A Anistia Internacional teme que a maioria dos prisioneiros de consciência serão excluídos do perdão real, anunciado dia 29 de janeiro pelo Rei Salman bin Abdul Aziz Al Saud, de acordo com as condições de perdão do Ministério do Interior.

O perdão real, que se refere às condições estipuladas pelo ministro do Interior, em um comunicado de 27 de janeiro, é excludente a “crimes relacionados à segurança do Estado”, segundo a Anistia Internacional. “Crimes relacionados à segurança do Estado” não são definidos de uma forma clara nem codificados nas leis sauditas, que preveem uma vaga lista de acusações usada, geralmente, contra ativistas de direitos humanos e prisioneiros de consciência, tanto no Tribunal Criminal Especializado (SCC), o Tribunal de Contraterrorismo e Segurança, quanto em outros tribunais criminais.

Quase todos os prisioneiros de consciência adotados pela Anistia Internacional, que tem seus nomes listados abaixo, foram condenados por acusações relacionadas à segurança do Estado, sendo listados como “crimes terroristas” de acordo com a lei antiterror de fevereiro de 2014. Muitos deles foram julgados pelo SCC, o único tribunal de segurança e antiterror, sendo, portanto, considerados casos relacionados à segurança do Estado.

A base das acusações feitas aos ativistas de diretos e outros prisioneiros de consciência que foram condenados são consideradas “crimes terroristas”, incluindo “quebra de fidelidade e desobediência”, “busca pela quebra de segurança e incitação da desordem”, “manchando a reputação do Reino”, assim como “disseminação de informações falsas para grupos estrangeiros” e “formação ou participação em organizações não licenciadas”.

O documento de três páginas do Ministério do Interior, que estipula as condições para o perdão, não menciona todas as condições que a Anistia Internacional previa, incluindo a típica condição utilizada pelas autoridades nos últimos anos na forma de promessas, oral ou assinada pelos prisioneiros, para “pedir desculpas pelas ofensas e se comprometer a não repeti-la”. Ou seja, os ativistas devem parar com seu trabalho e desistir da liberdade de expressão. A Anistia Internacional descobriu que alguns oficiais se aproximaram de prisioneiros de consciência na semana passada para um inquérito extra oficial sobre a reação deles a essas possíveis condições de perdão.

Condições de perdão anunciadas

O comunicado oficial do Ministério do Interior classifica sentenças, casos e crimes em um número de categorias, incluindo sentenças Hudud vs Ta’zir, casos de “direito público” vs “direito privado”, “crimes sérios” vs “crimes menores”, anos de prisão, quantificação de penalidades financeiras, e se a pessoa foi ou não culpada e sentenciada, ou é suspeita de acusações, mas ainda não julgada.

Uma lista de 14 tipos diferentes de crimes estão excluídos do perdão, como crimes puníveis de acordo com Hudud, crimes relacionados a “direitos privados”, “crimes relacionados à segurança do Estado”, assim como “tráfico de drogas” e “estupro, assalto a mão armada e bandidagem”, crimes com pena capital na Arábia Saudita.

Ofensas ao “direito privado” não podem ser perdoadas sem o consenso do(s) indivíduo(s) que tiveram seus diretos violados, e ganharam o processo contra o ofensor. O perdão real, portanto, só abrange casos de “direito público” em que o Ministério acusou um agressor que prejudicou o Estado, ou a propriedade pública, ou a comunidade nacional, ou que tenha violado as leis do país.

Sentenças Hudud são fixas e baseadas no Corão, estando, portanto, excluídas do perdão. As sentenças Ta’zir são consideradas punições discricionárias e corretivas por crimes menores. Prisioneiros sentenciados a punições Ta’zir por crimes menores relacionados a “direitos públicos” serão anistiados e soltos, não necessitando pagamento de multas ou a flagelação, a menos que esse crime esteja relacionado à flagelação de acordo com Hudud.

Aqueles acusados de “crimes sérios” relacionados aos “direitos públicos” serão totalmente anistiados de multas e flagelação, mas ainda servirão um quarto de sua pena se foram sentenciados a dois anos de prisão ou menos, metade se foram condenados a penas de 2 a 5 anos, e dois terços para penas acima de cinco anos de prisão.

A maioria dos perdões reais teve condições similares àquelas que apareceram no comunicado oficial de 27 de janeiro. Alguns tinham outros critérios, como a idade do condenado ou o tipo de droga em posse de um suspeito julgado por posse de drogas. Em alguns perdões reais anteriores, por exemplo, prisioneiros acusados de posse de Qat, um estimulante usado no Iêmen, foram anistiados.

“Crimes relacionados à segurança do Estado” mantiveram-se excluídos de perdões reais anteriores. A diferença, agora, é que nenhum prisioneiro de consciência poderá ser anistiado como em ocasiões anteriores, já que esse tipo de crime foi alçado pelo atual Ministério do Interior a “crimes terroristas” de acordo com a lei antiterror.

Uma notável ausência dessa nova lista de crimes excluídos do perdão real são os crimes relacionados à ofensa ao Islã, que foram mantidos fora de perdões reais anteriores. Contudo, não foi especificado se esse tipo de crime está incluído ou excluído.

Aplicabilidade do Perdão aos atuais prisioneiros de consciência

A Anistia Internacional tornou público o nome de mais de uma dúzia de prisioneiros de consciência na Arábia Saudita que estão atrás das grades por ativismo pacífico. São eles Sheikh Suliaman al-Rashudi, Dr Abdullah al-Hamid, Dr Mohammed al-Qahtani, Dr Abdulaziz al-Khodr, Mohammed al-Bajadi, Fowzan al-Harbi, Dr Abdulrahman al-Hamid, Saleh al-Ashwan, Omar al-Sa’id, Fadhel al-Manasif, Loujain al-Hathloul, Maysaa al-Amoudi, Waleed Abu al-Khair e Raif Badawi.

Todos aqueles que foram acusados e julgados por “distúrbio de ordem pública”, “desestabilização da segurança da sociedade ou da estabilidade do Estado”, “exposição de perigo unidade nacional” “revogação de leis básicas ou a seus artigos” ou “prejudicar a reputação do Estado”, que são todas as acusações feitas aos ativistas e críticos, serão excluídos do perdão. Isso inclui todos os prisioneiros de consciência citados anteriormente, com a potencial exceção de Raif Badawi.

A flagelação de Raif Badawi, que causou comoção internacional nas últimas semanas, não está relacionada diretamente a crimes contra a “segurança do Estado”, mesmo ele sendo acusado de “insultos ao Islã”, crime considerado “sério”, e a criação do “Free Saudi Liberals Network”, que contém informações consideradas “perigosas” a “ordem pública”. Não está claro, contudo, se ele vai ser incluído no perdão.

Devido à vaga natureza de crimes relacionados à segurança do Estado, é possível que a acusação ou as autoridades possam fazer com que o “insulto ao Islã” e “prejudicar a ordem pública” sejam considerados “crimes contra a segurança do Estado”. Se as autoridades decidirem pela não utilização desse argumento, então Raif Badawi será incluído no perdão e, de acordo com suas condições, sua flagelação será cancelada, assim como suas multas, e sua pena será reduzida de 10 para 7 anos de prisão.

Durantes os últimos dias, a mídia saudita relatou o perdão e a soltura de centenas de acusados e prisioneiros. De acordo com esses relatos, todos os anistiados foram acusados de crimes comuns, sem acusações políticas. Não parece que ninguém com um caso similar a Raif Badawi tenha sido anistiado, assim como não há indicação de que ele ou outros acusados de crimes semelhantes serão anistiados. Todos os outros prisioneiros de consciência não parecem perto do perdão.

A Arábia Saudita deve soltar imediatamente todos os prisioneiros presos pelo exercício da liberdade de expressão e de associação. Deve-se comutar todas as sentenças de morte e punições corporais, e liberar ou julgar novamente aqueles que foram ajuizados em tribunais injustos em julgamentos de acordo com procedimentos que respeitam padrões internacionais.

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