Novembro de 2015 – Na próxima terça-feira 10/11, Terezinha de Jesus (40) e Ana Paula Oliveira (39) embarcarão pela primeira vez em um avião para uma viagem internacional. As duas mulheres, que têm em comum a dor da perda de seus filhos, mortos por policiais militares em favelas do Rio de Janeiro, farão parte do “Jovem Negro Vivo Pelo Mundo”. A iniciativa, organizada pela Anistia Internacional, tem como objetivo chamar a atenção para a urgência de medidas concretas para acabar com os homicídios praticados pela polícia e para a necessidade de um debate amplo sobre o alto número de homicídios de jovens no país.

“O tema de segurança pública é uma prioridade para a Anistia Internacional. O Brasil é o país com o maior número de homicídios no mundo, e essa violência letal atinge majoritariamente os jovens negros moradores das favelas e periferias. Os jovens negros são também a principal vítima de homicídios por parte da polícia. E muito pouco tem sido feito para mudar esse quadro. Isso é inaceitável. As autoridades brasileiras – desde o nível local até o nacional – precisam encarar esta realidade com a urgência e a prioridade que a situação exige. A iniciativa Jovem Negro Vivo pelo Mundo’ quer dar visibilidade internacional ao tema, sensibilizando as pessoas nesses países para que se mobilizem em solidariedade às famílias desses jovens assassinados e peçam mudanças concretas às autoridades brasileiras”, declara Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional que acompanhará as mães.

Há um ano, a campanha Jovem Negro Vivo foi lançada nacionalmente para chamar a atenção da sociedade sobre a gravidade dos números de homicídios no país e o perfil majoritário das vítimas: o jovem negro. O Brasil apresenta o maior número de assassinatos em números absolutos do mundo. De acordo com o Mapa da Violência, são cerca de 56 mil vítimas por ano, sendo que 30 mil são jovens entre 15 e 29 anos e, destes, 77% negros. Com mais de 50 mil assinaturas no Brasil para o manifesto “Queremos ver os Jovens Vivos”, a campanha será agora internacionalizada a partir da mobilização de outras seções da Anistia Internacioanl pelo mundo, chamando atenção para a gravidade do problema no Brasil.

Acrescentando o componente da violência policial no contexto da violência letal do país, a Anistia Internacional lançou em agosto o relatório “Você matou meu filho: Homicídios cometidos pela Polícia Militar no Rio de Janeiro”. A polícia em serviço é responsável por uma parcela significativa do total de homicídios. O documento mostra que nos últimos 5 anos, a PM foi responsável por 16% dos homicídios cometidos somente na cidade do Rio de Janeiro. Os casos de homicídios praticados pela polícia raramente são investigados e responsabilizados, e, muitas vezes, apresentam fortes indícios de terem sido execuções extrajudiciais (quando o policial usa a força letal para justificar legítima defesa mas o suspeito na realidade não oferecia nenhuma ameaça).

O luto vira luta

Eduardo de Jesus, filho de Terezinha, foi assassinado por policiais no Complexo do Alemão quando brincava com o celular na porta de casa no dia 2 de abril de 2015. A conclusão do inquérito, divulgada na última semana, confirma que o tiro que matou o menino, de apenas 10 anos, partiu da arma de um policial mas afirma que os policiais teriam agido em legítima defesa devido a um suposto confronto com criminosos. A conclusão do inquérito isenta os policiais de qualquer responsabilidade ao usar a tese da legítima defesa. Terezinha nega esta versão: não havia confronto no momento do disparo e ainda sofreu ameaças dos policiais quando viu seu filho no chão. A apuração feita pela Anistia Internacional para o relatório “Você matou meu filho” também indica que não havia confronto no momento em que Eduardo foi morto e que os policiais ainda teriam tentado alterar a cena do crime.

Johnatha de Oliveira foi morto no dia 14 de maio de 2014 por policiais militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) em Manguinhos, na zona norte do Rio de Janeiro, onde morava com sua família. Após deixar a namorada em casa e passar na casa da avó, ele foi surpreendido por uma confusão entre policiais militares e crianças e adolescentes na comunidade que reclamavam porque eles estavam retirando a grama do campinho de futebol. Um policial militar atirou para o alto para dispersar o grupo, mas outro atirou em direção às pessoas, atingindo Johnatha na região do cóccix. Ele não resistiu ao ferimento. O caso está em fase de instrução, e ainda não foi levado a júri.

A Anistia Internacional acompanha ambos os casos e os retratou no relatório “Você Matou Meu Filho”.

“Estes dois casos são muito representativos da realidade de violência policial nas favelas. Em ambos, os policiais tentam justificar as mortes como se as vítimas tivessem oferecido resistência, justificando a ação letal por parte da polícia. Mas não existe ‘resistência’ ou ‘legítima defesa’ quando um menino de 10 anos brincando com o celular e um jovem de 19 de costas e desarmado são mortos pela polícia”, analisa Renata.

Programação

Acompanhadas por dois representantes da Anistia Internacional, as mães participarão de eventos públicos e encontros com a imprensa em todos os países visitados, onde poderão falar de suas experiências. Estão previstos também encontros com ativistas da Anistia Internacional para fortalecer a mobilização internacional pelas campanhas Jovem Negro Vivo e Diga Não à Execução.

Acompanhe as atualização da viagem no site e nos perfis da Anistia Internacional Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.