As autoridades do Uruguai devem adotar com urgência medidas para pôr fim aos obstáculos que impedem a investigação e punição dos responsáveis por violações dos direitos humanos cometidas no país durante o golpe militar.

“Apesar de alguns avanços e condenações, é preocupante que 40 anos depois do golpe muitas das vítimas e seus familiares continuem sendo privados de seu direito à justiça, à verdade e à reparação”, disse Guadalupe Marengo, diretora do Programa Regional para as Américas.

A organização considera que o maior obstáculo enfrentado pelas vítimas é a Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado (lei 15.848) de 1986. Tal lei impede investigar ou processar funcionários da polícia ou das forças armadas por crimes cometidos antes de março de 1985.

Embora a Lei de Caducidade tenha sido declarada sem efeito pela Lei 18.831 de 2011, uma decisão da Corte Suprema do Uruguai de fevereiro de 2013 abriu novamente a porta para a impunidade ao não considerar que os crimes de direito internacional cometidos durante o regime civil e militar da época sejam crimes contra a humanidade e, portanto, estão sujeitos à prescrição.

“A sentença emitida pela Suprema Corte de Justiça revive, na prática, os efeitos da Lei de Caducidade. Esta sentença é juridicamente errada e deve ser prontamente revisada pelo tribunal, pois não está em consonância com as obrigações do Uruguai sob o direito internacional, que também exige o mesmo do sistema judiciário como um todo”, declarou Guadalupe Marengo.

Além disso, a decisão da Suprema Corte de não dar cumprimento às decisões emitidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos é emblemática no caso Gelman v. Uruguay. Nenhuma norma, incluindo a prescrição, pode ser alegada quando se trata de investigação e perseguição de crimes contra o direito internacional. A sentença da Corte Suprema também viola expressamente a Convenção sobre a Não Prescrição dos Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade, da qual o Uruguai é Estado parte desde 2001.

“O Uruguai tem obrigações internacionais em matéria de direitos humanos que não podem ser esquecidas. Quarenta anos após o golpe de Estado, o país tem uma dívida com sua sociedade e com as vítimas e familiares de vítimas de condutas criminais cometidas de maneira generalizada e sistemática pelo Estado entre 1973 e 1985”, defende Guadalupe.

Contexto

Em 27 de junho de 1973, o então presidente uruguaio Juan María Bordaberry dissolveu as Câmaras de Senadores e Deputados com apoio das Forças Armadas e anunciou a criação de um Conselho de Estado com funções legislativas, dando início a um regime autoritário que governaria o país até 1985.

Durante os anos do governo militar e civil até 1985, membros da Polícia e do Exército do Uruguai cometeram graves violações dos direitos humanos, como tortura, execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados. Em seu momento culminante, calcula-se que 7.000 presos políticos estavam reclusos, a maioria dos quais afirmou ter sofrido tortura.

A Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado (lei 15.848), proposta pelo governo presidido por Julio María Sanguinetti e aprovada pelo Parlamento uruguaio em dezembro de 1986, estabelecia a anistia de fato para os supostos responsáveis por tais crimes. Consultas populares sobre a norma realizadas em 1989 e 2009 mantiveram vigente a Lei de Caducidade, mas o alcance da mesma tem sido questionado por várias resoluções judiciais e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A decisão da Suprema Corte de Justiça do Uruguai, de fevereiro de 2013, que declara inconstitucionais alguns artigos da lei 18.831 de 2001, mantém formalmente aberta a possibilidade de que os juízes penais possam investigar e, havendo elementos suficientes, punir os responsáveis por violações dos direitos humanos ao manter vigente a pretensão punitiva do Estado.

No entanto, baseando-se em uma errônea interpretação do princípio de irretroatividade da lei penal, declara inconstitucionais os artigos 2 e 3 da Lei 18.813, que estabeleciam o caráter imprescritível dos crimes contra a humanidade. Por ela, toda investigação penal sobre os crimes cometidos até março de 1985 parece condenada ao fracasso, pois a sentença em questão desconhece seu caráter de crimes contra a humanidade e determina que estes estão sujeitos à prescrição.