No segundo aniversário dos acontecimentos catastróficos em Marikana, a justiça ainda não foi feita, assim como a total prestação de contas às vítimas, afirmou a Anistia Internacional.

Todos os envolvidos na decisão ilegal de usar força letal devem ser plenamente responsabilizados, e é necessário que acabe a prática de obstrução das investigações em curso.

A Anistia Internacional acredita que a polícia, agindo ilegalmente, usou de força letal contra os mineiros sem justificativa, deixando 34 mortos e mais de 70 feridos. A polícia, possivelmente com a colaboração de outros agentes, também escondeu e falsificou provas numa tentativa de enganar a Comissão de Inquérito Judicial do caso.

“Dois anos depois do tiroteio de Marikana, segue sendo urgente a necessidade de uma plena cooperação com a investigação e prestação de contas, quanto aos homicídios e ao acobertamento destes crimes”, disse Deprose Muchena, diretor regional da Anistia Internacional para o Sul da África.

“Deve-se fazer justiça, apesar da tentativa de acobertar os crimes, que começou logo após o tiroteio e atrasou o trabalho da Comissão por quase um ano.”

Apesar do derramamento de sangue ter sido previsto pelos que decidiram usar a força letal, não houve assistência médica adequada e o atraso da chegada de paramédicos ao local provavelmente contribuiu para o sofrimento dos feridos. É assombroso que quatro vans mortuárias tenham sido encomendadas pela polícia.

A decisão de desarmar e prender os mineiros em greve à força, foi tomada em 15 de agosto de 2012 pelo Comissário Provincial e aprovada em Reunião Extraordinária do Fórum Nacional de Gestão de Polícia. A decisão e o posterior deslocamento de unidades táticas com armas de fogo, incluindo rifles R5 de assalto, com disparo automático, não tinha fundamento na lei internacional ou do país.

A “perda” da ata desta decisiva reunião é apenas uma questão de uma longa lista de incidentes que sugerem uma tentativa sistemática, por parte das autoridades policiais, possivelmente com envolvimento do nível mais alto, de ocultar ou falsificar provas e enganar a Comissão. Outros incidentes incluem: adulteração da cena do crime; retenção ou atraso na apresentação das armas da polícia para testes de balística; retenção dos discos rígidos dos computadores da polícia; e declarações sem detalhes, bem como testemunhos evasivos de comandantes e altos funcionários da polícia.

“Obter plena responsabilidade, neste caso, é não só vital para as vítimas de Marikana e suas famílias, mas também é essencial para garantir o respeito e a proteção dos direitos humanos na África do Sul”, disse Deprose Muchena.

“Os assassinatos em Marikana não foram um trágico acidente, mas uma indignidade perfeitamente evitável; a ameaça de repetição de tais mortes ilegais vai continuar pairando sobre a África do Sul, até que se faça justiça.”

Contexto

A Comissão de Inquérito de Marikana foi determinada pelo presidente Jacob Zuma em 23 de agosto 2012. Esta tem o poder de encaminhar qualquer questão relacionada com a conduta de determinadas pessoas a um serviço de aplicação da lei apropriado ou outro órgão para processar ou investigar mais a fundo.

A Comissão, que é presidida por um juiz, iniciou os trabalhos em outubro de 2012 e agora teve o prazo prorrogado para 30 de setembro de 2014.

A operação policial em Marikana no dia 16 de agosto de 2012 pretendia desarmar, dispersar e prender grevistas e participantes de uma reunião considerada ilegal na mina Lonmin em Marikana.

34 mineiros foram mortos quando a polícia abriu fogo e mais de 70 outros sofreram ferimentos graves.

A Comissão também vai analisar as circunstâncias de outras 10 mortes ocorridas nos dias anteriores. Incluem dois seguranças e três operários de Lonmin, todos alegadamente mortos pelos grevistas. Dois policiais e três mineiros em greve também morreram em 13 de agosto de 2012, em circunstâncias ainda não esclarecidas.

A decisão de comando para desarmar à força os manifestantes não foi por qualquer aumento da ameaça representada pelos manifestantes naquele momento. A decisão resultante para destacar um grande número de unidades policiais com armas de fogo e munição real não foi por qualquer ameaça à vida e não teve a intenção de proteger ou salvar qualquer vida. Assim sendo, essas ações foram ilegais, inclusive sob as leis do país, que obrigam policiais a agir no âmbito de uma força mínima, e leis e normas internacionais, em particular a obrigação de respeitar e proteger a vida. O Princípio 9 dos Princípios Básicos das Nações Unidas sobre o Uso da Força e Armas de Fogo permite o uso de armas de fogo apenas na defesa contra a ameaça iminente de morte ou lesão grave e apenas quando forem insuficientes métodos menos extremos.

Em setembro de 2013, a Comissão divulgou uma declaração 10 dias após ter acesso aos discos rígidos dos computadores policiais e aos documentos da polícia ainda não vistos, que a polícia alegou não existirem. Dizia: “Obtivemos documentos que, em nossa opinião, demonstram que a versão [da polícia] dos acontecimentos em Marikana é inverídica em alguns aspectos relevantes.”