Mulheres e meninas correm o risco de abortos inseguros que podem levar a complicações de saúde graves e até à morte por causa das barreiras persistentes a serviços de aborto legais, de acordo com a pesquisa realizada pela Anistia Internacional e a Unidade de Pesquisa de Saúde da Mulher, da Escola de Saúde Pública e Medicina Familiar da Universidade de Cape Town.
O briefing publicado na semana passada destaca como, apesar da África do Sul ter um dos quadros jurídicos mais progressivos do mundo em relação ao aborto, muitas mulheres e meninas, especialmente as que fazem parte das comunidades mais pobres e marginalizadas, sofrem para acessar serviços de aborto seguro. Uma barreira-chave é o fracasso do governo na regulamentação da prática de “objeção de consciência”, pela qual os profissionais de saúde podem se recusar a fornecer os serviços.
“Ninguém, não importa o status social, deve ter o direito de tomar uma decisão em relação a sua gravidez negado. Esse briefing expõe as desigualdades profundas do sistema de saúde, que continua a discriminar meninas e mulheres pobres”, disse Muleya Mwananyanda, vice-diretora da Anistia Internacional no Sul da África.
“O Departamento Nacional de Saúde precisa intervir urgentemente para garantir que o acesso das mulheres e meninas ao aborto não dependa mais das atitudes pessoais dos profissionais de saúde”.
Hoje faz 20 anos desde a adoção da Lei para a Escolha sobre a Interrupção da Gravidez (CTOPA) no país.
Em um dos casos destacados no relatório, uma estudante de 19 anos de Johannesburgo morreu em 2016 após as complicações de um aborto inseguro. Um representante das Nações Unidas culpou as deficiências do sistema de saúde, o estigma e a discriminação como fatores que contribuíram para a morte da mulher.
Outras mortes causadas por abortos inseguros são mais difíceis de documentar. O briefing destaca a necessidade de dados desagregados sobre as mortes resultantes de abortos dentro do monitoramento do governo sobre as mortes relacionadas à gravidez.
O documento também avisa que a implementação da CTOPA permanece inadequada e pode resultar em violações das obrigações do governo perante a lei internacional de direitos humanos. Sob os padrões de direitos humanos regionais e internacionais, a África do Sul tem o dever de garantir que a objeção de consciência não tenha impacto sobre o acesso a serviços e que um processo de encaminhamento funcional garanta cuidados de qualidade apropriados e pontuais para cada pessoa que busca um aborto.
O briefing também destaca a confusão em torno dos limites da objeção de consciência e os deveres dos profissionais de saúde em relação ao fornecimento de serviços relacionados ao aborto.
Sob o direito à Liberdade de Consciência garantido pela constituição sul-africana, os profissionais de saúde podem se recusar a realizar um aborto em certos casos, mas nunca em emergências ou quando a vida da mulher ou da menina estiver em risco.
A CTOPA estipula que qualquer pessoa que evite ou obstrua o acesso a serviços de aborto legais é culpada de crime, passível de punição por multa ou detenção.
“A falta de diretrizes de política claras para os provedores de serviço cria um vácuo e permite que a objeção de consciência seja aplicada de maneira inconsistente”, disse Muleya Mwananyanda.
“O direito de uma mulher à vida, à saúde e à dignidade sempre deve vir à frente do direito de um profissional de saúde exercer a objeção de consciência para não realizar um aborto. Essa não é a realidade na África do Sul. É urgente que haja regulamentação e diretrizes de política claras para corrigir o vácuo atual”.
De acordo com o Departamento de Saúde, dos 505 estabelecimentos que fornecem serviços de interrupção da gravidez, apenas 264 fornecem serviços de interrupção no primeiro e no segundo trimestre, o que resulta em grandes distâncias até os estabelecimentos e altos custos de transporte. O briefing alerta para o fato de que não há uma lista de estabelecimentos que realizem abortos seguros e legais prontamente disponível ao público, especialmente em um contexto no qual diversos prestadores de serviços de aborto ilegais fazem propaganda em espaços públicos e na internet.
A Anistia Internacional convoca as autoridades sul-africanas para emitir diretrizes e protocolos claros para todos os profissionais e gerentes de estabelecimentos de saúde que esclareçam os limites da objeção de consciência e reforcem os deveres éticos dos profissionais para com o direito de acesso aos cuidados de saúde de meninas e mulheres. Quem exercer seu direito à objeção de consciência deve fornecer informações precisas e encaminhamento, além de serviços de emergência, quando necessários.
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Contexto
A Lei para a Escolha sobre a Interrupção da Gravidez (CTOPA) de 1996 entrou em vigor em 1º de fevereiro de 1997. Ela dá a mulheres e meninas o direito a um aborto solicitado até a 12ª semana de gravidez e, em certas condições, antes da 20ª semana. A legislação foi considerada um avanço na saúde e nos direitos da mulher.
Estima-se que as mortes e ferimentos relacionados ao aborto foram reduzidos em mais de 90% desde que a CTOPA entrou em vigor.
Sob a lei internacional dos direitos humanos, a África do Sul tem o dever de garantir que serviços e informação sobre abortos estejam disponíveis, acessíveis e sejam de boa qualidade para todas as mulheres e meninas, sem discriminação.