A gigante britânica da mineração Lonmin Plc ainda não foi capaz de fornecer alojamento adequado para seus funcionários em Marikana, apesar da inequívoca advertência recebida após as mortes de 34 mineradores em 2012, revela a Anistia Internacional em um relatório lançado hoje.

O relatório Smoke and mirrors: Lonmin’s failure to address housing conditions at Marikana (Ilusões: Lonmin não consegue resolver as condições de alojamento em Marikana, em tradução livre), expõe as poucas mudanças ocorridas na situação dos aproximadamente 20.000 mineiros que trabalham para a Lonmin em Marikana, muitos deles ainda vivendo em condições de abandono, apesar dos compromissos legalmente reconhecidos feitos pela empresa de construir mais casas.

 “Os eventos catastróficos de agosto de 2012 deveriam ter sido uma advertência decisiva para a Lonmin resolver essas condições verdadeiramente terríveis de vida,” alertou Deprose Muchena, Diretor da Anistia Internacional para a África do Sul.

“A incapacidade da empresa no sentido de melhorar o alojamento dos funcionários é extremamente frustrante e irresponsável. A Lonmin tem plena ciência de que as condições terríveis de alojamento contribuíram para a revolta de quatro anos atrás que acabou levando dezenas de mineiros à morte.”

Em 2012, milhares de funcionários da Lonmin viviam em péssimas condições nos assentamentos informais situados nos arredores da mina de Marikana. A Lonmin estava totalmente ciente da situação e, através do Social and Labour Plan (Plano Social e de Trabalho, SLP na sigla em inglês) feito em 2005, comprometeu-se a construir 5.500 casas para os funcionários e melhorar as acomodações separadas por sexo no estilo albergue, transformando-as em unidades para solteiros ou famílias em 2011.

Contudo, em 2011 a empresa só havia construído três casas modelo e transformado apenas 60 de 114 albergues.

Os SLPs são documentos legalmente reconhecidos, baseados na Lei de Desenvolvimento de Recursos Minerais e Petróleo (MPRDA na sigla em inglês) e na Carta de Mineração da África do Sul. Ao não cumprir os compromissos firmados nesse acordo, a Lonmin já estava claramente violando suas obrigações com as leis sul-africanas quando os mineiros de Marikana começaram a greve devido às condições de alojamento e pagamento em 2012.

Este fato foi destacado pela Comissão Farlam – criada pelo governo sul-africano para investigar as circunstâncias que levaram à violência em agosto de 2012. A Comissão concluiu que as condições de alojamento para boa parte dos funcionários da Lonmin eram extremamente insatisfatórias e “criavam um ambiente propício à tensão, revoltas no local de trabalho e desunião entre os funcionários, além de outras condutas danosas”.

Em testemunho dado à Comissão Farlam, um representante sênior da Lonmin admitiu que as condições de alojamento eram “verdadeiramente terríveis” e reconheceu que elas contribuíram para o colapso da relação e da confiança entre a Lonmin e seus funcionários.

Ainda assim, pouco mudou e milhares de mineiros continuaram morando nos assentamentos informais das proximidades, como Nkaneng. Um funcionário da Lonmin disse à Anistia Internacional:

“Temos várias instâncias em que estamos sem água, várias instâncias em que não temos eletricidade e isso pode durar vários dias em que ficamos sem água e luz. Isso definitivamente não é normal. Até os banheiros que usamos são horríveis e há sempre moscas voando que entram no seu barraco.”

Em entrevistas e correspondências por escrito trocadas com executivos da Lonmin em 2016, a Anistia Internacional desafiou a empresa a justificar a constante incapacidade de fornecer alojamento adequado e o que ela pretendia fazer em relação a isso. A empresa admite que 13.500 mineiros ainda não vivem em acomodações formais.

A Lonmin forneceu uma longa série de desculpas contraditórias e, em alguns casos, falsas, para seus fracassos. Essas afirmações enganosas foram repetidas para os acionistas nos Relatórios de Sustentabilidade. Executivos da Lonmin disseram à Anistia Internacional que a empresa não tinha intenção de construir as 5.500 unidades de alojamento prometidas originalmente no SLP de 2006.

“A Lonmin está fazendo em um jogo muito perigoso ao prometer o que não tem intenção de cumprir,” acusou Deprose Muchena.

“A confissão estarrecedora de que não há intenção de cumprir as obrigações legalmente firmadas no SLP vai contra as leis sul-africanas, além dos padrões internacionais amplamente aceitos em relação a negócios e direitos humanos.”

A Lonmin atualmente segue um novo SLP, que cobre de 2014 a 2018 e contém apenas duas novas iniciativas no sentido de resolver as condições de alojamento “verdadeiramente terríveis” em Marikana. Uma delas envolve a construção de apartamentos que poderão ser alugados pelos funcionários. Contudo, embora este plano tenha sido desenvolvido em 2013 ou até antes, estamos em meados de 2016 e a empresa fez poucos progressos, alegando que precisa renegociar o comprometimento financeiro ao plano devido à situação econômica atual.

O último SLP da Lonmin também propõe o desenvolvimento de 6.000 unidades de alojamento em Marikana. Contudo, isso parece depender de um acordo financeiro com bancos e construtoras – a incapacidade de garantir essa parceria foi uma das desculpas fornecidas para explicar o fracasso no cumprimento do SLP de 2006. Em maio de 2016, a Lonmin ainda não tinha fechado esse acordo.

 “As desculpas da Lonmin simplesmente não fazem sentido,” diz Deprose Muchena.

“Os planos atuais da empresa repetem abordagens que fracassaram. E o mais preocupante é que até agora os planos da Lonmin pós-2012 não entregaram sequer uma unidade de alojamento a mais para os mineiros em Marikana.”

A Anistia Internacional apela ao Ministro dos Recursos Minerais para que investigue e, se necessário, puna a Lonmin por não ter cumprido os termos do SLP que dizem respeito ao fornecimento de 5.500 casas, segundo a recomendação da Comissão Farlam. A empresa também deverá fornecer ao Ministério de Recursos Minerais propostas atualizadas para o alojamento dos funcionários segundo o novo SLP.

Histórico

A Lonmin foi fundada no Reino Unido em 1909. A principal operação da empresa fica na Província Noroeste da África do Sul. Marikana responde por 95% da produção da Lonmin.

Em 16 de agosto de 2012, o Serviço de Polícia da África do Sul (SAPS) matou 34 homens em Marikana. Mais de 70 ficaram gravemente feridos. Todos eram funcionários da Lonmin e estavam envolvidos na greve e em protestos contra as condições de pagamento e alojamento na mina. Outros dez homens morreram nos dias anteriores aos assassinatos.

A Lonmin terminou em 2014 o programa de melhoria nos alojamentos definido no SLP de 2006.