As maiores empresas da República Centro-Africana (RCA) compraram diamantes no valor de milhões de dólares sem investigação adequada sobre o possível financiamento de grupos armados responsáveis por execuções sumárias, estupros, desaparecimentos e saques generalizados, aponta a Anistia Internacional em um relatório publicado hoje.
O relatório, Correntes do abuso: a cadeia global de diamantes e o caso da República Centro-Africana , apresenta diversos outros abusos no setor de diamantes, incluindo trabalho infantil e abuso fiscal.
As empresas de diamante da RCA estão prestes a começar a exportação de diamantes de estoques empilhados durante o conflito, onde 5.000 pessoas morreram e que dura até hoje. Uma proibição de exportação encontra-se ativa desde maio de 2013, e será parcialmente embargada após o governo ter alcançados as condições, em julho de 2015, do processo de Kimberley, que é responsável pela prevenção do comércio internacional de diamantes de sangue. Antes do conflito, os diamantes ocupavam metade das exportações do país.
Segundo Lucy Graham, Conselheira Legal da Equipe de Negócios e Direitos Humanos da Anistia Internacional, “Se as empresas compraram diamantes de sangue, elas não deveriam ser possibilitadas de lucrar deles”.
“O governo deveria confiscar qualquer diamante de sangue, vendê-lo e usar o dinheiro para o benefício público. As pessoas da RCA têm o direito de lucrar a partir de seus próprios recursos naturais. Como o país procura se reconstruir, é necessário que os diamantes sejam uma benção, e não uma maldição”.
De acordo com entrevistas com mineradores e comerciantes, o relatório mostra em detalhes como grupos armados – o cristão ou animista anti-balaka e o predominantemente muçulmano Séléka – lucram pelo comércio de diamantes através do controle de áreas mineradoras e a partir de “impostos” ou de “proteção”, aplicados aos mineradores e comerciantes.
As lacunas de inspeção nos centros de comércio de diamantes também são documentadas, o que possibilita a venda mundial de diamantes de sangue.
Provas de comerciantes falham decorrentes de diligência
Há um grande risco de que o principal comprador de diamantes durante o conflito, Sodiam, que acumulou mais de 60.000 quilates avaliados em 7 milhões de dólares, comprou e ainda compra diamantes que financiaram o anti-balaka, segundo o relatório.
As Nações Unidas já colocaram na lista negra o maior segundo comerciante, Badica, e sua empresa irmã Belga, Kardiam, pela compra e contrabando de diamantes de áreas controladas pela Seleka no leste da CAR.
Em maio de 2015, um representante da Sodiam em Carnot confirmou à Anistia Internacional que a empresa estava comprando diamantes no oeste da CAR apesar do conflito, e os mantendo até que eles pudessem ser exportados.
Os documentos do relatório contém o envolvimento significativo da participação do anti-balaka no comércio de diamantes no leste da CAR. Comerciantes da área que conversaram com a Anistia Internacional estavam cientes do envolvimento do anti-balaka, mas não conseguiam diferencias diamantes que poderiam financiar o grupo armado. Um desses comerciantes, que disse que era muito perigoso visitar as áreas de minas, mostrou à Anistia Internacional recibos de vendas a Sodiam. Outros comerciantes que fizeram negócios com a Sodiam fizeram admissões semelhantes às Nações Unidas.
Sodiam nega que tenha comprado diamantes de conflitos. A empresa argumenta que não compra diamantes de minas controladas por grupos rebeldes ou a comerciantes associados com eles, mas a Anistia Internacional questiona-os a partir de seus processos de diligência.
A Anistia Internacional quer que o governo da CAR confisque os diamantes até que a Sodiam e outras exportadoras provem que não financiaram grupos armados. Os diamantes confiscados devem ser vendidos e o dinheiro utilizado em prol do interesse público.
As empresas internacionais de diamantes devem abordar o fracasso do Processo de Kimberley
O relatório – que analisa diferentes países dentro da cadeia global de diamantes, da CAR até a Bélgica e dos Emirados Árabes – também detalha abusos de direitos humanos, contrabando e sonegação fiscal nessa cadeia.
Com a indústria de diamantes prestes a se juntar na Cúpula da Indústria de Jóias (Jewellery Industry Summit) em março de 2016, para discutir o fornecimento responsável, a Anistia Internacional está desafiando governos e empresas internacionais de diamantes como a de Beers e Signet a apoiarem regulações mais severas no setor. Essas empresas devem investigar suas cadeias no que diz respeito a abusos de direitos humanos, conflitos e outras práticas ilegais e antiéticas, divulgando as medidas tomadas.
Lucy Graham disse que “Empresas internacionais de diamantes precisam olhar com mais cuidado os abusos na sua cadeia de produção, desde trabalho infantil até evasão fiscal. Por se focar somente em diamantes de conflito, o processo de Kimberley camufla todos os outros abusos de direitos humanos e práticas inescrupulosas associadas a esses diamantes”.
“Isso é um chamado para despertar o setor de diamantes. Estados e empresas não podem mais utilizar o processo de Kimberley como uma garantia aos consumidores de que seus diamantes são providos de maneira ética”.