Quase um ano após o começo de uma onda de protestos na qual pelo menos 800 pessoas foram mortas pelas mãos das forças de segurança, o governo etíope deve tomar medidas concretas para enfrentar as graves preocupações em relação aos direitos humanos no país, disse a Anistia Internacional hoje.

Os protestos começaram na região central de Oromia em 12 de novembro de 2015 e em oposição ao Plano Diretor Addis Ababa, um plano governamental para estender o controle administrativo da capital Addis Ababa para partes da Oromia.

“Um ano após o começo desses protestos mortais, a tensão na Etiópia permanece alta e a situação dos direitos humanos, terríveis, com prisões em massa, suspensão da internet e conflitos esporádicos entre as forças de segurança e as comunidades locais, especialmente no norte do país”, disse Michelle Kagari, Diretora Regional da Anistia Internacional no Leste da África, Região do Chifre e dos Grandes Lagos.

“É hora das autoridades etíopes pararem de apenas falar sobre reforma e tomarem medidas concretas, incluindo a liberação dos diversos prisioneiros políticos que estão presos apenas por expressarem suas opiniões. As autoridades também devem repelir as leis repressoras que prenderam essas pessoas em primeiro lugar, incluindo a Proclamação Anti-Terrorismo draconiana que contribuiu para o problema”.

Mesmo depois de o Plano Diretor Addis Ababa ser descartado em janeiro de 2016, os protestos continuaram, com os manifestantes exigindo o fim das violações aos direitos humanos, à marginalização étnica e ao prolongamento da detenção de líderes oromo.

Os protestos depois se expandiram para a região de Amhara exigindo o fim das prisões arbitrárias e da marginalização étnica. Eles foram desencadeados pelas tentativas das forças de segurança de prender o coronel Demeka Zewdu, um dos líderes do Comitê de Identidade Wolqait e Autodeterminação, sob a acusação de terrorismo. Wolqait, um distrito administrativo na região de Tigray, faz uma campanha pela reintegração à região de Amhara, à qual pertenceu até 1991.

Assim como em Oromia, as forças de segurança responderam com força excessiva e letal em seus esforços para conter os protestos. A Anistia Internacional estima que pelo menos 800 pessoas foram mortas desde o começo dos protestos, a maioria nas duas regiões.

Um dos piores incidentes ocorreu em 2 de outubro de 2016, quando pelo menos 55 pessoas foram pisoteadas até a morte em uma debandada durante o festival religioso oromo de Irrecha, realizado na cidade de Bishoftu, cerca de 45 km ao sudeste de Addis Ababa. Ativistas oromo culparam as forças de segurança pela debandada dizendo que elas atiraram com balas de verdade e jogaram gás lacrimogêneo na multidão, causando pânico. As autoridades negam qualquer conduta inapropriada.

Nenhum protesto foi observado desde que um estado de emergência foi declarado em 9 de outubro, mas o preço foi o aumento das violações aos direitos humanos, incluindo prisões arbitrárias em massa e restrições à mídia com bloqueios da internet.

“A resposta pesada do governo etíope aos protestos em grande parte pacíficos começou um ciclo vicioso de protestos e derramamento de sangue evitável. Se o governo não atender às queixas dos manifestantes, acreditamos que será apenas questão de tempo até que outra rodada de revolta comece”, disse Michelle Kagari.

“As medidas restritivas impostas como parte do estado de emergência apenas varrem as questões para debaixo do tapete. Para abordar a situação por completo, o governo deve se comprometer de verdade com os direitos humanos, o que inclui corrigir leis como a proclamação antiterrorismo para alinhá-la completamente com as obrigações da Etiópia para com os direitos humanos; e garantir que o povo possa gozar o direito de expressar suas opiniões, incluindo aquelas que criticam as ações e a política do governo, além do direito à reuniões pacíficas”.

Plano de fundo

A Proclamação Antiterrorismo etíope de 2009 inclui uma definição vaga e ampla demais de atos terroristas e uma definição de “incentivo ao terrorismo” que torna a publicação de declarações “que possam ser compreendidas como atos de incentivo ao terrorismo” passíveis de punição com 10 a 20 anos de prisão.

A Frente Democrática Revolucionária Popular da Etiópia (EPRDF), que está no poder, prometeu várias vezes fazer reformas fundamentais no governo, mas não deu nenhum sinal visível de comprometimento genuíno com uma reforma. Ela continua a usar força excessiva contra manifestantes em sua maioria pacíficos, rotulando-os como forças antipaz, em vez de reconhecer e atender às queixas legítimas deles.

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