Ninguém poderia prever o início perturbador de 2020 causado pela pandemia da COVID-19. À medida que nosso mundo experimenta as mudanças sociais mais profundas dessa geração e a vida é colocada em espera por muitos, a luta pelos direitos humanos deve continuar se quisermos garantir um futuro digno, justo e seguro. Vamos celebrar os sucessos dos direitos humanos, contra todas as probabilidades, conquistados no final de 2019 e nos primeiros meses de 2020…

Dezembro de 2019

No final de dezembro, o tribunal regional da África Ocidental decidiu CONTRA a proibição de meninas grávidas frequentarem a escola na Serra Leoa. Em 2019, a Anistia Internacional ingressou em um processo legal contra a proibição que resultou na exclusão de milhares de adolescentes grávidas ds estudos. Em dezembro, o tribunal ordenou que o governo da Serra Leoa revogasse imediatamente a política. Foi um momento marcante na luta contra a discriminação na educação.

Também em dezembro, o Promotor do Tribunal Penal Internacional (TPI) anunciou que um exame preliminar havia concluído que crimes de guerra foram cometidos nos Territórios Ocupados da Palestina (TOP), abrindo caminho para uma investigação. A decisão é um passo histórico em direção à justiça em Israel e nos TOP, após décadas de crimes de guerra e outros, de acordo com o direito internacional. A Anistia Internacional produziu uma grande quantidade de documentos sobre a guerra de 2014 em Gaza, incluindo uma peça de investigação chamada Black Friday e a ferramenta de pesquisa Plataforma de Gaza.

Nosso trabalho se concentrou nas violações realizadas por grupos armados israelenses e palestinos, incluindo um relatório sobre as execuções sumárias de autoria do Hamas.

Janeiro de 2020

Em janeiro, o governo de Bangladesh anunciou sua intenção de oferecer oportunidades de educação e treinamento às crianças Rohingya refugiadas. A decisão veio dois anos e meio depois que os Rohingyas foram forçados a fugir de uma campanha de limpeza étnica em Mianmar. Tal fato representou uma grande vitória para a Anistia Internacional e outras organizações de direitos humanos, que estão em campanha pela educação de quase meio milhão de crianças Rohingya nos campos de refugiados de Bangladesh.

“Permitir que as crianças acessem a escola e persigam seus sonhos para o futuro é um compromisso importante e muito positivo do governo de Bangladesh. Elas já perderam dois anos letivos e não podem desperdiçar mais tempo fora da sala de aula”.

Saad Hammadi, ativista da Anistia Internacional no Sul da Ásia.

Fevereiro de 2020

O Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (EACODH) divulgou um relatório há muito aguardado listando mais de 100 empresas que possuem ligações com os assentamentos ilegais de Israel na Cisjordânia. O relatório lista várias empresas de turismo digital, incluindo Airbnb, TripAdvisor, Expedia e Booking.com, as quais a Anistia Internacional descobriu que estão levando o turismo aos assentamentos e contribuindo para a sua existência e expansão.

“A instalação de civis em territórios ocupados viola o direito internacional humanitário e equivale a crime de guerra. Citar as empresas que lucram no contexto dessa situação ilegal envia uma mensagem clara para a comunidade internacional de que os assentamentos nunca devem ser normalizados. Essas empresas estão lucrando e contribuindo para violações sistemáticas contra o povo palestino”.

Saleh Higazi, vice-diretor da Anistia Internacional no Oriente Médio.

Março de 2020

Na Argentina, o recém-empossado presidente Alberto Fernandez cumpriu seu compromisso de adotar medidas para legalizar o aborto e disse que apresentaria um projeto para o tema. Isso se dá após anos de campanha concretizada por defensores e defensoras dos direitos das mulheres e meninas, incluindo a Anistia Internacional.

“O Congresso deve agora ouvir as demandas de dezenas de milhares de mulheres e meninas que lutaram para ter controle e decisão sobre seus próprios corpos. Chegou a hora da Argentina aderir à lista de países que legalizam o procedimento e dizem ADEUS ao aborto clandestino”.

Mariela Belski, diretora executiva da Anistia Internacional Argentina.

A Espanha anunciou um projeto de lei para definir estupro como sexo sem consentimento, de acordo com as normas internacionais de direitos humanos. A mudança legal ocorre depois de alguns casos proeminentes de estupro coletivo, onde o sistema judicial fracassou junto às vítimas. Isso incluiu o chamado caso ‘La Manada’ que provocou protestos generalizados e desencadeou um compromisso do governo em reformar a legislação. O projeto inclui outras medidas de prevenção e resposta à violência sexual e está pendente no Parlamento. A Anistia Internacional vem solicitando aos países europeus que definam estupro como sexo sem consentimento, inclusive através da campanha Vamos falar sobre Sim.

Apenas 9 dos 31 países no Espaço Econômico Europeu e na Suíça analisados pela Anistia Internacional definem estupro como sexo sem consentimento. Além da mudança legal, o projeto de lei inclui outras medidas há muito esperadas para prevenir e responder à violência sexual na Espanha.

Também em março, o guia espiritual iraniano Mohammad Ali Taheri se reuniu com sua família no Canadá. Ele foi preso em maio de 2011 no Irã e condenado à morte por estabelecer o grupo espiritual Erfan-e Halgheh. Após grande clamor e apelos globais da Anistia Internacional, sua sentença de morte e condenação foram anuladas e ele foi libertado em 2019, fugindo em seguida do país. Depois de chegar ao Canadá, ele escreveu um post no Facebook agradecendo aos membros da Anistia Internacional por suas incansáveis campanhas.

No Líbano, uma nova consulta ofereceu oportunidade para proteger melhor os direitos dos trabalhadores migrantes. A consulta nacional sobre a reforma do sistema kafala, que vincula a residência legal do trabalhador ao contrato com o empregador, foi organizada pela Organização Internacional do Trabalho em colaboração com o Ministério do Trabalho do Líbano. Assim se iniciou uma conversa muito necessária sobre medidas essenciais para garantir melhores condições de trabalho aos migrantes. A Anistia Internacional faz campanhas pela abolição do sistema kafala em países do Oriente Médio.

Abril de 2020

O advogado chinês de direitos humanos Wang Quangzhang se reuniu com a família após quatro anos e meio de prisão. Ele foi alvo por conta do seu trabalho expondo a corrupção e violações de direitos humanos, e a Anistia Internacional fez campanha para sua libertação, desde o anúncio da sentença.

Houve uma amostra do progresso na Arábia Saudita quando autoridades anunciaram planos para o fim da pena de morte contra pessoas menores de 18 anos na ocasião do crime. A pena de morte será substituída por uma pena máxima de 10 anos de prisão. No entanto, os jovens condenados sob a lei antiterrorista, frequentemente usada de maneira abusiva, ainda podem ser executados. A Anistia Internacional continua apelando para que a Arábia Saudita venha a abolir a pena de morte em todas as circunstâncias.

O Comando dos Estados Unidos para a África (AFRICOM) publicou seu primeiro relatório trimestral sobre alegações de vítimas civis de ataques aéreos dos EUA na Somália, incluindo dois incidentes investigados pela Anistia Internacional. Após a divulgação do relatório, vários congressistas dos EUA entraram em ação para responsabilizar o Pentágono / AFRICOM. O relatório foi divulgado depois que fizemos uma campanha por mais de um ano para aumentar a transparência do AFRICOM, inclusive em um relatório inovador, que resultou no primeiro reconhecimento dos Estados Unidos na América acerca de vítimas civis na Somália.

Este é um passo bem-vindo, embora muito atrasado, no sentido de fornecer verdade e prestar contas às vítimas dos ataques aéreos estadunidenses e suas famílias na Somália e em outros locais. É chocante que tenha levado mais de uma década da guerra aérea secreta do AFRICOM na Somália para que isso acontecesse”.

Deprose Muchena, diretor da Anistia Internacional para a África Oriental e Austral.

Nazanin está no Irã desde 3 de abril de 2016. O Irã libertou temporariamente da prisão a trabalhadora de caridade britânica Nazanin Zaghari-Ratcliffe, em resposta à crise da COVID-19. Nazanin foi presa no aeroporto Imam Khomeini, em Teerã, em abril de 2016, quando estava prestes a embarcar em um avião de volta ao Reino Unido após férias em família. Depois de 45 dias em confinamento solitário sem acesso a um advogado, Nazanin foi submetida a um julgamento profundamente injusto e condenada a cinco anos de prisão por “pertencer a um grupo ilegal”, vinculado com seu trabalho de caridade.

Não deve restar nenhuma chance de Nazanin ser enviada de volta à prisão de Evin. Existem inúmeros relatos de COVID-19 nas prisões iranianas, com detidos pedindo coisas básicas como sabão para ajudar a combater a doença”.

Kate Allen, diretora da Anistia Internacional do Reino Unido.

Na Alemanha, ocorreu um julgamento histórico no caso de dois ex-oficiais de segurança do governo sírio acusados de crimes contra a humanidade, incluindo tortura e estupro. O julgamento foi o primeiro do gênero e um grande passo em direção à justiça para dezenas de milhares de pessoas ilegalmente detidas, torturadas e mortas em prisões e centros de detenção do governo sírio.

Maio de 2020

No início de maio, um tribunal francês absolveu um agricultor que foi processado por ajudar os requerentes de asilo. Em 2017, Cédric Herrou foi condenado por facilitar a circulação, permanência e entrada irregulares de refugiados e migrantes na fronteira franco-italiana. O caso de Cedric foi emblemático de como atos de solidariedade foram criminalizados em toda a Europa. Após a absolvição, o pesquisador da Anistia Internacional Rym Khadraoui disse:

Esta não é apenas uma vitória para a justiça, mas também para o senso comum. Cédric Herrou não fez nada de errado, apenas foi solidário com as pessoas abandonadas em péssimas condições pelos Estados europeus. O significado da decisão de hoje será sentido muito além deste tribunal”.

Também em maio, uma investigação do Laboratório de Segurança da Anistia Internacional protegeu mais de um milhão de pessoas no Catar de expor seus dados pessoais. A Anistia Internacional descobriu sérias falhas no aplicativo de rastreamento de contatos que o Catar lançou para monitorar a COVID-19 e que autoridades tornaram o download obrigatório para todos no país. As falhas teriam permitido que os ciber-criminosos acessassem informações altamente sensíveis, colocando as pessoas em risco de ataques maliciosos. As autoridades do Catar rapidamente corrigiram a falha depois do nosso alerta. Embora o Catar tenha feito alterações que parecem corrigir o problema, a Anistia Internacional não conseguiu verificá-las completamente. E mesmo agora, o aplicativo do Catar, como muitos sendo introduzidos, permanece altamente problemático devido à falta de salvaguardas de privacidade.

A empresa de cerveja japonesa Kirin anunciou uma revisão independente de seus vínculos comerciais com a empresa militar de Mianmar MEHL – motivada em grande parte pela investigação da Anistia Internacional em 2018 nas doações da subsidiária Myanmar Brewery para o Tatmadaw. A Anistia Internacional descobriu que uma subsidiária da multinacional cervejeira Kirin fez pagamentos às forças armadas e às autoridades de Mianmar no auge de uma campanha de limpeza étnica contra a população Rohingya no final de 2017.

Em contato com a Kirin, a Anistia Internacional levantou preocupações em maio de 2020 sobre os laços comerciais da cervejaria com uma empresa militar de Mianmar, MEHL, perguntando como a cervejaria garante que qualquer renda proveniente de seus negócios de joint-venture com a MEHL não esteja sendo usado pelo exército de Mianmar. Em um comunicado, a Kirin disse que leva a sério suas responsabilidades em Mianmar e tomará as atitudes necessárias para garantir que suas atividades comerciais na região sigam os mais altos padrões.

No Bahrein, o ativista de direitos humanos Nabeel Rajab foi libertado da prisão por uma sentença sem custódia no país. Um tribunal concordou em aprovar uma alternativa à prisão que ele recebeu, segundo um de seus advogados, Mohamed Al Jishi. Rajab poderá cumprir em liberdade pelos três anos restantes de sua sentença inicial. Embora os termos ainda não estejam claros, eles podem incluir, conforme o Número da Lei (18) de 2017, sanções alternativas, como prisão domiciliar, ordens de exclusão ou ordens de restrição.

É um alívio que Nabeel Rajab finalmente se reúna com sua família, que bravamente conduziu uma campanha pública implacável em prol deste dia que está por vir. Embora este seja um momento para comemorar, é impossível esquecer que eles passaram quase quatro anos injustamente separados, ou esquecer dos muitos outros ativistas pacíficos que permanecem atrás das grades no Bahrein. A libertação de Nabeel agora deve ser acompanhada pela anulação de sua condenação e sentença, pelo abandono de quaisquer acusações pendentes contra ele em relação à sua expressão de opinião pacífica e ao fim da injustiça que o levou a ser punido. Ao invés de libertá-lo em uma sentença sem custódia, as autoridades devem anular todas as sentenças contra ele e garantir seu acesso a reparação pelas violações que sofreu durante esse período”.

Lynn Maalouf, diretora de pesquisa do Oriente Médio da Anistia Internacional.

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