A repressão e a proibição do aborto pelo governo estão destruindo as vidas de meninas e mulheres em El Salvador, obrigando-as a cometer abortos de forma arriscada e clandestina, e forçando-as a interromper precocemente suas gestações, declarou hoje (25) a Anistia Internacional. As mulheres que decidem acabar com sua gravidez correm o risco de passar anos na prisão.

O recente relatório da organização intitulado À beira da morte: a violência contra a mulher e a proibição do aborto em El Salvador descreve como a lei restritiva do país tem resultado na morte de centenas de meninas e mulheres que se submetem a abortos clandestinos. A criminalização desta prática também faz com que aquelas que são consideradas suspeitas de terem praticado um aborto enfrentem longas penas de prisão.

“A terrível repressão que meninas e mulheres estão sofrendo em El Salvador é realmente assustadora e pode ser considerada uma forma de tortura. São privadas de seu direito fundamental de decidir sobre seu próprio corpo e punidas severamente quando se atrevem a fazê-lo”, disse Salil Shetty, secretário-geral da Anistia Internacional.

“O terrível é que a proibição se estende até mesmo aos casos em que a vida da gestante está em perigo, o que significa que as mulheres cuja saúde as impede de concluir a gravidez em condições de segurança, tendem a enfrentar um dilema de solução inviável: se abortam, estão sujeitas a irem para a cadeia, e se não o fazem, estão condenadas à morte.”

Devido às leis restritivas do país, meninas e mulheres declaradas culpadas por abortar podem passar entre dois e oito anos na prisão.

O relatório da Anistia Internacional relata que, em alguns casos, as mulheres que têm abortos espontâneos são processadas e presas por décadas. De acordo com as leis sobre homicídios, as mesmas podem ser condenadas a até 50 anos de prisão.

Isso é o que aconteceu com Maria Teresa Rivera, que cumpre 40 anos de prisão depois de ter sofrido um aborto espontâneo.

Maria Teresa Rivera, mãe de uma criança de 5 anos, não sabia que estava grávida novamente até que a puseram numa ambulância da fábrica de roupas onde trabalhava e a internaram em um hospital. Sua sogra a tinha encontrado deitada sangrando no chão da fábrica. Um funcionário do hospital informou à polícia sobre o caso e Maria Teresa foi interrogada sem a presença de um advogado.

Em julho de 2012 ela foi julgada e condenada por homicídio culposo, apesar de haver sérias deficiências nas provas apresentadas contra ela. Seu filho terá 45 anos quando ela sair da prisão.

Maria Teresa Rivera é uma das várias mulheres presas por motivos relacionados com a gravidez, incluindo abortos induzidos e espontâneos. Algumas já passaram mais de 10 anos na prisão. Ela, como a maioria das mulheres listadas no relatório da Anistia Internacional, são provenientes de setores considerados os mais pobres da sociedade.

A proibição do aborto se estende às meninas que foram violentadas. A lei exige que todas as mulheres completem sua gravidez, embora isto possa gerar sequelas sobre elas, tanto física como mentalmente.

Um médico que cuidou de uma menina de 10 anos que foi estuprada disse à Anistia Internacional: “foi um caso muito difícil […] porque ela não entendia o que estava acontecendo […] nos pediu canetinhas coloridas. E isso partiu o coração de todos […] dissemos: “Sim, é uma menina! É uma menina. E no final ela não entendia o que estava esperando.” Esta menina foi obrigada a continuar a gravidez.

A legislação repressiva contra o aborto em El Salvador é um indicativo de uma discriminação muito mais abrangente contra as meninas e mulheres no país. Os estereótipos de gênero chegam inclusive a decisões judiciais, e os juízes, por vezes, duvidam da credibilidade das mulheres. As atitudes discriminatórias contra meninas e mulheres também significam que o acesso à educação sexual e métodos contraceptivos é quase impossível.

“A inércia do governo de El Salvador ao enfrentar a discriminação contra as mulheres acaba limitando seriamente as vidas de meninas e mulheres. Ao se recusarem a solucionar adequadamente as barreiras ao acesso à contracepção e à verdadeira educação sexual, condenam gerações de jovens a um futuro que se mantém determinado pela desigualdade, discriminação, e limitação de suas opções, restringindo assim suas liberdades”, disse Salil Shetty.

“O mundo não pode permanecer passivo observando como as meninas e mulheres de El Salvador sofrem e morrem. A Anistia Internacional apela ao governo de El Salvador para descriminalizar o aborto em todos os aspectos. O governo deve proporcionar às meninas e mulheres o acesso ao aborto seguro e legal quando a gravidez representar um risco à sua vida ou saúde, quando for consequência de estupro ou em casos graves de malformações fetais.”

Assine a petição e entre em ação pelas mulheres e meninas de El Salvador.

América Latina e o caso de Beatriz

El Salvador é um dos sete países da América Latina onde o aborto é totalmente proibido por lei, junto com Chile, Haiti, Honduras, Nicarágua, República Dominicana e Suriname. Alguns desses países, como é o caso do Chile, já estão tomando medidas para mudar suas leis.

O caso de Beatriz, uma jovem de 22 anos de idade, proveniente de uma área rural de El Salvador, teve uma grande repercussão no ano passado. Beatriz sofria de lúpus e outros problemas de saúde graves. Ela ficou grávida, mas estava claro que o feto era anencefálico (falta de uma parte considerável do cérebro e do crânio), um defeito fatal que não lhe permitiria sobreviver mais do que algumas horas ou dias após o nascimento. A ela foi negada a oportunidade de abortar, mesmo o caso tendo chegado à Suprema Corte. No dia 3 de junho de 2013, após a intervenção da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da divulgação do caso pela imprensa internacional, o governo de El Salvador autorizou Beatriz finalmente a realizar uma cesariana antecipada. O recém-nascido morreu horas depois.

El Salvador: Depois de Beatriz, nenhuma mulher deve sofrer mais discriminação e tortura.

Veja aqui o sumário executivo do relatório em português.

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Doze dados sobre a proibição do aborto em El Salvador