Acabou no dia 18 de junho, a greve de quilombolas que durou nove dias no Maranhão. Desde o dia 9 de junho, cinco mulheres e três homens se recusavam a comer, mesmo diante da situação delicada de saúde em que se encontravam. O motivo: chamar a atenção do governo federal para a situação precária de comunidades quilombolas e indígenas do Maranhão após anos de atraso no reconhecimento e titulação das terras.

A constituição de 1988 garante o direito de povos indígenas e quilombolas do Brasil a suas terras tradicionais no Brasil. No entanto, mais de 20 anos após a promulgação, apenas 21 territórios quilombolas foram reconhecidos e titulados pelo governo federal. O Maranhão é o estado mais prejudicado: nenhuma titulação até hoje foi feita no estado, apesar de lá estarem cerca de 30% das comunidades quilombolas no país. Atualmente, há 336 processos de solicitação de titulação dessas terras em aberto.

“Nós estamos aqui há tantos dias e não tivemos uma posição ou proposta que fosse a nosso favor. No que depender de mim, morro de fome aqui [na sede do INCRA]”, disse Naildo Braga, um dos quilombolas em greve de fome. O grupo se iniciou com 26 pessoas no primeiro dia, mas foi se reduzindo devido a complicação de saúde dos participantes. As demandas eram: a elaboração de 40 RTIDs (Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação) até o final de 2016; conclusão dos RTIDs das comunidades de Cruzeiro, Cariongo e Alto Bonito; decreto de desapropriação do Charco e Santa Rosa dos Pretos, entre outras. A contraproposta apresentada pelo INCRA foi aprovada no dia 18 de junho.

No dia 27 de maio, em reunião com o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, a Anistia Internacional entregou 4 mil cartas solicitando que a pasta concluísse a titulação definitiva do Charco – pendente devido apenas a assinatura da Presidente Dilma Rousseff. O compromisso ainda não foi cumprido até o momento, apesar de novas informações afirmarem que

“O direito está garantido no papel, no entanto, não se concretiza na prática”, analisa Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia Internacional. “É inadmissível que esta situação precária em que os povos quilombolas se encontram no Brasil se prolongue durante tanto tempo, colocando em risco a vida e a identidade destes grupos. Para essas famílias, a terra é o local de moradia e de trabalho, é meio de vida, fonte de alimentos e de renda. Sem a terra, não se tem nada disso. A inércia do governo federal em garantir esse direito levou a esta situação crítica que vemos hoje”, conclui.

A lentidão no processo de identificação e titulação das terras traz, ano após ano, consequências muito negativas para estas comunidades que, sem acesso às terras que têm direito, não podem garantir a lavoura para sua sobrevivência e sustento. A insegurança jurídica sobre suas terras também apresenta riscos provenientes do conflito agrário a que ficam expostos. Fazendeiros que querem tomar à força sua terra e, assim, ameaçam, atacam e até matam.

De acordo com dados do relatório Conflitos no Campo no Brasil em 2014 da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Maranhão é líder nacional em número de conflitos fundiários. O estado é campeão em número de pessoas ameaçadas de morte no campo e divide a segunda colocação com Rondônia e Mato Grosso, no número de assassinatos no campo, atrás apenas do Pará.

Flaviano Pinto Neto foi uma das vítimas deste conflito. Líder comunitário na comunidade quilombola do Charco, próximo à cidade de São Vicente Ferrer, ele foi assassinado no dia 30 de outubro de 2010 à queima roupa numa ação planejada por um fazendeiro local. As ameaças começaram quando os quilombolas passaram a negar o pagamento compulsório (e ilegal) que o fazendeiro lhes impunha pelo uso da terra, apesar de eles ocuparem o local há muitas gerações. Até hoje os responsáveis não foram levados a julgamento. A Anistia Internacional acompanha o caso da comunidade do Charco desde 2010, quando Flaviano foi assassinado.

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