A União Europeia (UE) deve reforçar urgentemente suas leis para que seus Estados membros proíbam de imediato o comércio de novos dispositivos e tecnologias que não têm nenhum uso prático além de torturar, maltratar ou executar pessoas, declarou a Anistia Internacional e a Fundação de Investigação Ômega. As organizações estiveram presentes em uma reunião do grupo de peritos, no dia 29 em Bruxelas, para reforçar a normativa vigente.

Ambas as organizações pedem também à UE que acabe com as lacunas legais que permitem atualmente a promoção, intermediação e provisão de formação técnica no uso de dispositivos e tecnologias que podem ser facilmente empregados para cometer atos de tortura ou outros tratamentos de penas cruéis, desumanos ou degradantes.

“A normativa europeia contra o comércio de instrumentos de tortura, revisada recentemente, é inovadora e única no mundo, mas continua tendo lacunas” afirmou Brian Wood, chefe do projeto Controle de Armas, Comércio de Segurança e Direitos Humanos da Anistia Internacional.

“A gama de produtos que já estão proibidos constitui uma autêntica câmara de horrores: algemas para polegares, cadeiras de retenção, bastões de metal e até sistemas de injeção projetados para administrar injeções letais, só para citar alguns. No entanto, limitar-se a ampliar as listas de controles a cada poucos anos não permite que a UE proíba imediatamente novas tecnologias e novos dispositivos para a tortura.”

“Esta é uma importante primeira medida de uma revisão há muito tempo adiada dos controles comerciais da UE. Os peritos da União que se reuniram dia 29 tem a oportunidade de proteger melhor as pessoas em todo o mundo das tecnologias da tortura e da pena de morte acabando com lacunas conhecidas da legislação comunitária, e de garantir que as empresas da UE não sejam cúmplices nos abusos para que se empreguem estes instrumentos,” declarou Michael Crowley, pesquisador associado da Fundação de Investigação Ômega.

O novo regulamento da UE adotado em 16 de julho, legalmente vinculante, amplia a lista de instrumentos de tortura que devem ser proibidos, e a do material de segurança que deve ser estritamente controlado. Embora melhore o primeiro regulamento da UE, introduzido em junho de 2005, as autoridades da União continuam debatendo novas mudanças nos mecanismos de controle comercial da UE para impedir que as empresas da UE comerciem com material empregado para a tortura ou pena de morte. A lista ampliada de produtos que já não podem ser exportados por empresas ou indivíduos da UE incluem os seguintes:

–     Dispositivo empregado para execuções, como forcas e guilhotinas, cadeiras elétricas, câmaras herméticas para administração de gás letal, sistemas automáticos de injeções para substâncias para a administração de injeções letais e medicamentos quando estes se destinam a execuções.

–      Instrumentos desenhados para imobilizar, como algemas para polegares e para outros dedos, parafusos e dispositivos para apertar outros dedos, grilhões, restrições lastradas para as pernas, cadeiras de restrição, tábuas e camas de imobilização e camas com grades.

–      Bastões e escudos metálicos com arame, chicotes com múltiplas caudas.

A lista completa de produtos cuja exportação está estritamente controlada inclui um sortimento ampliado de material de segurança que pode ser empregado legitimamente para fazer cumprir a lei, mas também pode ser facilmente usado indevidamente para infligir tortura e maus-tratos, como os seguintes:

– Dispositivos paralisantes de eletrochoque destinados a uma só pessoa, e agora também os dispositivos que podem infligir eletrochoques a grupos de pessoas.

– Equipamentos desenhados para disparar produtos químicos incapacitantes ou irritantes para controle de distúrbios dirigidos a indivíduos, assim como os que disseminam estes produtos em áreas amplas.

– grilhões e cadeias coletivas

Os peritos estão revisando atualmente os mecanismos comerciais do regulamento e apresentaram uma proposta ao Parlamento Europeu e ao Conselho Europeu para que seja estudada nos próximos três meses.

As lacunas legais concretas que foram identificadas pela Anistia Internacional e pela Fundação Ômega poderiam permitir que as empresas inscritas na UE:

– Façam transações com intermediários de instrumentos de tortura a terceiros países de fora da UE, desde que os dispositivos não toquem o solo da UE.

– Promovam instrumentos de tortura em feiras e exposições de armas da UE.

– Proporcionem assistência técnica, incluindo formação em técnicas que podem facilitar a tortura e outros maus-tratos;

– Introduzam novas tecnologias e dispositivos no mercado, e os ofereçam a organismos encarregados de fazer cumprir a lei ainda quando exista uma grande probabilidade de que tais produtos sejam utilizados para aplicar a penas de morte ou infligir tortura ou outros maus-tratos.

Informações complementares

Nos dias 28 e 29 de julho, o Grupo de Questões Comerciais do Conselho da UE se reúne para estudar, entre outras coisas, as propostas de emenda ao vigente Regulamento nº 1236/2005 do Conselho de 27 de junho de 2005 sobre o comércio de determinados produtos que podem ser utilizados para aplicar a pena de morte ou infligir tortura ou outros tratamentos ou pena cruéis, desumanos ou degradantes.

Com a aprovação deste regulamento, em junho de 2005, a UE introduziu normas sem precedentes e vinculantes sobre o controle do comércio de materiais diversos que poderiam ser empregados na pena capital, tortura e outros maus-tratos (“instrumentos de tortura”), mas que os Estados membros da UE não costumam incluir em sua lista de controle de exportação de produtos militares, de uso dual ou estratégico.

A Anistia Internacional, junto com a Fundação de Investigação Ômega, elaborou informes em 20072010 e 2012, nos quais se identificam lacunas legais concretas do regulamento da UE e omissões nas duas listas da UE de produtos proibidos e controlados que permitiram que continuasse o comércio de certas substâncias empregadas para aplicar a pena de morte e “instrumentos de tortura”.

O trabalho de promoção realizado pela UE em torno do informe de 2010 desembocou na decisão da Comissão Europeia em 2011 de ampliar as duas listas para incluir outro material, como os medicamentos empregados nas execuções, mas os peritos reconheceram que isto continuava sendo insuficiente para frear o comércio, e a Comissão empreendeu uma revisão exaustiva do Regulamento.

Em 16 de julho de 2014, a Comissão introduziu o Regulamento de Execução (UE) nº 775/2014 que ampliou ainda mais as listas de produtos proibidos e controlados incluídos no Regulamento.