O Governo do Estado da Bahia, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Ministério Público Federal e o Ministério Público estadual da Bahia devem, imediatamente, interromper as operações extremamente letais, envolvendo as Polícias Militar, Civil, Federal, e Rodoviária Federal que já resultaram na morte de 86 pessoas nos últimos dois meses.
A Anistia Internacional Brasil exige a ação contundente das autoridades em âmbito estadual e federal, para responsabilização de todos os envolvidos nas ações que levaram a essas mortes, incluindo cadeias de comando, por meio da instauração de investigações céleres, imparciais e efetivas, bem como o afastamento imediato dos agentes que tiveram participação direta, e o acautelamento das armas utilizadas nas diferentes ocasiões.
Quase duas mortes produzidas pelo Estado a cada dia. Esse é o saldo médio das decisões de segurança pública do governo do estado da Bahia nos últimos 60 dias. Entre 28 de julho e 27 de setembro, pelo menos 83 pessoas perderam suas vidas após diferentes operações policiais deflagradas com participação de efetivos das Polícias Militar, Civil, Federal e Rodoviária Federal. Apenas no mês de setembro, 52 mortes foram registradas.
Mortes | Data | Local | Força responsável |
30 | 28/07 – 04/08 | Camaçari, Itatim, Salvador | Polícia Militar |
4 civis | 19/08 | Pituba, Salvador | Polícia Militar |
11 civis | 3 e 7/09 | Alto das Pombas e Calabar, Salvador | Polícia Militar |
8 civis | 06/09 | Pindorama, Orla e Complexo Baianao, em Porto Seguro e Dias D’Ávila, em Salvador | Polícia Militar |
2 civis | 10/09 | Engenho Velho da Federação, Salvador | Polícia Militar |
4 civis e 1 agente da PF | 15/09 | Valéria, Salvador | Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal |
11 civis | 16/09 e 21/09 | Salvador (diversos bairros) | Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal. |
6 civis | 22/09 | Águas Claras, Salvador e Feira de Santana | Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal |
5 civis | 23/09 | Crisópolis, Salvador | Polícia Militar |
5 civis | 27/09 | Acajutiba | Polícia Militar |
As ações policiais deflagradas têm autorização do governador Jerônimo Rodrigues e são classificadas como ações de “combate ao crime organizado”. Há duas décadas, a Anistia Internacional tem reiterado suas preocupações a respeito da falha sistemática do Estado Brasileiro em cessar execuções extrajudiciais e outras graves violações de direitos humanos cometidas no contexto do policiamento e da chamada “guerra às drogas”, cujo impacto é desproporcional em homens negros, predominantemente jovens, moradores de favelas e periferias.
No quesito letalidade policial, a Bahia tem despontado. Entre 2015 e 2022, quando Rui Costa (PT-BA) (atual Ministro da Casa Civil) era governador da Bahia, as mortes por intervenção policial quadruplicaram, passando de 354 para 1.464, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O Levantamento demonstrou que no ano de 2022, 6.429 pessoas foram mortas por intervenção policial no Brasil. Quase 23% dessas mortes se devem a ações deflagradas no estado da Bahia. Com pouco mais de 15 milhões de habitantes, além de ocupar o primeiro lugar nacional em letalidade policial absoluta no Brasil, superou índices de países populosos e com histórico de alta letalidade. Comparativamente, no ano passado, os Estados Unidos, que tem 330 milhões de habitantes, registrou 1.201 mortes, segundo dados do Mapping Police Violence.
A escalada da letalidade policial na Bahia escancara o fracasso do governo Jerônimo Rodrigues (assim como os dos governadores que o antecederam), em efetivar sua obrigação constitucional de oferecer a toda sociedade baiana uma política de segurança pública pautada em inteligência e na garantia dos direitos humanos, a começar pelos direitos à vida, a liberdade e a segurança pessoal. Expõe ainda a falha sistemática dos Ministérios Públicos Estadual e Federal em cumprir com seus deveres constitucionais de fazerem o controle externo da atividade policial.
Em fevereiro de 2023, uma delegação da Anistia Internacional Brasil esteve na Bahia, acompanhada de organizações da sociedade civil local (Olodum, Iniciativa Negra por uma Nova Política Sobre Drogas, Movimento Mães de Maio da Bahia e familiares de vítimas da violência do Estado) realizando, no âmbito da campanha O Ministério Tem que Ser Público, reuniões com representantes do governo do estadual, do Ministério Público da Bahia, das Secretarias de Segurança Pública da Bahia, Justiça e Direitos Humanos, Assistência e Desenvolvimento Social e da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais. Portanto, o governo do estado da Bahia se comprometeu a adotar medidas efetivas para redução da letalidade policial, bem como de reparação para as vítimas e não repetição.
Na mesma ocasião, nos reunimos com o Ministério Público do estado da Bahia, que também se comprometeu a fazer o efetivo controle externo da atividade policial, além de realizar com celeridade e imparcialidade, as investigações das mortes por intervenção policial no estado. A crise de direitos humanos que observamos neste momento evidencia que tais compromissos estão sendo desprezados. Além disso, o cenário atual escancara a inaptidão do Ministério da Justiça e Segurança Pública em assumir o papel de indutor de políticas de redução da letalidade policial, oferecendo a toda sociedade respostas à altura da situação desencadeada pelo descontrole das forças policiais brasileiras.
A Anistia Internacional Brasil enfatiza que não há objetivo legítimo que justifique qualquer tipo de violação de direitos humanos. Ao Governo Federal Brasileiro cabe implementar, com celeridade, um plano nacional para reduzir homicídios cometidos por policiais, a violência armada e as execuções extrajudiciais no país, consultando a sociedade civil e, em especial a população negra, como determina o direito internacional e as normas internacionais sobre o uso da força.