A legislação repressiva e discriminatória, promulgada ao longo dos últimos 18 meses em Uganda, levou a um aumento na repressão estatal, violência e homofobia, além da discriminação de gênero, de acordo com um novo relatório publicado hoje pela Anistia Internacional.

“Rule by Law” – Discriminatory Legislation and Legitimized Abuses in Uganda” (Governe pela Lei – Legislação discriminatória e abusos legitimados em Uganda), lançado hoje na capital de Uganda, Kampala, detalha como três partes da legislação violam direitos humanos fundamentais, alimentando abusos discriminatórios e deixando indivíduos incapazes de obter justiça.

“A repressão em Uganda está aumentando de forma legitimada pelo Estado, através de uma legislação flagrantemente discriminatória que corrói direitos garantidos pela Constituição do país,” disse Sarah Jackson, vice-diretora Regional da Anistia Internacional para a África Oriental.

“O governo deve agir imediatamente para revisar essas leis tóxicas, que ameaçam o núcleo de direitos humanos em Uganda.”

O relatório da Anistia Internacional documenta o impacto cumulativo nos direitos humanos da Lei de Gestão da Ordem Pública, a lei antipornografia e a lei antihomossexualidade, anulada recentemente. Essas leis foram aprovadas pelo parlamento ugandense e promulgadas como lei durante agosto de 2013 e fevereiro de 2014.

Liberdade de associação e de reunião

O relatório detalha como o direito à reunião passou a ser atacado através da Lei de Gestão de Ordem Pública, que impõe amplas restrições em reuniões públicas.

Essa legislação levou à repressão policial de reuniões envolvendo a oposição política e a ativistas.

Embora o uso policial da Lei de Gestão de Ordem Pública tenha diminuído desde o início de 2014, ele tem um difuso efeito arrefecedor.

Segundo Sarah Jackson, “A Lei de Gestão de Ordem Pública teve um efeito devastador na capacidade de organização da sociedade civil, mesmo com diversos obstáculos a tentativas de desafiar as próprias leis”.

“Ele reverte, essencialmente, a premissa básica na qual o direito a reunião está garantido. Ao invés de facilitar manifestações pacíficas, impõem-se amplas restrições a elas.”

Legitimando abusos

Enquanto a lei antihomossexualidade estava em vigor, pessoas identificadas – ou percebidas – como lésbicas, gays, bissexuais, transgênero e intergênero (LGBTI) eram presas arbitrariamente, inclusive quando elas mesmas procuravam a polícia para reportar crimes contra elas. Algumas eram espancadas pela polícia, e outras detidas e mantidas em custódia.

Nos dias posteriores à assinatura da lei antipornografia, mulheres eram assediadas pela polícia, e uma advogada foi ameaçada de prisão devido a sua vestimenta.

A lei antihomossexualidade também levou a remoções forçadas e perda de empregos pela comunidade LGBTI.

Indivíduos LGBTI e mulheres foram sujeitos a ataques de gangues nas ruas enquanto a lei antihomossexualidade estava em vigor e imediatamente após a assinatura da lei antipornografia.

A lei antihomossexualidade comprometeu também o acesso à saúde. A invasão da polícia no Projeto Walter Reed, um programa de pesquisa da HIV, em abril de 2014, deixou alguns indivíduos LGBTI com medo de utilizarem a saúde pública.

Em junho de 2014, o ministro da saúde emitiu uma diretiva afirmando a não discriminação no acesso a saúde pública. Apesar desses comprometimentos positivos, o acesso e a habilidade de prover saúde das instituições foram afetados negativamente pela lei antihomossexualidade.

Sem ter onde buscar ajuda

Vítimas de abusos têm medo de denunciá-los à polícia, deixando-as incapazes de obter reparação.

Segundo Sarah Jackson, “a falha da polícia em investigar os abusos levou a uma tolerância à impunidade, propagada pelo Estado”.

“Mesmo com a anulação da lei antihomossexualidade, seus efeitos ainda são sentidos e os problemas fundamentais ainda não foram resolvidos. Pessoas que normalmente falariam em defesa dos outros foram estigmatizadas e silenciadas”.

A lei antihomossexualidade foi derrubada pela Corte Constitucional de Uganda em agosto de 2014, com base no fato de ter sido aprovada sem quórum pelo Parlamento. Desafios constitucionais à lei antipornografia e à Lei de Gestão de Ordem Pública ainda estão pendentes.

A Anistia Internacional apela ao governo ugandense pela revogação da legislação discriminatória e garantia que o governo não seja cúmplice de abusos de direitos humanos. Ele deve proteger todos os ugandenses, incluindo mulheres, indivíduos LGBTI e ativistas políticos, de discriminação, assédio e violência.

Metodologia do relatório

Esse relatório é baseado em uma pesquisa conduzida pela Anistia Internacional em Uganda em março, abril e agosto de 2014. Parte da pesquisa em campo foi feita em conjunto com a Human Rights Watch.

Anistia Internacional realizou entrevistas individuais com 42 pessoas afetadas e realizou discussões de grupos com mais 57 indivíduos, incluindo funcionários e representando de 30 organizações da sociedade civil. As entrevistas foram em Kampala, Entebbe e Mbarara.