O número de remoções forçadas violentas na China está em ascensão, à medida que as autoridades locais buscam compensar enormes dívidas ao apreender e depois vender terras em negócios suspeitos com empreiteiras. A Anistia internacional pede que o governo chinês tome as medidas necessárias.
Em um novo relatório de 85 páginas, Standing Their Ground (“Resistindo com firmeza em suas terras”), a Anistia Internacional destaca como o número de remoções forçadas – uma causa antiga de descontentamento na China – tem aumentado significativamente nos últimos dois anos, de maneira a abrir espaço para empreendimentos.
Governos locais pegaram emprestadas enormes somas de bancos estatais para financiar projetos de desenvolvimento, e agora dependem da venda de terras para cobrir os pagamentos.
Isso resultou em mortes, espancamentos, assédio e prisão de moradores que foram obrigados a deixar suas casas em todo o país, tanto na área rural quanto urbana.
Alguns estavam em tamanho desespero que ataram fogo a si mesmos, em medidas drásticas de último recurso.
No entanto, o Partido Comunista, que governa a China, continua a promover autoridades locais que proporcionam crescimento econômico, independentemente de que forma este é alcançado. Empreendimentos em terrenos, a qualquer custo – seja novas estradas, fábricas ou complexos residenciais – são tidos como o caminho mais rápido para resultados visíveis.
“As autoridades chinesas devem suspender imediatamente todas as remoções forçadas. Deve haver o fim aos incentivos políticos, bônus e promoções que encorajem autoridades locais a continuar com tais práticas ilegais”, disse Nicola Duckworth, diretora sênior de pesquisa da Anistia Internacional.
De 40 remoções forçadas que a Anistia Internacional analisou detalhadamente como parte da pesquisa, nove culminaram na morte de pessoas que protestaram ou resistiram ao despejo.
Em um caso, uma mulher de 70 anos, Wang Cuiyan, foi enterrada viva por uma escavadeira, em 3 de março de 2010, quando uma equipe de cerca de 30 a 40 trabalhadores veio para demolir sua casa, na cidade de Wuhan, na província de Hubei.
As autoridades locais continuam a sancionar ou ignorar o assédio a moradores pelas empreiteiras que utilizam táticas impiedosas para forçar a saída das pessoas de suas casas e a venda de seus direitos de uso da terra.
A consulta ou notificação adequada aos moradores, conforme exigido pelo direito internacional, bem como uma alternativa adequada de moradia são raramente concedidos, e qualquer indenização fica muito aquém do real valor de mercado.
Moradores estão sujeitos a ações conjuntas, incluindo o corte de serviços essenciais, como água e aquecimento. Funcionários públicos que se opõem aos acordos de terra muitas vezes sofrem represálias.
Governos locais e empreiteiras frequentemente contratam bandidos armados com barras de aço e facas para intimidar moradores. Ativistas de direito à moradia, advogados e acadêmicos na China confirmaram as descobertas da Anistia Internacional de que a polícia raramente investiga tais crimes.
Um exemplo violento ocorreu em 18 de abril de 2011, quando centenas de homens entraram no vilarejo de Lichang, na província de Jiangsu, e atacaram agricultores para forçá-los a deixar sua terra. Cerca de 20 mulheres do vilarejo foram arrastadas e espancadas.
Em 15 de junho de 2011, a polícia da cidade de Wenchang, na província de Sichuan, levou sob custódia até mesmo um bebê de 20 meses de idade e se recusou a devolvê-lo até que sua mãe assinasse uma ordem de despejo.
Pessoas que resistem às remoções forçadas muitas vezes são presas ou levadas para Centros de Reeducação pelo Trabalho (RPT).
Em um dos casos, autoridades da província de Shandong enviaram Li Hongwei, uma vítima de remoção forçada por 21 meses a um RPT, por proferir dois discursos de protesto em uma praça, em maio do último ano.
No município de Hexia, na província de Jiangxi, uma mulher foi espancada e obrigada a submeter-se à esterilização, em 17 de maio de 2011, após ter consultado as autoridades a respeito de seu despejo. Outros moradores que a acompanhavam foram espancados. A Anistia Internacional considera tal esterilização forçada como um ato de tortura.
A falta de independência dos tribunais chineses significa que aqueles que contestam as remoções ou buscam reparação têm pouca esperança de conseguir justiça. Advogados também estão relutantes em assumir tais casos por medo das repercussões.
Sem acesso à justiça, alguns recorreram à violência ou mesmo à autoimolação como última instância.
A Anistia Internacional apurou relatos de 41 casos de autoimolação apenas no período de 2009 a 2011, devido às remoções forçadas. Em toda a década passada, houve somente 10 casos relatados.
As remoções forçadas permanecem uma das grandes causas de descontentamento popular em toda a China. O premiê Wen Jiabao reconheceu a gravidade da situação, e tem havido algum progresso no sentido de proteger as pessoas contra as remoções forçadas em consonância com os padrões e o direito internacionais.
Pela primeira vez, novos regulamentos adotados em 2011 determinam que a indenização aos proprietários não pode ser inferior ao valor de mercado e proíbem o uso da violência.
No entanto, essas leis e regulamentos ainda estão muito aquém dos padrões exigidos e se aplicam somente aos moradores da cidade.
Comunidades rurais permanecem vulneráveis às remoções forçadas, particularmente aquelas próximas a áreas urbanas. Com a urbanização ocorrendo tão rapidamente ao seu redor e a indenização baseada no valor agrícola, em vez do real valor de mercado, agricultores são muitas vezes expulsos das comunidades em que viveram por toda sua vida por não terem o dinheiro necessário para adquirir uma residência na região.
Outra grande fragilidade nos últimos regulamentos é que eles garantem proteção apenas para os proprietários das casas, ignorando os direitos dos locatários.
As remoções forçadas – a remoção contra a vontade de indivíduos, famílias ou comunidades de suas casas ou da terra que ocupam, sem acesso a proteção legal ou de outra natureza – são proibidos sob o direito internacional.
A Anistia Internacional urge as autoridades a suspender imediatamente todos as remoções forçadas e a garantir que as salvaguardas adequadas sejam providenciadas, em consonância com o direito internacional, incluindo:
– Implementar medidas efetivas para garantir a toda a população um certo grau de segurança da posse que a protegeria de despejos forçados e outros assédios e ameaças.
– Garantir que ninguém se torne desabrigado como resultado de uma remoção forçada e que todas as pessoas que não podem garantir seu próprio abrigo recebam uma alternativa adequada de moradia.
– Garantir que todas as vítimas de remoções forçadas tenham acesso à adjudicação independente e imparcial de suas denúncias e a uma solução efetiva.
– Punir e processar aqueles que fazem uso de violência durante o processo de remoção.
Informações complementares
A Anistia Internacional realizou pesquisas para este relatório entre fevereiro de 2010 e janeiro de 2012, e examinou 40 casos em detalhes. Isto incluiu entrevistas com vítimas de remoções forçadas advogados e ativistas do direito à moradia de toda a China continental. Também foram realizadas entrevistas com acadêmicos internacionais e outras autoridades em direito à terra e à moradia chineses e defensores internacionais dos direitos à habitação.
O relatório também se baseia em extensa pesquisa acadêmica chinesa e internacional, estudos de uma organização chinesa de direitos humanos e relatos publicados tanto na imprensa chinesa quanto internacional.
Este relatório é parte da campanha Exija Dignidade da Anistia Internacional, lançada em maio de 2009. Por meio da campanha, a Anistia Internacional insta o fim das violações de direitos humanos que geram e intensificam a pobreza. A campanha mobiliza pessoas de todo o mundo para exigir que governos, corporações e outros que têm poder ouçam as vozes daqueles que vivem na pobreza e reconheçam e protejam seus direitos.