Mais de um ano depois de o governo do Qatar prometer fazer reformas limitadas para melhorar a situação dos direitos trabalhistas dos migrantes, as esperanças depositadas no verdadeiro avanço se desintegra a toda velocidade, afirmou a Anistia Internacional em um novo documento publicado hoje (21).
Com o título Promising little, delivering less: Qatar and migrant labour abuse ahead of the 2022 Football World Cup (Prometendo pouco, entregando menos: O Qatar e os abusos trabalhistas de migrantes frente à Copa do Mundo de Futebol de 2022), o documento apresenta uma “tabela de pontuação” onde se qualifica a resposta das autoridades aos problemas relacionados com nove direitos laborais fundamentais dos migrantes, identificados pela Anistia Internacional. Passou-se um ano e ocorreram apenas progressos limitados em cinco das áreas; nos quatro campos restantes, as autoridades não avançaram.
“O governo do Qatar está explorando os trabalhadores migrantes. No ano passado, o governo se comprometeu a melhorar os direitos trabalhistas dos migrantes no Qatar, mas, na prática, não houve avanço significativo na proteção destes direitos”, afirmou Mustafa Qadri, pesquisador da Anistia Internacional sobre os direitos das pessoas migrantes no Golfo Pérsico.
Nos últimos 12 meses praticamente não têm ocorrido mudanças nas leis, políticas e práticas para os mais de 1.5 milhões de trabalhadores migrantes no Qatar, que continuam à mercê de seus empregadores e patrocinadores. Sobre os assuntos fundamentais da permissão de saída, as restrições para mudar de empregados segundo o sistema catariano de patrocínio laboral (kafala), a proteção dos trabalhadores domésticos e a liberdade para constituir sindicatos não tiveram o mínimo avanço.
“A ausência de clareza dos objetivos e parâmetros de referência para a reforma traz importantes dúvidas sobre o comprometimento do Qatar para abordar os abusos contra os direitos laborais dos migrantes. Se não atuarem com rapidez, as promessas formuladas em 2014 correm o grave risco de serem descartadas como mero exercício de relações públicas, para que este Estado do Golfo Pérsico continue sendo anfitrião do Campeonato Mundial de Futebol 2022”, disse Mustafa Qadri.
A FIFA se dispõe a eleger novo presidente na próxima semana, em 29 de maio. O órgão reitor do futebol mundial tem a responsabilidade clara de dar prioridade ao assunto da exploração dos trabalhadores migrantes no Qatar e devem fazer um apelo às autoridades catarianas, em público e reservadamente, para que adotem reformas eficazes destinadas a proteger os direitos dos trabalhadores migrantes.
“A FIFA dedicou muito tempo, dinheiro e capital político para investigar a suposta corrupção nas licitações na Rússia e Qatar para serem sedes da Copa do Mundo, e duvidaram sobre a programação da competição. Mas a organização ainda não demonstrou um compromisso real para garantir que o Qatar 2022 não se constitua sobre cimentos de exploração e abuso”, afirmou Mustafa Qadri.
“A FIFA deve trabalhar em estreita cooperação com o governo, o Conselho Supremo de Qatar 2022 – órgão responsável pela organização do Mundial de Futebol do Qatar, as principais empresas associadas e outros responsáveis pelo campeonato para prevenir os abusos associados e a organização do Mundial.”
A reforma mais notável que o governo propôs no ano passado foi a introdução de um sistema eletrônico de salários para mudar a forma de pagamento aos migrantes, que prosseguia em processo de implementação. Muitos migrantes entrevistados pela Anistia Internacional nos últimos meses continuavam se queixando de falta de pagamento ou atrasos no pagamento do salário.
O Qatar tampouco cumpriu seu objetivo de que houvesse 300 inspetores de trabalho operando antes do fim de 2014. Somente foram feito avanços limitados quanto à adoção de medidas dirigidas a melhorar a segurança nas obras, regular a atividade das agências exploradoras de contratação e a melhorar o acesso à justiça das vítimas de exploração laboral.
Ainda que tivessem implementado todas as reformas que o Qatar anunciou em maio de 2014, tais medidas não bastariam para abordar as causas fundamentais da exploração generalizada de trabalhadores e trabalhadoras migrantes.
Em novembro de 2013, um informe publicado pela Anistia Internacional revelou que o abuso e a exploração de trabalhadores migrantes da construção eram práticas generalizadas e alguns casos constituíam trabalho forçado. Embora o Qatar tenha expressado desde então seu desejo de pôr fim a esta forma de abuso, para muitos migrantes, apenas mudaram as coisas.
Para Ranjith, trabalhador migrante do Sri Lanka entrevistado este ano pela Anistia Internacional, não houve salário desde que chegou ao Qatar, há cinco meses. Não há documento de identidade nem contrato. Seu alojamento, em um acampamento de trabalhadores localizado na zona industrial, está abarrotado e sujo.
“Só quero trabalhar e ganhar algum dinheiro para minha esposa e meus filhos; mas, por culpa de meu patrocinador, não posso mudar de trabalho. Se vou à polícia, me deterão e expulsarão do país, porque não tenho documento de identidade”, contou à Anistia Internacional.
“A realidade é que se transcorreram mais de um ano e meio desde que a Anistia Internacional apontou a exploração descontrolada das pessoas migrantes. Estamos um ano mais próximos do Campeonato Mundial de Futebol Qatar 2022, o tempo para implementar mudanças está se acabando”, afirmou Mustafa Qadri.
“Sabendo que ainda estamos no auge da construção no Qatar, e está previsto que a população de trabalhadores migrantes aumente até os 2,5 milhões, a necessidade de uma reforma é urgente.”
A atitude recente das autoridades catarianas, em lugar de adotar as medidas necessárias para combater a exploração de trabalhadores, traz questionamentos sobre o interesse verdadeiro: encobrir os abusos ou pôr fim a eles.
Jornalistas e trabalhadores de direitos humanos que investigam as condições dos trabalhadores migrantes no Qatar são sujeitos a detenção e interrogatório por parte das autoridades. Somente no mês passado foram detidos jornalistas que investigavam, separadamente, a exploração de trabalhadores migrantes para a BBC e para a emissora alemã WDR.
“Ao tentar amordaçar os que documentam as condições dos trabalhadores migrantes mediante detenção e intimidação, o governo transmite a mensagem de que se preocupa mais que sua imagem do que em terminar com a terrível realidade das dezenas de milhares de homens e mulheres que sofrem abusos no Qatar”, disse Mustafa Qadri.
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