O Governo do Rio de Janeiro tem o dever imediato de cessar os episódios de violência iniciados na tarde de hoje (23), investigar e responsabilizar todos os envolvidos, sem, contudo, adotar ações que causem ainda mais violações de direitos sem enfrentar as raízes do problema.  

Sistematicamente, o poder público tem falhado em implementar uma política de segurança pública efetiva a todos os cidadãos e cidadãs do estado do Rio e, em especial, às comunidades e regiões historicamente marginalizadas, como é o caso de grande parte da Zona Oeste da capital.  

O cenário de violência observado hoje – com mais de 30 ônibus incendiados, dezenas de escolas fechadas e trabalhadores impedidos de voltarem para suas casas – não começou ontem. A política de segurança pública reativa, inteiramente dependente de práticas repressivas e abusivas, aliada à ausência de responsabilização frente à corrupção em instituições de Estado, tem contribuído para o fortalecimento alarmante das milícias e do crime organizado em geral, ao longo dos anos.  

Para retomar o controle sobre territórios dominados pelo crime organizado, o Estado precisa, em primeiro lugar, ter controle sobre suas próprias forças de segurança. É preciso, nesse sentido, lembrar que as milícias existem por falha, aval ou negligência das autoridades do Estado, se originando de suas estruturas.   

A responsabilidade do Estado sobre o surgimento e expansão de grupos paramilitares tem sido objeto de condenações emblemáticas em cortes internacionais de direitos humanos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) já se pronunciou sobre a responsabilidade dos Estados por ação e omissão frente aos crimes cometidos por grupos paramilitares.     

Observando a existência de diversos casos envolvendo a vinculação entre grupos paramilitares e agentes de segurança pública, a Corte já decidiu que o Estado desempenhou papel relevante no desenvolvimento desses grupos, permitindo, por omissão, que atuassem sob proteção legal por décadas e estabeleceu como deveres estatais internacionais básicos: a) o dever de prevenir violações de direitos; b) o dever de investigar de forma diligente; c) o dever de responsabilizar por violações; d) o dever de reparar as vítimas. 

A Anistia Internacional Brasil tem reiterado que o enfrentamento às milícias e ao crime organizado em geral não pode ser baseado na lógica reativa do confronto e do uso excessivo da força. Tal estratégia vem sendo aplicada há décadas sem sucesso, produzindo sofrimento, execuções extrajudiciais e violações dos direitos humanos de milhares de pessoas que residem em áreas sob disputa de facções e milícias.  

Enfrentar o crime organizado exige integração de instituições, compromisso efetivo de agentes do Estado em todos os níveis e, sobretudo, inteligência. São necessárias, portanto, medidas de cunho político, tático, combinadas a investigações. A história já mostrou: o investimento simples em mais armamento e uso da força não é solução.  

A Anistia Internacional insta o Governo do Rio de Janeiro a assumir de forma célere todas as medidas necessárias para garantir a dissolução precisa dos grupos criminosos, bem como rastrear e responsabilizar a corrupção dentro de suas próprias forças e estruturas, que contribuem para a emergência e expansão das milícias; desvio de armamento, de munições e mesmo da sua capacidade técnica.  Tais medidas não devem prescindir, em nenhuma hipótese, do cumprimento integral das obrigações internacionais do Estado no âmbito da condenação do Brasil pela Corte IDH no caso Favela de Nova Brasília, bem como as determinações da ADPF 635 (a ADPF das Favelas). 

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