia Internacional que autoridades marroquinas não entraram em  contato com ele em relação a qualquer investigação sobre suas queixas, mas que ele estava buscando obter justiça na França. Ele disse:

“[Os sobreviventes de tortura em Marrocos] todos devem apresentar queixa – mas eles estão com medo. Dar queixa é uma escolha que você tem que fazer. Lá, eu tinha uma má fama, porque eu nunca desisti “.

Mais tarde, ele ponderou:

Aprendi que o Marrocos é intocável. Mas o que quero é um processo judiciário. Quero vê-los na minha frente, quero vê-los processados. Não  vou desistir.”

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