Reformas legais propostas na sexta (18) pelo Ministério da Saúde norueguês marcam um importante avanço que pode mudar a vida de pessoas transgênero e das futuras gerações da Noruega.

Se adotada pelo Parlamento, a proposta do Ministério daria acesso ao reconhecimento legal de pessoas transgênero de forma rápida, transparente e acessível. Permitiria aos indivíduos a autodeterminação de seu gênero e acabaria com o legado vergonhoso da Noruega de requerimentos compulsórios, que são discriminatórios e violam uma variedade de direitos humanos.

Patricia M. Kaatee, assessora da Anistia Internacional Noruega, disse que “é um marco para todas as pessoas que vêm lutando pelo direito de ser quem são. Graças aos nossos esforços combinados, junto com ativistas transgênero e organizações LGBTI do país, podemos olhar adiante para a adoção da lei que vai dar acesso legal ao reconhecimento de gênero de pessoas trans.”

“Temos orgulho de ver que o governo norueguês está levando a sério os direitos trans, e exortamos o Parlamento para colocar um fim a décadas de práticas discriminatórias aprovando esta lei.”

O que mudará com a nova lei?

A nova proposta pode diminuir o limite de idade de 18 para 16 anos para indivíduos definirem seu gênero e aplicar o reconhecimento legal. Crianças entre 6 e 16 anos também podem fazer, desde que haja o consentimento dos pais. Se os pais não concordarem, um terceiro irá decidir, baseando-se no interesse da criança.

Nenhuma criança menor de 6 anos pode mudar legalmente seu gênero sob a nova lei proposta. Enquanto a redução do limite de idade é um passo bem-vindo, a Anistia não vê a necessidade de uma limitação de idade, tendo em conta o interesse da criança, suas capacidades de desenvolvimento e seu direito de ser ouvida.

Antigas práticas

Na Noruega, pessoas transgênero tiveram seu reconhecimento de gênero negado devido a múltiplos requerimentos que violavam direitos humanos, como o direito à integridade corporal, o direito à privacidade e vida em família, e o direito ao mais alto nível de saúde.

A prática corrente é datada dos anos 70 e submete os indivíduos transgênero a uma série de requerimentos onerosos e discriminatórios para o reconhecimento legal de seu gênero. Entre as práticas, inclui-se o acompanhamento e obtenção de um diagnóstico psiquiátrico e a esterilização irreversível.

A Anistia Internacional mostrou como esses processos – que estão presentes em outros países europeus – são degradantes e violam os direitos humanos. Em fevereiro de 2014, a Anistia Internacional publicou um relatório sobre a falta de direitos para pessoas transgênero na Europa. A Noruega foi criticada por exigir a esterilização irreversível para que haja o reconhecimento legal de gênero.

John Jeanette Solstad Remø, uma mulher trans de 65 anos que não obteve reconhecimento legal do seu gênero devido a sua recusa em compactuar com os requerimentos abusivos.

‘Finalmente respeitados e respeitadas por quem realmente somos’

A Anistia fez uma campanha extensiva, com mais de 16 mil assinaturas pelo caso da norueguesa John Jeanette Solstad Remø, uma mulher trans de 65 anos que não obteve reconhecimento legal do seu gênero devido a sua recusa em compactuar com os requerimentos abusivos. Como consequência, seus documentos se referem a ela como do gênero “Masculino”, o que é humilhante e resulta em questionamentos em sua rotina diária. Para John Jeanette, ser reconhecida como uma mulher significaria ser vista como a pessoa que ela realmente é. Era inaceitável que ela fosse constantemente referida como homem em instituições públicas e no dia a dia. A proposta da nova lei é uma vitória muito atrasada para ela:

“É incrível poder segurar essa nova lei em minhas mãos. Significa que pessoas transgênero, assim como eu, seremos finalmente respeitadas pelo que realmente somos. Anseio pelo dia no qual eu finalmente possa mostrar minha identidade com meu gênero e expressão corretos”, disse John Jeanette Solstad Remø.

“Essa nova lei agora está a um voto parlamentar de distância e será realidade. A grande questão é igualdade, a proteção contra a discriminação e direitos humanos. Portanto, nem em minha fantasia mais louca eu poderia imaginar que a lei passaria com uma sólida maioria. Ela vai melhorar drasticamente a qualidade de vida de pessoas transgênero na Noruega, agora e no futuro”.

Cabe agora ao Parlamento norueguês aprovar a lei. A Anistia Internacional encoraja todos os membros a votarem em um quadro jurídico inclusivo e não discriminatório, de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos.

Saiba mais

Em fevereiro de 2014, a Anistia Internacional publicou um relatório sobre a falta de direitos para indivíduos transgênero na Europa. A Noruega foi criticada pelas atuais práticas administrativas que requerem a esterilização irreversível e o diagnóstico psiquiátrico para que haja reconhecimento de gênero.

A Anistia Internacional instou o governo da Noruega a:

– Alterar as leis e práticas atuais através da introdução de uma proposta legislativa que cria uma estrutura e permite aos indivíduos transgênero o reconhecimento legal do seu gênero através de um procedimento rápido, acessível e transparente.

– Garantir que essas propostas abolirão o requisito de esterilização, assim como qualquer outro requerimento médico em casos nos quais os indivíduos transgênero buscam o reconhecimento legal de seu gênero.

– Garantia de que o reconhecimento de gênero seja acessível a qualquer um, sem a necessidade de acompanhamento e diagnóstico psiquiátrico, e que as identidades transgênero sejam removidas da classificação nacional de doenças mentais.

– Garantir que os indivíduos transgênero possam ter acesso a tratamentos de saúde que queiram, de acordo com seu consentimento.

Junto com os indivíduos transgênero e as ONGs da Noruega, a Anistia Internacional submeteu uma moção ao Comitê de Peritos do Ministério da Saúde em 2013. Em abril de 2015, o Comitê anunciou sua conclusão: que os indivíduos transgênero na Noruega não devem ser forçados a passar por tratamentos invasivos para que tenham seu gênero legalmente reconhecido.

Desde 2008, a Associação Norueguesa Nacional para lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LLH), trabalhou especificamente no direito de pessoas transgênero incluindo o apelo pelo fim da esterilização irreversível como um passo para o reconhecimento legal de gênero.