O que a Anistia Internacional pensa sobre a resolução aprovada pelo Conselho de Direitos Humanos em 23 de julho? Qual é o passo seguinte?

A Anistia Internacional acolhe com satisfação a Resolução S-21-1, pela qual se estabelece uma comissão de investigação e observação para investigar as violações do direito internacional cometidas por todas as partes no atual conflito. A comissão de investigação representa uma importante oportunidade para romper a espiral de impunidade de delitos do Direito Internacional em Israel e nos Territórios Palestinos Ocupados. Para ser efetiva, a comissão de investigação deve ser exaustiva, independente e imparcial, e examinar as violações do Direito Internacional cometidas por qualquer das partes no conflito. Deve contar com recursos suficientes e ter acesso sem restrições a todas as áreas pertinentes. A Anistia Internacional insta todos os Estados – inclusive os Estados membros da UE que se abstiveram na votação sobre a resolução – que cooperem com a comissão quando preciso.

Quais são as principais obrigações das partes no conflito durante as hostilidades, segundo o Direito Internacional Humanitário?

Durante os conflitos armados, todas as partes – sejam forças estatais ou não estatais – devem respeitar o Direito Internacional Humanitário, que tem por objetivo proteger a população civil regulando a conduta de todos os lados nas hostilidades. Os Estados continuam tendo também a obrigação de respeitar os acordos internacionais sobre os Direitos Humanos durante os conflitos armados.

Segundo o Direito Internacional Humanitário, todas as partes nos conflitos armados devem distinguir entre objetivos militares e civis e estruturas civis, e lançar ataques unicamente contra os primeiros. Os ataques deliberados contra civis ou bens civis – como moradias, centros médicos, escolas ou edifícios governamentais – que não estejam sendo utilizados com fins militares estão proibidos e são crimes de guerra. Os ataques indiscriminados e desproporcionais (nos quais o número provável de vítimas civis ou os danos a bens civis são excessivos em comparação com a vantagem militar prevista) também são proibidos.

Durante o ataque, todas as partes devem tomar as precauções necessárias para reduzir ao mínimo os danos a civis e a bens civis. Entre eles, garantir que os civis recebam aviso efetivo dos ataques com antecedência e anular ou suspender todo ataque se parecer que o objetivo é civil ou que o ataque será desproporcional. Devem também tomar todas as precauções possíveis para proteger os civis sob seu controle dos efeitos dos ataques. Por exemplo, as partes envolvidas devem evitar armazenar munição em áreas civis ou lançar ataques desde essas regiões, para não colocar civis em risco.

Que pautas de violação do Direito Internacional por parte das forças israelenses foram identificadas pela Anistia Internacional na Faixa de Gaza desde que Israel lançou a operação “Margem Protetora” em 8 de julho de 2014?

As forças israelenses efetuaram ataques que mataram centenas de civis utilizando, para isso, armas de precisão, como mísseis disparados por drones, assim como munição, com projéteis de artilharia, que não pode ser disparado com precisão contra áreas residenciais densamente populosas como Shuyaiya. Também atacou diretamente milhares de moradias civis. Israel parece considerar as casas de pessoas relacionadas com o Hamas objetivos militares legítimos, postura que não se ajusta ao Direito Internacional Humanitário.

Centros médicos e edifícios governamentais sem uso militar também foram destruídos ou sofreram danos vários em toda a Faixa de Gaza. A ONU declarou que uma escola sua, onde buscavam refúgio pessoas deslocadas do campo de refugiados de Al Maghazi, no centro de Gaza, foi bombardeada pelas forças israelenses ao menos em duas ocasiões. Outra destas escolas que abrigam famílias deslocadas, situada em Beit Hanoun, no norte de Gaza, sofreu um ataque em 24 de julho no qual morreram ao menos 15 civis e muitos outros ficaram feridos, e a ONU pediu a abertura imediata de uma investigação.

Embora as autoridades israelenses afirmem que avisam os civis de Gaza, se tem observado constantemente que sua atuação não constitui um “aviso efetivo”, segundo o Direito Internacional Humanitário. Os ataques israelenses também provocaram o deslocamento em massa de civis palestinos dentro da Faixa de Gaza.

Qual a postura da Anistia Internacional sobre o lançamento de morteiros ou foguetes indiscriminadamente pelos grupos armados palestinos da Faixa de Gaza? Violam o Direito Internacional Humanitário outras ações realizadas pelos grupos armados palestinos desde 8 de julho de 2014?

Segundo o exército israelense, o braço militar do Hamas e outros grupos armados palestinos dispararam mais de 1.700 foguetes contra Israel entre 8 e 18 de julho, e continuam disparando centenas a cada dia. Em Israel morreram três civis. Também ocorreram danos em moradias e outros bens civis. O Direito Internacional Humanitário proíbe o uso de armas que sejam por natureza de efeito indiscriminado. Os foguetes lançados contra Israel desde Gaza não podem ser apontados com precisão contra seu objetivo, portanto seu uso viola o Direito Internacional Humanitário. Disparar morteiros e foguetes de efeito indiscriminado também coloca em perigo a população civil palestina na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.

As declarações de alguns líderes de grupos armados palestinos indicam também que não têm problemas em lançar ataques contra civis e que, de fato, efetuam tais ataques com a intenção de matar ou ferir civis israelenses. Os ataques dirigidos diretamente contra civis e os ataques indiscriminados que matam ou ferem civis constituem crime de guerra.

Quando o exército israelense avisa os habitantes de uma determinada área da Faixa de Gaza para que a evacuem, cumpre com isto a obrigação de proteger os civis imposta pelo Direito Internacional Humanitário? 

Avisar de maneira efetiva e com antecedência a população civil é apenas uma das precauções prescritas para reduzir ao máximo, no ataque, os danos a civis. Quando as forças israelenses avisam sobre um ataque, em muitos casos ignoram elementos chave de um aviso efetivo, como fazê-lo em momento oportuno, informar aos civis para onde é seguro fugir, e proporcionar passagem segura e tempo suficiente para que fujam antes do ataque. Foram denunciados também ataques fatais lançados muito pouco tempo depois de terem avisado a população civil. Em qualquer caso, avisar previamente não exime a força atacante de sua obrigação de não causar danos à população civil, o que inclui tomar todas as demais precauções necessárias para reduzir ao mínimo o número de vítimas civis e os danos a estruturas civis. O contínuo bloqueio militar israelense à Faixa de Gaza e o fato de que desde o começo das hostilidades atuais as autoridades egípcias tenham fechado a passagem de Rafá impedem que a população civil possa fugir de Gaza para países vizinhos.

As autoridades israelenses afirmam que o Hamas e os grupos armados palestinos utilizam a população civil palestina de Gaza como “escudo humano”.  A Anistia Internacional tem algum indício de que isso tenha ocorrido nas hostilidades atuais?

A Anistia Internacional mantém sob investigação e investiga tais denúncias, mas, até agora, não encontrou indícios de que durante as hostilidades atuais o Hamas ou os grupos armados palestinos tenham utilizado intencionalmente civis palestinos como “escudos” para proteger dos ataques israelenses determinados lugares ou o pessoal ou material militares. Em conflitos anteriores, a Anistia Internacional documentou que os grupos armados palestinos haviam armazenado munição em zonas residenciais na Faixa de Gaza e disparado foguetes de efeito indiscriminados a partir delas, contrariando o direito internacional humanitário. Também se teve notícia de que no conflito atual o Hamas instou os habitantes a ignorarem os avisos de evacuação de Israel. No entanto, essas solicitações do Hamas poderiam ter sido motivadas pelo desejo de impedir que se propague o pânico e que aumente o deslocamento interno e, em qualquer desses casos, tais declarações não são o mesmo que ordenar a civis que permaneçam em suas casas para servir de “escudos humanos” para proteger combatentes ou as munições e material militar. Segundo o direito internacional, inclusive se há o uso de “escudos humanos”, a obrigação de Israel de proteger estes civis continua sendo aplicável.

Foram difundidos informes segundo os quais as forças israelenses usaram flechettes na operação militar em curso na Faixa de Gaza. Qual a postura da Anistia Internacional sobre o uso de flechettes? O exército israelense utilizou flechettes em Gaza anteriormente?

Flechettes são dardos de cerca de 3,5 cm de extensão, com uma ponta afiada na parte dianteira e quatro barbatanas na parte posterior. Cada projétil, que geralmente é disparado de um tanque, contem entre 5.00 e 8.000 dardos deste tipo. O projetil explode no ar e espalha os dardos em um espaço cônico sobre uma superfície aproximada de 300 por 100 metros. Os dardos são desenhados para uso contra ataques em massa de infantaria ou pelotões de soldados em campo aberto e obviamente representam um altíssimo risco para a população civil quando disparados em zonas residenciais densamente povoadas.

Os grupos locais de direitos humanos informaram sobre casos de civis de Gaza mortos ou feridos por dardos. A Anistia Internacional não pode, entretanto, verificar casos concretos durante as hostilidades em curso, mas documentou anteriormente o uso de projeteis com dardos, por exemplo, durante a operação “Ferro Fundido”, que causaram a morte de civis, incluindo meninos e meninas.

O Direito Internacional não proíbe especificamente flechettes em si; no entanto, não devem nunca ser usados em áreas densamente povoadas.

O que a Anistia Internacional pede que a comunidade internacional faça neste momento?

Todos os Estados (e, especialmente, os provedores chave, como os Estados Unidos no caso de Israel) devem suspender todas as transferências de armas, munições e outros materiais e tecnologias militares a todas as partes até que deixe de existir um risco substancial de que esses artigos sejam utilizados para cometer graves violações do direito internacional humanitário ou graves abusos contra os direitos humanos. A suspensão deve incluir todas as exportações indiretas através de outros países, a transferência de componentes e tecnologias militares, e toda atividade financeira, logística ou de intermediação que facilite tais transferências.

Os Estados devem usar o informe da Missão de Investigação das Nações Unidas sobre o Conflito de Gaza, de 2009, e o informe que apresente a comissão de investigação constituída esta semana pelo Conselho de Direitos Humanos como base para exercer jurisdição universal para investigar e processar os crimes de direito internacional ante seus respectivos tribunais nacionais.

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