Após inaceitáveis 6 anos de luta por justiça, os familiares da defensora de direitos humanos Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, a sociedade civil brasileira e toda comunidade internacional receberam na manhã de hoje (24) a notícia da prisão preventiva de três suspeitos de serem os mandantes do crime: Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, seu irmão, Chiquinho Brazão, deputado federal e Rivaldo Barbosa, chefe da Polícia Civil do RJ à época dos assassinatos.  

A Anistia Internacional Brasil, que acompanha o caso desde o primeiro minuto, considera que as prisões de hoje representam um importante avanço, mas não significam justiça. É alarmante que o processo investigativo tenha apontado até esse momento três ex-agentes de segurança pública (dois Policiais Militares e um bombeiro) como executores do crime, e outros três agentes públicos como mandantes.   

Informações já apuradas pelas autoridades sugerem que o crime poderia estar ligado aos interesses de expansão das milícias no Rio.  Nesse sentido, é preciso lembrar que o surgimento  e expansão de grupos paramilitares, resultam, entre outros fatores, da impunidade e da falha das autoridades do Estado em oferecerem respostas contundentes aà desvios em suas estruturas. A responsabilidade do Estado sobre o surgimento e expansão de grupos paramilitares tem sido objeto de condenações emblemáticas na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que observando a existência de diversos casos envolvendo a vinculação entre grupos paramilitares e agentes de segurança pública, estabelece como deveres estatais internacionais básicos:  

a) o dever de prevenir violações de direitos;
b) o dever de investigar de forma diligente;
c) o dever de responsabilizar por violações;
d) o dever de reparar as vítimas. 

As autoridades brasileiras têm falhado em todos esses deveres frente aos assassinatos de Marielle e Anderson. 

Este grave crime foi preparado minuciosamente. Diversos atores estiveram envolvidos nesse processo e, após os assassinatos, assistimos, durante os últimos 6 anos, a inúmeras falhas e tentativas de obstrução das investigações, muitas delas protagonizadas por agentes públicos. Todos devem ser responsabilizados.  

Ainda, é dever do Estado brasileiro garantir reparação e medidas de não repetição. O Brasil continua sendo um dos lugares mais perigoso para pessoas defensoras de direitos humanos. De acordo com o relatório da Global Witness, entre 2018 e 2022, o país subiu da 4ª para a 2ª posição no ranking dos países que mais matam defensoras e defensores de direitos e ambientalistas. Entre 2019 e 2022 a cada mês, em média, 3 defensores foram assassinados no país. Em 14 de março de 2024, a Anistia Internacional publicou o documento “Cartas na Mesa”, que sistematiza os 6 principais erros cometidos pelas autoridades brasileiras, por ação ou omissão, na elucidação do crime, bem como 6 recomendações urgentes visando medidas de não repetição. Elas incluem a adoção de mecanismos eficientes de controle externo da atividade policial e combate à corrupção, a garantia do acompanhamento de especialistas internacionais independentes, além da reformulação e implementação efetiva dos programas de proteção a defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas.  

Temos reiterado, continuamente, que cada dia de impunidade coloca em risco a vida de todas aquelas e aqueles que se comprometem com a defesa dos direitos humanos no Brasil. Embora Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa tenham sido presos preventivamente em 2019, apenas hoje, no fim do primeiro trimestre de 2024, as investigações coordenadas em colaboração entre instituições federais, o Ministério Público do Rio de Janeiro, Polícia Federal e Polícia Federal Penal, foram capazes de apontar à sociedade uma conclusão sobre os mandantes. 

A Anistia Internacional renova sua cobrança pública por justiça. Instamos as autoridades brasileiras a garantir que todos os responsáveis pelo planejamento e execução do crime, bem como todos os responsáveis por eventuais desvios e obstruções das investigações, sejam levados à justiça em julgamentos justos que atendam aos padrões internacionais.  O legado de Marielle só poderá florescer se o Brasil se tornar um espaço seguro para todas e todos que defendem direitos humanos.  

 

***************************************************************************

ENGLISH VERSION

Marielle and Anderson, 6 years later: There will only be justice when all those involved in the crime and in the obstruction of the investigations are brought to justice

Amnesty International demands accountability for all those involved and that the Brazilian state ensures reparations for the families and measures of non-repetition

After 6 years seeking justice, the families of human rights defender Marielle Franco and her driver Anderson Gomes, as well as Brazilian civil society and the international community received news this morning (March 24th) of the preventive detention of three suspected masterminds of the crime: Domingos Brazão, counsellor of the Rio de Janeiro State Court of Auditors, his brother, Chiquinho Brazão, a Federal Congressman and Rivaldo Barbosa, head of the Rio de Janeiro Civil Police at the time of the murders.

Amnesty International Brazil has been following the case from the beginning and considers that today’s arrests represent an important step forward towards the elucidation of this crime. However, it does not mean that justice has been served. It is alarming that investigations have, so far, identified three former public security agents (two military police officers and a firefighter) as the perpetrators of the crime, and another three public agents as the masterminds.

Information gathered by the authorities suggests that the crime could be linked to the interests of expanding paramilitary groups, such as the militias, in Rio. In this sense, it is important to remember that the emergence and expansion of paramilitary groups is the result, among other factors, of the omission, tolerance and acquiescence of state authorities, as well as the impunity and the failure of state authorities to respond forcefully to deviations in their structures. State responsibility for the emergence and expansion of paramilitary groups has been the subject of emblematic decisions by the Inter-American Court of Human Rights (IACHR), which, finding the existence of various cases involving links between paramilitary groups and public security agents, has established the following as basic international state duties:

a) the duty to prevent rights violations;

b) the duty to investigate diligently;

c) the duty to hold violations accountable;

d) the duty to provide reparations to victims.

The Brazilian authorities have failed in all these duties in relation to the murders of Marielle and Anderson.

This serious crime was elaborately planned. Several actors were involved in this process. After the murders, we have seen countless failures and attempts to obstruct the investigations over the last six years, many of them carried out by public officials. Everyone must be held accountable.

It is also the duty of the Brazilian state to ensure reparations and non-repetition measures to prevent recurrence. Brazil continues to be one of the most dangerous places for human rights defenders. According to the Global Witness report, between 2018 and 2022, the country rose from 4th to 2nd place in the ranking of countries that kill the most human rights defenders and environmentalists. Between 2019 and 2022, an average of 3 defenders were murdered every month in the country. On March 14, 2024, Amnesty International published the document “Letters on the Table”, which systematizes the 6 main mistakes made by Brazilian authorities, either through actions or omission, in the elucidation of the crime, as well as 6 urgent recommendations aimed at measures of non-repetition. They include: the adoption of efficient mechanisms for external police accountability and the prevention and combat of corruption, the participation of independent international experts’ mechanisms, as well as the reformulation and effective implementation of human rights defenders´ protection programs, which include communicators and environmentalists.

We have continually reiterated that every day of impunity puts the lives of all those committed to defending human rights in Brazil at risk. Although Élcio de Queiroz and Ronnie Lessa were arrested in 2019, only today, at the end of the first quarter of 2024, have the investigations coordinated in collaboration between federal institutions, the Rio de Janeiro Public Prosecutor’s Office, the Federal Police and the Federal Criminal Police, been able to point society towards a conclusion about who were the masterminds behind the assassinations.

Amnesty International renews its public demand for justice. We urge the Brazilian authorities to ensure that all those responsible for the planning and execution of the crime, as well as all those responsible for any deviations and obstructions of the investigations, are brought to justice in fair trials that meet international standards. Marielle’s legacy can only flourish if Brazil becomes a safe space for all those who defend human rights.

 

********************************************************************************

SPANISH VERSION

Marielle y Anderson, 6 años después: sólo habrá justicia cuando todos los implicados en el crimen y en la obstrucción de las investigaciones sean juzgados

Amnistía Internacional exige la rendición de cuentas rápida e imparcial de todos los implicados y la adopción urgente de medidas de reparación para las familias y de no repetición por parte del Estado brasileño

Tras seis inaceptables años de lucha por la justicia, las familias de la defensora de los derechos humanos Marielle Franco y de su chófer Anderson Gomes, la sociedad civil brasileña y toda la comunidad internacional han recibido esta mañana (24) la noticia de la detención preventiva de tres presuntos autores intelectuales del crimen: Domingos Brazão, consejero del Tribunal de Cuentas del Estado de Río de Janeiro, su hermano, Chiquinho Brazão, diputado federal, y Rivaldo Barbosa, jefe de la Policía Civil de Río de Janeiro en el momento de los homicidios.

Amnistía Internacional ha seguido el caso desde el primer minuto y considera que las detenciones de hoy representan un importante paso adelante, pero no significan justicia. Es alarmante que el proceso de investigación haya identificado hasta ahora a tres ex agentes de seguridad pública (dos policías militares y un bombero) como autores materiales del crimen, y a otros tres agentes públicos como autores intelectuales.

La información ya recabada por las autoridades sugiere que el crimen podría estar vinculado a los intereses de expansión de las milicias en Río. En este sentido, es importante recordar que el surgimiento y expansión de grupos paramilitares es el resultado, entre otros factores, de la omisión, tolerancia o aquiescencia de las autoridades estatales, así como de la impunidad y de la falta de respuesta contundente de las autoridades estatales a las desviaciones en sus estructuras. La responsabilidad estatal en el surgimiento y expansión de grupos paramilitares ha sido objeto de decisiones emblemáticas por parte de la Corte Interamericana de Derechos Humanos (Corte IDH), la cual, constatando la existencia de diversos casos de vinculación entre grupos paramilitares y agentes de seguridad pública, ha establecido como deberes estatales internacionales básicos los siguientes

a) el deber de prevenir violaciones de derechos;

b) el deber de investigar diligentemente

c) el deber de exigir responsabilidades por las violaciones;

d) el deber de reparar a las víctimas.

Las autoridades brasileñas han incumplido todos estos deberes en relación con los asesinatos de Marielle y Anderson.

Este grave crimen se preparó con todo detalle. Varios actores han participado y, tras los asesinatos, hemos visto innumerables fallas e intentos de obstruir la investigación durante los últimos seis años, muchos de ellos llevados a cabo por funcionarios públicos. Todos deben rendir cuentas.

También es deber del Estado brasileño garantizar reparaciones a las familias de las víctimas y medidas de no repetición, para evitar que se hechos como este tornen a pasar. Brasil sigue siendo uno de los lugares más peligrosos para los defensores de los derechos humanos. Según el informe de Global Witness, entre 2018 y 2022, el país pasó del 4º al 2º puesto en el ranking de países que más asesinan a defensores de derechos humanos y ambientalistas. Entre 2019 y 2022, una media de 3 defensores han sido asesinados cada mes en el país. El 14 de marzo de 2024, Amnistía Internacional publicó el documento “Cartas sobre la Mesa”, que sistematiza los 6 principales errores cometidos por las autoridades brasileñas, por acción u omisión, en el esclarecimiento del crimen, así como 6 recomendaciones urgentes dirigidas a medidas de no repetición. Entre ellas, la adopción de mecanismos eficientes de control externo de la actividad policial y de combate a la corrupción, la participación de un mecanismo de expertos internacionales independientes en la investigación, así como la reformulación e implementación efectiva de programas de protección a defensores de derechos humanos, comunicadores y ambientalistas.

Hemos reiterado continuamente que cada día de impunidad pone en riesgo la vida de todas las personas comprometidas con la defensa de los derechos humanos en Brasil. Aunque Élcio de Queiroz y Ronnie Lessa han sido detenidos en prisión preventiva en 2019, sólo hoy, al final del primer trimestre de 2024, las investigaciones coordinadas en colaboración entre las instituciones federales, el Ministerio Público de Río de Janeiro, la Policía Federal y la Policía Criminal Federal, han podido dirigir a la sociedad hacia una posible conclusión sobre quienes han sido los autores intelectuales de los asesinatos.

Amnistía Internacional renueva su petición pública de justicia. Instamos a las autoridades brasileñas a que garanticen que todos los responsables de la planificación y ejecución del crimen, así como todos los responsables de cualquier desviación y obstrucción de las investigaciones, son llevados ante la justicia en juicios justos que cumplan las normas internacionales. El legado de Marielle sólo podrá prosperar si Brasil se convierte en un espacio seguro para todos aquellos que defienden los derechos humanos.

Mais Publicaçõess