As ameaças e assassinatos, somados à falta de rigor na aplicação de uma legislação eficiente, estão impedindo que se cumpra a promessa do governo colombiano em devolver aos agricultores, indígenas e quilombolas os milhões de hectares de terras que lhes foram tomados ilegalmente, declara a Anistia Interacional.

Em um novo relatório chamado Un título de propiedad no basta: Por una restitución sostenible de tierras en Colombia [“Um título de propriedade não basta: Por uma restituição sustentável de terras na Colômbia”], a Anistia Internacional analisa a implementação da Lei de Vítimas e Restituição de Terras (Lei 1448), em 2012, e mostra a decepção da grande maioria das pessoas que tiveram suas terras roubadas. Muitas dessas pessoas ainda não puderam voltar para casa por causa da ameaça constante de violência e da lentidão da restituição.

“A Colômbia tem um dos mais altos níveis de remoção forçada no mundo, confirmando a evidência de que as autoridades não estão fazendo o suficiente para garantir a devolução efetiva das terras roubadas a seus legítimos ocupantes”, disse Marcelo Pollack, pesquisador da Anistia Internacional na Colômbia.

“Não é o suficiente entregar às pessoas um título de propriedade e dizer que é só isso. As autoridades colombianas devem acelerar os trâmites burocráticos e garantir a integridade física e a segurança econômica dos repatriados. Os supostos autores da remoção forçada devem ser julgados criminalmente.”

Ao longo do sangrento conflito armado na Colômbia, quase seis milhões de pessoas (13% da população) foram removidas de maneira forçada, principalmente por paramilitares e forças de segurança. Estima-se que tenham sido adquiridos ilegalmente oito milhões de hectares (uma área maior do que a Costa Rica) e, muitas vezes, em benefício de poderosos interesses econômicos.

Embora a Anistia Internacional tenha acolhido a promulgação da Lei, a falta de medidas para implementar e resolver efetivamente suas deficiências faz com que se entenda que o governo não tem respeitado o direito das vítimas a um recurso efetivo.

Mesmo quando os títulos de propriedade são entregues nos termos da Lei 1.448, as ameaças de violência, a falta de infraestrutura básica e o apoio econômico impedem as pessoas de voltarem para casa.

Violência

Aqueles que tentam voltar para casa, assim como aqueles que os representam, juntamente com os funcionários do governo envolvidos no processo de restituição de terras, estão sofrendo ameaças, violência e até mesmo risco de morte, especialmente nas mãos de grupos paramilitares. No final de agosto de 2014, o procurador-geral estava investigando pelo menos 35 mortes de pessoas envolvidas no processo, porém considera-se a possibilidade de que o número de mortos seja muito maior.

“Como uma pessoa pensará em voltar para casa sabendo que as mesmas pessoas que a removeram a força e que ameaçaram de morte a seus amigos e familiares podem estar esperando por ela? Se o governo não consegue resolver a violência grave e generalizada contra as pessoas e seus companheiros que tentam voltar para casa, todas as políticas e leis não serão mais do que meros gestos vazios”, disse Marcelo Pollack.

Exploração empresarial

Poderosas gigantes empresariais nacionais e internacionais têm usado repetidamente o conflito para promover, fortalecer e proteger os seus interesses econômicos, inclusive por meio da aquisição ilegal de grandes extensões de terra. No entanto, até a presente data, o processo de restituição tem se concentrado em grande parte nos retornos de terra em pequena escala e as que são consideradas relativamente simples.

“O processo de restituição de terras até agora não impediu que poderosos interesses econômicos nacionais e internacionais pudessem se beneficiar de investimentos realizados em terrenos adquiridos por abusos de direitos humanos e que pudessem obter lucro a partir do espólio de guerra”, disse Marcelo Pollack.

Pontos fracos do sistema

Para aqueles que tentam recuperar suas terras pela Lei 1448, os avanços do progresso são considerados irremediavelmente lentos. Até agora, apenas uma fração dos milhões de hectares que se acredita terem sido adquiridos ilegalmente durante o conflito foram devolvidos.

A Lei 1.448 também criou uma hierarquia de vítimas em que o direito por uma indenização depende de quando os abusos foram cometidos. Nenhuma pessoa a quem a terra foi arrebatada antes de 1991 tem direito à restituição.

“As casas e meios de subsistência das pessoas tornaram-se diretamente visadas no conflito entre as forças governamentais e de guerrilha, utilizadas como uma cobertura para promover, fortalecer e proteger os interesses econômicos – disse Marcelo Pollack – O presidente Santos deu alguns passos na direção certa com a Lei 1.448, porém chegou o tempo de avançar para garantir que as pessoas que foram expulsas de suas terras possam voltar para casa e retomar suas vidas em segurança e em paz.”

Informação complementar

O conflito armado interno na Colômbia tem sido caracterizado pelo abuso generalizado e sistemático, pelas violações dos direitos humanos e de infrações do direito humanitário internacional, incluindo assassinatos, desaparecimentos, tortura, remoções forçadas, sequestros e violência sexual. Tem sido obra das forças de segurança e de grupos paramilitares, agindo isoladamente ou em conjunto, assim como da guerrilha.

O relatório da Anistia Internacional é publicado em um momento decisivo em que o governo e o principal grupo rebelde, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), iniciaram discussões para finalmente acabar com o conflito armado, que já se mantém por cinquenta anos. A questão das terras é um dos principais temas das negociações.

Veja também:

Um título de propriedade não basta: 15 dados sobre o processo de restituição de terras da Colômbia