A cruel e desumanizadora prática norte-americana de manter os presos reclusos em regime de isolamento prolongado na única prisão federal de segurança “supermáxima” do país constitui um tratamento ou pena cruel, desumana ou degradante, e viola o direito internacional, declarou hoje (16) a Anistia Internacional.

O novo informe, intitulado Entombed: Isolation in the US Federal Prison System [Enterrado: Isolamento no Sistema Federal Penitenciário dos Estados Unidos, em tradução livre), foi publicado hoje e revela o rigor das condições que são enfrentadas pelos presos no Centro Penitenciário e Administração de Máxima Segurança dos Estados Unidos perto de Florence, Colorado (conhecido como ADX Florence).

“Não se pode subestimar o devastador impacto que os longos períodos de isolamento podem ter no bem-estar físico e mental de um preso. Esse tratamento tão duro está ocorrendo diariamente nos Estados Unidos, e é contrário ao direito internacional”, explicou Erika Guevara-Rosas, diretora do Programa da Anistia Internacional para a América.

O relatório explora o impacto físico e mental de confinar os presos em celas de isolamento durante um período entre 22 e 24 horas por dia. As rigorosas condições do ADX levaram alguns presos a provocarem lesões em si mesmos e a cometerem suicídio.

Entre os sintomas provocados por esse isolamento tão prolongado estão a ansiedade, a depressão, o nervosismo, a hipertensão, a paranoia extrema, as distorções na percepção e a psicose.

A prisão federal ADX Florence tem capacidade para 490 presos. Os detentos passam um mínimo de um ano em regime de isolamento antes de poderem optar por uma redução de suas restrições.

Na realidade, o período de isolamento a que muitos deles são submetidos é muito mais longo. Um estudo elaborado por advogados concluiu que a duração média do período de isolamento a que os presos eram submetidos era de 8,2 anos.

A maioria dos presos permanece reclusa em celas com paredes sólidas e uma câmara de grades, tipo compartimento hermético, entre eles e uma porta de metal maciço, para assegurar que não tenham contato com outros presos. Na parede há uma única janela, em forma de sulcos, que lhes permite ver um pedaço do céu ou uma parede de tijolos.

Os móveis da cela são moldados em cimento e consistem de uma cama, uma mesa e um banco feitos no chão ou na parede, além de um chuveiro e um vaso sanitário. As refeições e os banhos ocorrem dentro das celas e as consultas médicas, inclusive as de saúde mental, são frequentemente feitas por teleconferência.

O relatório da Anistia Internacional expõe com detalhes vários exemplos de presos cuja saúde mental se deteriorou drasticamente enquanto permaneciam em isolamento.

Em setembro de 2013, um preso com antecedentes de doença mental, se enforcou em sua cela após passar, segundo a informação recebida, mais de uma década no ADX recebendo unicamente uma atenção psiquiátrica intermitente. Nos dias que antecederam sua morte, demonstrava sintomas de psicose que, ao que parece, foram ignorados.

Agora há sinais inquietantes de que o governo norte-americano planeja ampliar o uso de regime de isolamento nas prisões federais. Os planos sobre o Centro Penitenciário Thomson, em Illinois, uma nova prisão “supermáxima” de segurança, inclui disposições relativas ao regime de isolamento que reproduzem o sistema do ADX.

“É o expoente máximo da filosofia de ‘amansar’ os presos, e a ideia de que o governo norte-americano planeja ampliar a prática, apesar da preocupação internacional que isso suscita, é  muito preocupante. O uso dessas formas de isolamento vai além das medidas penitenciárias legítimas, e entra no terreno do tratamento cruel e desumano”, declarou Erika Guevara.

“O governo norte-americano deve garantir que o regime de isolamento somente seja utilizado em circunstâncias excepcionais, como último recurso, e nunca durante os períodos prolongados ou indefinidos. Nenhum preso que padeça de uma enfermidade mental ou corra risco de adoecer deve ser aprisionado em regime de isolamento”, completa.

Informações complementares

A Anistia Internacional visitou o centro ADX em 2001, mas desde então todas as suas solicitações de visita foram negadas. As informações contidas no relatório foram obtidas mediante diversas fontes, entre elas documentos oficiais disponíveis através de demandas e outras informações proporcionadas por advogados que representam os prisioneiros do ADX, assim como as diretrizes emitidas pelo Escritório Federal de Prisões.

A prática de reclusão prolongada em regime de isolamento não se limita ao ADX; tal como destaca o informe da Anistia Internacional, outros centros federais também reclusam prisioneiros em prolongado isolamento em Unidades de Regime Especial.

Em alguns casos, os presos são mantidos em isolamento mesmo antes de serem julgados. No Centro Penitenciário Metropolitano (MCC) de Nova York, conhecido também como “Little Gitmo”, é utilizado para deter presos preventivos em regime de isolamento durante meses ou, inclusive, anos antes de serem julgados. Os presos apenas têm acesso à luz natural e não podem fazer exercícios ao ar livre.

Em 2011, Juan Mendez, relator especial das Nações Unidas sobre a questão da tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, pediu a todos os países que proibissem a reclusão de presos em regime de isolamento, salvo em circunstância muito excepcionais e durante o menor tempo possível, com uma proibição absoluta no caso de menores de idade e pessoas com incapacidade intelectual.

A maioria dos presos do ADX foi declarada culpada de crimes graves cometidos enquanto estavam encarcerados, como agressão, assassinato ou tentativa de fuga; outros foram declarados culpados de crimes de terrorismo.