Os governos europeus que colaboraram com as operações secretas da CIA, de detenção, interrogatório e de tortura, como parte da “guerra ao terror” global dos EUA, devem agir com urgência para trazer os responsáveis à justiça de acordo com relatório do Senado dos EUA que contém novos detalhes, disse a Anistia Internacional em um novo documento.

Breaking the conspiracy of silence: USA’s European ‘partners in crime’ must act after Senate torture report” (“Quebrando a conspiração do silêncio: os europeus ‘parceiros no crime’ dos EUA devem agir após relatório de tortura do Senado”) faz ligações entre os detalhes no relatório do Senado a informações de fontes livres sobre as alegações de que locais secretos existiam na Lituânia, Polônia e Romênia. Outros governos que são alegados em fontes livres de terem facilitado essas operações incluem a Alemanha, Macedônia e Reino Unido. Em alguns casos, esses governos foram coniventes com a CIA em troca de milhões de dólares norte-americanos.

O documento também destaca as respostas inadequadas dos respectivos governos para realizar investigações completas e eficazes.

“Sem a ajuda europeia, os EUA não teriam sido capazes de deter secretamente e torturar pessoas por tantos anos. O relatório do Senado deixa bem claro que os governos estrangeiros foram essenciais para o ‘sucesso’ das operações da CIA – as evidências, que tem sido crescentes por quase uma década, apontam para os principais aliados europeus”, disse Julia Hall, especialista da Anistia Internacional em contraterrorismo e direitos humanos.

“O tempo para as recusas e encobrimentos acabou. Os governos não podem mais se apoiar em razões infundadas de “segurança nacional” e reivindicações de segredo de Estado para esconder a verdade sobre o seu papel na tortura e desaparecimento de pessoas. É hora de justiça para todos aqueles que sofreram as práticas horríveis – incluindo a simulação de afogamento, violência sexual, e simulação de execuções – que caracterizaram estas operações ilegais de combate ao terrorismo”.

“O escalonamento dos EUA a partir do Estado de Direito, depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, prevê um conto preventivo para todos os governos que abraçaram tais crimes violentos. Dispensar os direitos humanos e as liberdades civis é moral e legalmente errado, aliena certas comunidades e envia um perigoso sinal para os outros governos inclinados a violar os direitos das pessoas sob a desculpa da ‘segurança nacional’”, disse Julia Hall.

“Todas as leis, políticas e práticas de combate ao terrorismo devem respeitar os direitos humanos e a dignidade fundamental de todas as pessoas. Este é um princípio particularmente importante neste momento sensível na Europa, quando os franceses e outros governos estão chegando a um acordo sobre os horríveis ataques em Paris”, disse Julia Hall.

O relatório do Senado desencadeou uma série de respostas de funcionários europeus, antigos e atuais, incluindo admissões chaves de envolvimento nas operações da CIA. O relatório do Senado em si não cita explicitamente os países europeus, mas as informações públicas críveis e informações produzidas pela Anistia Internacional muitas vezes correlacionam-se clara e precisamente com os detalhes dos centros de detenção secretos e tortura praticada pelos EUA com a ajuda de seus parceiros governamentais estrangeiras, incluindo:

Polônia

Após o lançamento do relatório do Senado, dois ex-funcionários poloneses finalmente admitiram que a Polônia tinha hospedado um local de detenções secretas da CIA. O relatório do Senado se refere a “Detention Site Blue” (Local de Detenção Azul) e inclui detalhes do local que se correlacionam com as informações públicas sobre um local secreto da CIA na Polônia.

Isto está de acordo com duas decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em julho de 2014 que encontrou cumplicidade da Polônia na capitulação dos EUA e um programa de detenção secreta. As técnicas de interrogatório que um ou ambos os homens foram submetidos incluem simulação de afogamento, execução simulada com uma arma descarregada, acionar uma broca perto da cabeça de um dos detidos, ameaças de violência sexual contra a mãe de um dos homens, entre outras chamadas “técnicas avançadas de interrogatório.”

A investigação criminal na Polônia, que começou em 2008, tem sido repetidamente adiada e está em curso. Um funcionário público disse à Anistia Internacional que o governo dos EUA tem ignorado uma série de pedidos de informações necessárias para a investigação.

Romênia

Após anos de negações, o ex-chefe do Serviço de Inteligência romeno e conselheiro de segurança nacional do presidente na época, admitiu recentemente que a agência de inteligência romena havia permitido que os EUA abrissem um ou dois centros de detenção no país. Ele atribuiu essa cooperação à candidatura de adesão da Romênia na Organização do Tratado do Atlântico Norte.

O relatório do Senado se refere a “Detention site Black” (Local de Detenção Preto), cujos detalhes se aproximam à informação pública sobre um local secreto da CIA na Romênia. Tem sido relatado que a Romênia recebeu milhões de dólares do governo dos EUA. Autoridades romenas declararam que eles abriram um inquérito e estão aguardando uma versão completa, não editada, do relatório do Senado.

Lituânia

Após o lançamento do relatório do Senado, um parlamentar chave, anteriormente responsável por investigar as alegações de um local secreto, reconheceu que as informações no relatório do Senado indicaram que os presos eram mantidos na Lituânia. O relatório do Senado se refere a “Detention site Violet” (Local de Detenção Violeta) e inclui detalhes – inclusive da detenção secreta de um cidadão saudita – que se alinham com informações de fonte livre sobre um local secreto da CIA na Lituânia.

Um grupo de deputados da Lituânia apresentou uma moção no Parlamento para estabelecer uma nova comissão de inquérito sobre o envolvimento da Lituânia em operações de detenções secretas da CIA.

Reino Unido

O Reino Unido foi, sem dúvida, o aliado mais importante dos Estados Unidos em operações de contraterrorismo global da CIA. O relatório do Senado contém uma referência a uma eventual participação do Reino Unido nas operações de detenção e interrogatórios secretos: a tortura do ex-detento de Guantánamo Binyam Mohammed.

Tem sido relatado que o Reino Unido tinha desesperadamente feito lobby para que o documento estivesse livre de quaisquer referências que pudessem levar ao Reino Unido. O relatório do Senado não aponta que Diego Garcia (território britânico no Oceano Índico) foi utilizado como ponto de trânsito e/ou local de detenção no contexto das entregas, embora a Anistia Internacional há muito peça transparência aos EUA e Reino Unido no que diz respeito à possibilidade de utilização de Diego Garcia.

O primeiro-ministro David Cameron afirmou que o Reino Unido está investigando alegações de que seus agentes estiveram envolvidos na tortura e maus-tratos aos detidos estrangeiros no exterior, muitas vezes em conluio com os EUA, mas essa afirmação não resiste à análise. A Anistia Internacional e outras organizações de direitos humanos têm argumentado que o inquérito em curso pela Comissão de Inteligência e Segurança parlamentar não é independente e será prejudicado pelo fato de que o governo tem absoluta discrição de reter informações baseado em considerações de segurança nacional.

Macedônia / Alemanha

O relatório do Senado forneceu mais informações sobre a entrega, tortura e desaparecimento forçado do cidadão alemão Khaled el-Masri, enquanto estava sob custódia dos EUA, que foi objeto de uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em 2012. O governo macedônio não fez comentários sobre o relatório e ainda tem que aplicar o acórdão do Tribunal Europeu. O governo alemão não investigou com eficácia o seu papel nas operações da CIA ou solicitou a extradição dos EUA de treze ex-funcionários da CIA que acredita-se estarem envolvidos na rendição de el-Masri.

“Os governos europeus implicados em operações da CIA contra o terrorismo devem realizar urgentemente uma investigação eficaz, de base ampla e reformar as leis, políticas e práticas que permitiram que essas práticas terríveis e ilegais acontecessem”, disse Julia Hall. “Todos os responsáveis por torturas e desaparecimentos nos territórios dos Estados europeus devem ser indiciados criminalmente e responsabilizados após julgamentos justos; e a justiça deve ser servida às vítimas de tortura.”