As reiteradas tentativas por parte dos Países Baixos de devolver somalis a áreas controladas pelo grupo armado islamita Al Shabaab expõem seriamente essas pessoas a abusos contra os direitos humanos e é uma violação do direito internacional, afirmou a Anistia Internacional.

O governo holandês insiste que é possível a devolução de somalis a regiões mais perigosas do país, inclusive aquelas onde o Al Shabaab inflige tortura e maus-tratos e cometeu homicídios ilegítimos.

“Para alguns somalis, ser devolvido a territórios controlados pelo Al Shabaab equivale a uma sentença de morte”,  disse L. Muthoni Wanyeki, diretora regional da Anistia Internacional para a África Oriental, o Chifre da África e os Grandes Lagos.

“Ao enviar somalis a áreas instáveis onde suas vidas correm perigo, o governo holandês também é responsável pelos abusos contra os direitos humanos que sofram em seu regresso.”

O direito internacional exige que os Estados não realizem devoluções de pessoas a lugares onde corram um perigo real, como determinadas situações de conflito armado.

A Anistia Internacional pediu a outros governos, entre eles os da Dinamarca, Suécia, Reino Unido, Noruega e Arábia Saudita, que renunciem a política de devolver somalis ao centro e ao sul da Somália.

No documento Forced returns to South and central Somalia, including to Al Shabaab áreas: a blatant violation of international law [Retorno forçado ao sul e ao centro da Somália, incluindo áreas do Al Shabaab: uma flagrante violação do direito internacional] se destacam os graves perigos que enfrenta a população civil na Somália.

A Anistia Internacional recebeu várias informações sobre somalis a quem os grupos armados acusaram de espionagem e que, muitas vezes, receberam represálias por isso, inclusive homicídio. Muitos somalis temem regressar não apenas às regiões controladas pelo Al Shabaab, mas também àquelas onde o grupo armado está presente, como Mogadíscio.

O documento contém testemunhos das violações de direitos humanos sofridas por algumas pessoas no seu regresso, como Fartuun, de 25 anos, cujo tio foi assassinado em agosto de 2013, pouco depois de voltar do Iêmen.

“O capturaram no mesmo dia em que voltou para casa. Soldados do Al Shabaab o levaram e o mantiveram cativo. Cinco dias depois o levaram diante do estádio e o decapitaram em público. Depois deixaram seu corpo ali, com a cabeça sobre o estômago, durante uma semana inteira”, contou Fartuun à Anistia Internacional.

Em Mogadíscio e outras áreas do centro e do sul da Somália continua aumentando a cifra de mortos e feridos no fogo cruzado durante os enfrentamentos armados, em atentados suicidas e em ataques com granadas ou com dispositivos explosivos improvisados. As operações militares realizadas ao longo de 2014 ocasionaram um aumento da violência entre civis.

Em novembro de 2013, os Países Baixos burlaram o direito internacional ao realizar a devolução de Ahmed Said, de 26 anos, a Mogadíscio, cidade que o jovem afirmava nunca ter visitado; ele havia saído da Somália mais de 20 anos antes.

Três dias mais tarde ele ficou ferido, junto com muitos outros, em um atentado suicida que tirou a vida de pelo menos seis pessoas.

“Todos os países têm a obrigação de proteger as pessoas em risco de sofrer graves abusos contra os direitos humanos se são devolvidas a seu país, em vez de enviá-las para a cova do leão”, disse Wanyeki.

“Não apenas é arriscado e irresponsável pôr vidas em risco desta maneira, como, ao fazê-lo, os Estados incorrem em um grave descumprimento de suas obrigações.”

Os Países Baixos programaram recentemente uma reunião com seu Parlamento e o Ministro da Imigração para debater sua política de devolução de solicitantes de asilo rejeitados a áreas controladas pelo Al Shabaab.

Em maio de 2014, o secretário-geral da ONU instou todos os países que oferecem refúgio aos somalis que fogem do conflito a cumprirem com suas obrigações em virtude do direito internacional e não devolverem estas pessoas para a Somália, já que suas vidas continuam em perigo lá.