Facebook, Twitter, Youtube e aplicativos de telefone como WhatsApp e Instagram podem ser monitorados sistematicamente pelas autoridades do país. Uma licitação para a introdução de um novo sistema que realiza vigilância em massa de mídias sociais no Egito, seria um golpe devastador nos direitos à privacidade e à liberdade de expressão no país, disse a Anistia Internacional.

De acordo com os planos propostos, divulgados em uma licitação vazada pelo Ministério do Interior esta semana, o Facebook, Twitter, YouTube e aplicativos de telefone, como WhatsApp, Viber e Instagram seriam monitorados sistematicamente.

“Os planos das autoridades egípcias de monitorar de forma indiscriminada a mídia social, alguns meses após a adoção de uma nova Constituição que garante o direito à privacidade, mostra o pouco respeito que eles têm para com os direitos humanos ou o Estado de Direito. Os planos também despertam grande temor de que o acompanhamento sistemático das redes de mídia social seja utilizado pelas autoridades para reprimir ainda mais diante de sinais de dissidência”, disse Hassiba Hadj Sahraoui, vice-diretor da Anistia Internacional para o Oriente Médio e África do Norte.

“As autoridades egípcias têm um histórico terrível quando se trata de respeitar o direito à liberdade de expressão, associação e reunião. Um sistema de vigilância indiscriminada da mídia social em grande escala pode tornar-se mais um instrumento de repressão estatal do governo egípcio”.

No documento vazado, o Ministério do Interior prevê um sistema de monitoramento de massa mais sofisticado que irá analisar redes de mídia social em 26 tópicos, incluindo a difamação da religião, convocação de manifestações ilegais, greves e manifestações pacíficas, bem como terrorismo e incitação à violência. No entanto, a lista completa de tópicos a serem monitorados não foi publicada, deixando as pessoas sem saber se e quando suas comunicações serão o alvo.

O programa de monitoramento proposto viola o direito à privacidade garantido pela Constituição egípcia e pelo direito internacional. A lei egípcia só permite a interceptação direcionada de comunicações sob supervisão judicial e por um período de tempo limitado, e não permite a vigilância em massa indiscriminada.

A Anistia Internacional apela ao governo para garantir que todos os programas de vigilância cumpram os princípios gerais sob o direito internacional da legalidade, necessidade, proporcionalidade e responsabilidade judicial. O novo presidente do Egito, Abdel-Fattah El-Sisi, deve assegurar o cumprimento da lei e respeitar o direito à privacidade e liberdade de expressão assegurada pela Lei egípcia e internacional.

A Anistia Internacional reconhece que, em alguns casos, os Estados podem legitimamente recorrer à vigilância discreta por razões de segurança nacional. No entanto, vigilância em massa indiscriminada é uma interferência desnecessária e desproporcional ao direito à privacidade. Qualquer vigilância de comunicações, inclusive através da mídia social, deve cumprir com as obrigações legais dos direitos humanos que equilibram o dever do Estado de proteger a segurança com o direito à privacidade, liberdade de expressão e outros direitos humanos.

Apesar das repetidas alegações das autoridades egípcias, que as medidas se destinam a combater o terrorismo e não serão usadas para repressão à liberdade de expressão, existem provas alarmantes que contradizem essas alegações.

No ano passado, as autoridades empreenderam uma repressão em grande escala das vozes críticas, introduzindo uma nova lei de repressão a protestos e elaborando uma legislação muito ampla e vaga sobre antiterrorismo. Comunicações eletrônicas têm sido monitoradas sucessivamente por governos egípcios no passado. Ativistas também foram presos e processados por causa do conteúdo postado em mídias sociais.

“As forças de segurança do Egito têm um histórico de abuso e total impunidade. Colocando tais equipamentos nas mãos das forças de segurança irresponsáveis é uma receita de abuso”, disse Hassiba Hadj Sahraoui.

Milhares de defensores de Mohamed Morsi estão em prisões egípcias por exercerem o seu direito à liberdade de expressão e de reunião. A Anistia Internacional documentou casos em que manifestantes pacíficos foram detidos, torturados ou maltratados. Dezenas de egípcios também foram presos por causa de comunicações e mensagens eletrônicas, como o YouTube, Facebook ou Twitter.

“Jornalistas, escritores, blogueiros estão entre os alvos. Uma tentativa de sufocar as mensagens no Twitter, Facebook e outras redes vai alimentar temores de que, no Egito, hoje, não há espaço para as pessoas expressarem abertamente suas opiniões sem serem perseguidas”, disse Hassiba Hadj Sahraoui.

O ministro do Interior anunciou em comunicado que uma das condições da licitação é que o sistema já foi utilizado antes nos EUA ou Estados europeus. A Anistia Internacional considera que a vigilância em massa indiscriminada realizada nos EUA e no Reino Unido, entre outros países europeus, viola a legislação nacional e internacional de direitos humanos.

“As autoridades egípcias não devem imitar programas ilegais usados por outros países para violar o direito à privacidade”, disse Hassiba Hadj Sahraoui.

Empresas que participarem da licitação para realizar a vigilância também são susceptíveis de violarem os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos e a responsabilidade das empresas de respeitar os direitos humanos.

Contexto

Em 1º de junho de 2014, o jornal egípcio Al Watan, publicou uma licitação vazada do Ministério do Interior à procura de empresas para estabelecer um sistema de “monitoramento de mídia social”.

Mohamed Ibrahim, ministro do Interior, confirmou na mídia egípcia e jornais que o ministério tinha feito a licitação para apresentação de propostas de empresas para criar um sistema para supostamente combater o terrorismo e proteger a segurança nacional. Em um comunicado ao jornal Al Ahram em 2 de junho, ele disse que o sistema deverá utilizar seletores (termos de pesquisa) que relacionam as atividades que são consideradas ilegais sob a lei egípcia para rastrear indivíduos usando essas palavras em suas comunicações. Ele afirmou que este sistema não seria usado para repressão à liberdade de expressão.

O artigo 57 da Constituição egípcia, recentemente aprovada, protege o direito à privacidade e afirma que “as correspondências postais, telegráficas e eletrônicas, chamadas telefônicas e outros meios de comunicação são invioláveis, e sua confidencialidade é garantida. Eles não podem ser confiscados, revelados ou monitorados, salvo por força de uma ordem judicial fundamentada, por um período definido, e somente nos casos definidos pela Lei “.

O Egito também tem obrigações sob o direito internacional de garantir o direito à privacidade. Por exemplo, o artigo 17 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos articula o direito à privacidade. Portanto, no âmbito das leis nacionais e internacionais, programas de vigilância devem atender aos requisitos mínimos. Em particular, a vigilância das comunicações deve respeitar os princípios gerais da legalidade, necessidade, proporcionalidade e responsabilidade judicial.

Toda vigilância em massa indiscriminada, tal como proposta no Egito, constitui uma interferência desnecessária e desproporcional com o direito à privacidade.