Defensoras dos direitos das mulheres no Afeganistão, que enfrentam crescente violência – incluindo ameaças, agressão sexual e assassinato – estão sendo abandonadas por seu próprio governo, apesar dos significativos ganhos que lutaram para obter, disse hoje (7) a Anistia Internacional em um novo relatório.
O relatório Their Lives On The Line (Suas Vidas em Risco) mostra que campeãs da defesa de mulheres e meninas, incluindo médicas, professoras, policiais e jornalistas, assim como ativistas, têm sido alvo não apenas do Taliban, mas também de lordes da guerra e funcionários do governo. Leis dedicadas a apoiá-las são pouco implementadas, quando o são, enquanto a comunidade internacional pouco está fazendo para aliviar seu sofrimento.
Defensoras dos direitos enfrentaram carros-bomba, ataques com granadas a suas casas, assassinato de familiares, e foram alvo de homicídio. Muitas continuam seu trabalho apesar de sofrerem múltiplos atentados, sabendo que nenhuma ação será tomada contra os perpetradores.
“Mulheres defensoras dos direitos humanos de todas as esferas da vida lutaram bravamente por alguns ganhos significativos ao longo dos últimos 14 anos – muitas inclusive pagaram com suas vidas. É ultrajante que as autoridades afegãs as estejam deixando à própria sorte, com a situação mais perigosa do que nunca”, disse Salil Shetty, secretário-geral da Anistia Internacional, em Cabul, para o lançamento do relatório.
“Com a retirada das tropas quase completa, muitos na comunidade internacional parecem felizes em varrer o Afeganistão para debaixo do tapete. Não podemos simplesmente abandonar este país e aqueles que colocam suas vidas em risco pelos direitos humanos, incluindo os direitos das mulheres.”
Houve um investimento internacional significativo para apoiar as mulheres afegãs, incluindo esforços para reforçar os direitos das mulheres. Mas muito disso tem sido fragmentado e ad hoc, e grande parte do dinheiro da ajuda está se esvaindo.
Enquanto o Talibã é responsável pela maioria dos ataques contra mulheres defensoras, funcionários do governo ou poderosos comandantes locais, com o apoio das autoridades, estão cada vez mais implicados na violência e ameaças contra mulheres.
Como uma defensora explicou: “As ameaças vêm de todos os lados: é difícil identificar os inimigos. Eles poderiam ser família, agências de segurança, o Talibã, os políticos”.
Com base em entrevistas com mais de 50 mulheres defensoras e seus familiares em todo o país, a Anistia Internacional encontrou um padrão consistente de autoridades que ignoram ou se recusam a levar a sério ameaças contra mulheres. Poucas investigações foram realizadas, enquanto processos e condenações foram ainda mais raros. Em muitos casos, as defensoras que relataram violência ou ataques foram colocadas em risco adicional, enfrentando a estigmatização ou ameaças simplesmente por falar.
Nenhuma mulher na vida pública está segura – uma gama de ativistas de direitos, políticas, advogadas, jornalistas e professoras, enfrentam ameaças e violência. Mesmo as mulheres na força policial estão sob ameaça, onde o assédio sexual e o assédio moral são abundantes e, quase sempre, ficam impunes.
Na província de Laghman oriental, a Dra. Shah Bibi é a diretora do Departamento de Assuntos da Mulher, e continua seu trabalho para fortalecer os direitos das mulheres, apesar de várias ameaças de morte que a obrigaram a se mudar para outra província.
“Todos os dias quando saio de casa eu penso que posso não retornar viva e meus filhos estão tão assustados quanto eu com a possibilidade de o Talibã me atacar”.
As predecessoras da Dra. Bibi – Najia Sediqi e Hanifa Safi – foram mortas em um intervalo de seis meses entre os assassinatos em 2012, por homens armados em plena luz do dia e por um carro bomba, respectivamente. Em uma história familiar, parentes disseram à Anistia Internacional como eram regulares as ameaças de morte que ficaram sem resposta das autoridades, apesar dos reiterados pedidos das mulheres por proteção. Ninguém foi responsabilizado pelos homicídios.
Apesar da existência de uma estrutura legal para proteger as mulheres no Afeganistão – em grande parte graças à campanha incansável das próprias ativistas dos direitos das mulheres – as leis são muitas vezes mal aplicadas e permanecem meras promessas no papel.
A lei de Eliminação da Violência contra a Mulher (EVAW), ponto de referência aprovado em 2009, continua a ser aplicada de forma desigual e só levou a um número limitado de condenações. A pesquisa da Anistia Internacional constatou que a falta de vontade política por parte das autoridades afegãs faz com que os órgãos e funcionários do governo encarregados de proteger as mulheres estejam com poucos recursos e sem apoio para realizar o seu trabalho.
Acrescenta-se a isso uma aceitação comum de que a violência contra mulheres e meninas é parte “normal” da vida, e os limites à sua capacidade de participar livremente na vida pública.
A Anistia Internacional fez uma série de apelos no relatório. Proteção, especialmente para as que estão nas áreas rurais, é essencial; não deve haver discriminação no nível de proteção; deve haver processos judiciais usando a legislação apropriada. A cultura de assédio em instituições públicas deve ser abordada, e as autoridades devem contestar as atitudes que levam a abusos.
“O governo afegão está fazendo vista grossa para as ameaças muito reais que defensoras dos direitos humanos das mulheres estão enfrentando. Essas pessoas corajosas – muitos delas simplesmente fazendo seu trabalho – são o baluarte contra a opressão e a violência que é parte da vida diária de milhões de mulheres em todo o país. O governo deve garantir que elas sejam protegidas, não ignoradas”, disse Horia Mosadiq, pesquisador a da Anistia Internacional sobre o Afeganistão.
Enquanto os governos internacionais despejaram centenas de milhões de dólares em projetos de apoio aos direitos das mulheres desde 2001, a abordagem não foi longe o suficiente. Os projetos têm, excessivas vezes, focado em ganhos de curto prazo, e foram implementados sem consultar as próprios ativistas dos direitos das mulheres
Com a retirada das tropas internacionais perto da conclusão, mesmo estes frágeis ganhos estão sob ameaça.
Os países da União Europeia (mais as missões diplomáticas da UE) lançaram recentemente um programa que, uma vez operacional, vai oferecer proteção de emergência e monitoramento contínuo dos defensores dos direitos. No entanto, a estratégia ainda não foi testada, e ainda não se sabe o quão eficientemente ele será implementado.
“O Afeganistão está enfrentando um futuro incerto e, sem dúvida, está no momento mais crítico de sua história recente. Agora não é o momento para os governos internacionais irem embora”, disse Salil Shetty.
“A comunidade internacional deve intensificar seu envolvimento contínuo e o governo afegão não pode continuar a ignorar suas obrigações de direitos humanos.”
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