O retorno forçado de aproximadamente 350.000 refugiados para a Somália seria uma violação das obrigações do Quênia sob o direito internacional e colocaria centenas de milhares de vidas em risco, disse a Anistia Internacional.

Dadaab, o maior campo de refugiados do mundo, situa-se no nordeste do Quênia. Localizado a cerca de 100 km de Garissa, onde 147 pessoas, incluindo 142 estudantes, foram mortas na universidade em 2 de abril, em um ataque pelo qual o grupo militante islâmico Al-Shabab reivindicou a responsabilidade. A ação de fechar o campo foi apresentada como uma medida de segurança em resposta ao atentado.

“O ataque em Garissa enfatizou a necessidade de o governo queniano garantir melhor a segurança de sua população. Mas isso não deve ser feito colocando em risco pessoas que o Quênia tem a obrigação legal de proteger”, disse Muthoni Wanyeki, diretor regional da Anistia Internacional para o Leste, o Chifre e os Grandes Lagos da África.

Em 11 de abril, o vice-presidente William Ruto disse que o governo havia dito ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados que precisariam fechar o campo de refugiados de Dadaab em três meses e devolver seus residentes para a Somália, ou o Quênia “os relocaria”.

O governo da Somália não tem controle efetivo de muitas partes do sul e centro do país. Violência e insegurança generalizadas persistem e residentes têm sido frequentemente submetidos tanto a ataques direcionados quanto indiscriminados. Se os refugiados forem mandados de volta para essas áreas, eles enfrentarão risco de abusos de direitos humanos como estupro e assassinato, assim como extorsão. Enquanto não fica claro quem é o responsável pelas agressões aos civis em todas as circunstâncias, acredita-se que todas as partes envolvidas no conflito realizem tais ataques.

Sob o direito internacional, os Estados são proibidos de devolver pessoas à força para lugares onde elas podem correr risco de violações dos direitos humanos. Isso é conhecido como o princípio de non-refoulement. O Quênia é parte da Convenção dos Refugiados de 1951 e da Convenção de Refugiados da Organização da Unidade Africana, de 1969. Os refugiados também são protegidos de retorno forçado para países onde sua segurança não é garantida, e podem enfrentar perseguição, pela Lei de Refugiados do Quênia de 2006.

O anúncio do vice-presidente vem de encontro ao contexto de assédio contínuo de refugiados somalis e outros refugiados pelos serviços de segurança queniano. No ano passado, a comunidade somali foi bode expiatório e muitos de seus membros foram objeto de violações dos direitos humanos durante a Operação Usalama Watch, uma operação de segurança que começou em abril de 2014, depois de dois ataques cometidos por agressores desconhecidos no mês anterior.

Milhares de pessoas foram presas, assediadas e maltratadas, tiveram dinheiro extorquido, ou foram presas e forçadas a entrar nos campos de refugiados. Centenas de pessoas foram enviadas de volta para a Somália à força. A Anistia Internacional não sabe de um único somali preso durante a operação que tenha sido acusado de crimes relacionados a terrorismo.

Retorno “voluntário” para a Somália

Não é a primeira vez que planos para devolver refugiados para a Somália são discutidos. Em novembro de 2013, um acordo tripartite foi assinado entre os governos do Quênia e Somália, e o ACNUR, estabelecendo uma base para o retorno voluntário de refugiados para a Somália. A fase piloto começou em dezembro de 2014.

Para o retorno do refugiado ser legal, precisa ser genuinamente voluntário – sem pressão indevida e com a dignidade e segurança dos retornados garantidas. A Anistia Internacional apurou que o assédio e os maus-tratos a refugiados somalis pelos serviços de segurança do Quênia têm levado muitos a considerar o retorno à Somália. Quando as pessoas sentem que não têm outra opção a não ser voltar, isso não é uma escolha voluntária e pode levar a um regresso forçado.

A Anistia Internacional insta o governo queniano a respeitar suas obrigações sob o direito doméstico e internacional, e a garantir proteção aos refugiados e solicitantes de asilo somalis em Dadaab e em outros locais do país como tem sido generosamente feito há décadas.

Refugiados de Dadaab

O Campo de Refugiados de Dadaab foi estabelecido em 1991 e abriga mais de 350.000 refugiados e solicitantes de asilo, a maioria da Somália, mas também da Etiópia, Sudão, República Democrática do Congo, Eritreia, Sudão do Sul e Burundi, entre outros.

Saiba mais

Quênia: Organizações de direitos humanos na ‘lista de terrorismo’

Relatório: Somalis são bode expiatório para repressão anti-terrorismo no Quênia, em inglês.

Relatório: Nenhum lugar como o lar: retorno e realocação de deslocados da Somália, em inglês.

#IDefineMe: uma exposição explorando a identidade e experiências dos refugiados somalis no Quênia, em inglês.