A Anistia Internacional Brasil observa com preocupação os desdobramentos da oitava edição da Operação Escudo no estado de São Paulo. Inicialmente deflagrada na região da Baixada Santista, em 28 de julho de 2023, como resposta à morte do soldado Patrick Bastos Reis, a operação, justificada pelo Governo do Estado de São Paulo como crucial a proteção dos agentes de segurança, se mostrou incapaz de impedir que dois Policiais Militares fossem mortos em serviço em 2024. Novamente deflagrada em 2 de fevereiro, em resposta à morte do soldado da ROTA Samuel Wesley Cosmo, a operação já custou a vida de 7 civis e mais um agente morto em serviço, o PM José Silveira dos Santos, baleado em uma incursão realizada no dia 7 de fevereiro em Santos, SP.
Consideramos inaceitáveis as declarações oficiais do Governo do Estado de São Paulo, na figura do governador Tarcísio de Freitas, e da Secretaria de Segurança Pública, em resposta a ofícios da Anistia Internacional Brasil, que apontam que a Operação Escudo é uma “iniciativa de resposta imediata das Forças de Segurança do estado diante de atos de violência direcionados a agentes públicos”, admitindo a realização institucional de uma ação de vingança.
Enfatizamos que ações desse tipo, além de se provarem ineficazes para o combate ao crime organizado e a proteção das forças policiais em serviço ou fora de serviço, resultam em violações e abusos. Não podemos jamais esquecer os episódios conhecidos como os Crimes de Maio de 2006, em São Paulo e na Baixada Santista, onde, num período de duas semanas, 564 pessoas foram mortas numa operação de vingança em resposta à morte de policiais. Tampouco podemos nos esquecer que, em julho de 2023, a Operação Escudo resultou em 28 mortes, tornando-se a operação policial mais letal do estado de São Paulo nas últimas décadas.
No curso daquela operação, o Conselho Nacional de Direitos Humanos emitiu a Recomendação nº 13, instando as autoridades estaduais de São Paulo, assim como as agências públicas federais, a adotarem medidas para garantir o respeito ao direito à vida, bem como medidas para evitar a repetição de massacres e o uso excessivo de força em operações policiais, recomendando a interrupção imediata da Operação Escudo. O Conselho Nacional de Direitos Humanos também realizou uma missão de emergência in loco na região da Baixada Santista, em São Paulo, durante os dias 14 e 15 de agosto. A Anistia Internacional, o Movimento Independente Mães de Maio, o Instituto Vladimir Herzog, a Conectas Direitos Humanos, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Human Rights Watch e o Instituto Sou da Paz acompanharam a missão e receberam, por meio do contato com familiares, vítimas e líderes comunitários, 11 relatos de graves violações dos direitos humanos, incluindo execuções extrajudiciais, invasões de residências, destruição de habitações precárias, agressões, tortura e maus-tratos perpetrados por agentes do Estado.
A Human Rights Watch também acompanhou a missão e examinou boletins de ocorrência de 27 das mortes decorrentes de ação policial e 15 laudos necroscópicos, entrevistou autoridades, familiares das vítimas e membros das comunidades e documentou ameaças contra o Ouvidor das polícias do Estado de São Paulo. A entidade concluiu que as medidas iniciais adotadas pelas polícias civil e científica para investigar as mortes durante a Operação Escudo foram inadequadas e não observaram os padrões internacionais.
É alarmante ainda que, no estado de São Paulo, mortes cometidas por policiais em serviço tenham aumentado 39,6% no ano de 2023 em comparação com o de 2022, segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
A realização desta Operação, em concomitância com a Operação Verão, no litoral de São Paulo, deflagrada em 18 de dezembro de 2023, direcionando um contingente de mais de 3 mil policiais militares à região, levanta preocupações sobre novas mortes e a escalada de violações de direitos humanos.
Reiteramos que os parâmetros internacionais de direitos humanos dos quais o Estado Brasileiro é signatário estabelecem que o uso da força pelos agentes responsáveis pela aplicação da lei deve respeitar os direitos humanos e pressupõem, portanto, a primazia de meios não violentos de aplicação da lei e mediação de conflitos com possíveis infratores. Os mesmos parâmetros preconizam a responsabilização de pessoas e instituições em caso de violação de direitos e uso excessivo da força. Enfatizamos que a escalada das mortes por ação policial aponta que o Governo do Estado de São Paulo tem falhado no cumprimento de suas atribuições constitucionais referentes ao uso da força letal por agentes de segurança pública.
A Anistia Internacional Brasil insta o Governo do Estado de São Paulo a interromper imediatamente a Operação Escudo, declaradamente uma ação policial de vingança. Instamos o Ministério Público, em observação do seu dever constitucional de controle externo da atividade policial e de defesa dos interesses da sociedade a adotar todas as medidas necessárias para investigar de forma célere, imparcial, e responsabilizar o eventual uso indevido e ilegal da força letal, incluindo as cadeias de comando e a chefia das polícias, na pessoa do Governo do Estado.