O Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não garantir a realização da justiça no caso Cosme Rosa Genoveva e outros v. Brasil, que se refere às chacinas de “Nova Brasília”, no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. A sentença destacou a violência policial como uma violação de direitos humanos no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, que atinge predominantemente jovens, negros, pobres e desarmados.

As chacinas aconteceram em outubro de 1994 e maio 1995 e resultaram na morte de 26 jovens e na tortura e violência sexual de três meninas, duas menores de idade à época, todas perpetradas por policiais do estado do Rio de Janeiro. Os homicídios dos jovens ocorreram durante operações policiais realizadas no Complexo do Alemão. A alta letalidade das polícias é um problema estrutural no Brasil, onde em 2015 as forças de segurança foram responsáveis por pelo menos 9 mortes por dia, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Estima-se que esse número, no entanto, seja subnotificado.

“A sentença da Corte Interamericana é de grande importância por reafirmar a responsabilidade do Estado brasileiro na investigação e responsabilização de graves abusos de direitos humanos cometidos por policiais em territórios de favelas e periferias. As chacinas de Nova Brasília ocorreram há mais de 20 anos e ninguém foi responsabilizado. Nem pelas mortes dos jovens, nem pela violência sexual cometida contra as mulheres, que acabam marcadas duplamente pela violência policial ao perderem seus entes queridos e estarem expostas a todo tipo de abuso. Esta impunidade alimenta o ciclo de violência policial nesses territórios que até hoje sofrem com inúmeras violações”, afirma Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.

Na sentença, a Corte determina que as investigações da chacina de 1994 sejam conduzidas de forma eficaz e que se inicie ou reative a investigação da chacina ocorrida em 1995. Os homicídios nas duas chacinas apresentam características de execuções extrajudiciais e foram registrados como “autos de resistência”, não sendo investigados devido à presunção de que as mortes teriam sido em decorrência de confrontos, o que acaba por responsabilizar as próprias vítimas por sua morte. O padrão de atuação da polícia nas favelas no Rio de Janeiro pouco mudou desde então. Em 2015, 20 anos depois da chacina de 1995, a Anistia Internacional documentou uma série de casos de execuções pela polícia na cidade do Rio de Janeiro, no relatório “Você matou meu filho”.

“Esta condenação reitera o que organizações de direitos humanos e movimentos sociais têm denunciado há anos sobre a atuação das forças de segurança em favelas e periferias do Rio de Janeiro, que também se repete em outros lugares do Brasil. É urgente que o Estado brasileiro cumpra as determinações da Corte Interamericana e garanta a responsabilização dos autores dos crimes, levando em consideração a perspectiva de gênero necessária, e justiça, reparação e proteção para as vítimas e suas famílias. Esta sentença deve orientar o Estado brasileiro na investigação e responsabilização de crimes cometidos pelas forças de segurança, reforçando a importância de uma investigação rápida e independente e a necessidade de uma atuação mais robusta do Ministério Público no controle externo da atividade policial, na defesa de direitos e proteção às vítimas”, completa Jurema.

Além de investigação independente e responsabilização pelos crimes, indenização e proteção para as vítimas e suas famílias, a Corte Interamericana determinou que o Brasil deve publicar anualmente um relatório oficial com dados relativos às mortes decorrentes de intervenção policial em todos os estados do país; estabelecer metas e políticas para a redução da violência e da letalidade policial no Rio de Janeiro; uniformizar o uso da expressão “lesão corporal ou homicídio decorrente de intervenção policial” nas investigações de mortes provocadas pela ação policial, abolindo o conceito de “oposição” ou “resistência” a tal atuação.

“As chacinas ocorreram há mais de 20 anos, mas a violência policial é uma realidade nas favelas e periferias do Brasil até hoje. Somente no Rio de Janeiro, as mortes decorrentes de intervenção policial passaram de 416 em 2013 para 920 em 2016. Em 2017, os números não param de subir e o Complexo do Alemão, assim como o Complexo da Maré, Acari, Manguinhos, entre outras favelas do Rio, tem vivenciado níveis absurdos de violência, homicídios e abusos de direitos humanos praticados por policiais. Isso precisa ter fim”, finaliza Jurema.

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Saiba mais:

As organizações co-peticionárias do caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos – Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e o Instituto de Estudos da Religião (Iser) – realizam hoje uma conferência de imprensa para apresentar e esclarecer pontos da sentença. Peritos que trabalharam no caso e testemunhas também estarão presentes.

Quando: 15/05, 14H

Onde: Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) – Beco do Pinheiro, n° 10, esquina com a Rua 2 de dezembro – Flamengo.