Uma decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Maranhão pode resultar na ausência de responsabilização pelo assassinato do líder quilombola Flaviano Pinto Neto, morto há cinco anos no município de São Vicente Ferrer, a pouco menos de 300 quilômetros da capital São Luís. Embora o Ministério Público tenha denunciado à Justiça os suspeitos de envolvimento no caso, a decisão impede que o processo sequer vá a julgamento. O documento ainda responsabilizar Flaviano por sua própria morte, alegando que a vítima foi responsável pelo início dos conflitos e que não haveria provas suficientes para o caso ir a julgamento.
A investigação sobre o assassinato de Flaviano foi concluída em abril de 2011 e marcada também pelo conflito na região. Moradores do Charco tiveram que fazer vigília sobre o túmulo de Flaviano durante cerca de duas semanas para que seu corpo não fosse roubado antes da exumação solicitada para realização de perícia. Advogados que acompanham o caso elogiaram a atuação da Polícia Civil na condução da investigação, que produziu um inquérito consistente, bem documentado, com fortes evidências e identificação dos mandantes, intermediário e executor envolvidos.
Flaviano foi emboscado e assassinado em 30 de outubro de 2010 como consequência de sua luta pelo direito à terra da comunidade quilombola do Charco. Quando a chuva permite, a comunidade plantava ali mandioca, arroz, milho, batata. Porém até 2008, a maior parte da produção era recolhida por um fazendeiro que afirmava que a comunidade estava em sua propriedade. Indignados com a situação, moradores contestaram a legalidade da exigência e solicitaram que o fazendeiro apresentasse o título de posse. No entanto isto não aconteceu e, assim, o pagamento deixou de ser feito. A comunidade sofreu ameaças, um incêndio na sede da associação de moradores e intimidações que culminaram com o assassinato de Flaviano.
“A impunidade dos casos de lideranças rurais assassinadas é um dos grandes desafios que precisam ser vencidos nos casos de violência no campo. A lentidão no sistema de justiça e na titulação das terras coloca em risco toda a comunidade, que fica vulnerável a ataques de fazendeiros que tem interesses em suas terras”, comenta Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional.
De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra, de 1985 a 2014, houve 144 casos de assassinato no campo no Maranhão. Entretanto nenhum mandante foi responsabilizado.
Morosidade na titulação de terras de comunidades quilombolas
Em outubro de 2009 a Fundação Palmares emitiu certificação reconhecendo o quilombo do Charco. Ali se iniciou um longo processo para a titulação da comunidade. O Relatório Territorial de Identificação e Demarcação (RTID), elaborado pelo Incra, só foi finalizado em 2012. Em março de 2014 foi publicada a portaria que reconhece e declara o Charco como terras de remanescentes de quilombo. Somente em junho de 2015, a Presidente Dilma Rousseff assinou o decreto para desapropriação de terras pertencente ao Charco. A titulação definitiva ainda não foi concluída.
“É inaceitável que a falta de vontade política resulte na precariedade nos meios de subsistência da população e os exponha a um sério conflito agrário”, argumenta Renata. “A mobilização da comunidade do Charco e da Comissão Pastoral da Terra tem sido fundamental na luta pela titulação das terras da comunidade e para que o assassinado de Flaviano seja responsabilizado e levado à justiça. A Anistia Internacional tem atuado junto a eles e continuará mobilizada até que a justiça seja feita. “, completa.
Mobilização pela Comunidade do Charco
A Anistia Internacional acompanha o caso da comunidade do Charco desde 2010. Desde então produziu ações urgentes para a garantir a segurança de moradores desta e de outras comunidades rurais e quilombolas no Maranhão, se articulou com organizações da sociedade civil locais, se reuniu com autoridades do estado do Maranhão e do governo federal, além da campanha Escreva por Direitos 2014, na qual pessoas de todo o Brasil enviaram mensagens cobrando ações do governo federal e incentivando a comunidade pela luta dos seus direitos. As cartas pedindo ação imediata pela titulação das terras do Charco foram entregues ao Ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, no dia 27 de maio de 2015.
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