“Se Theresa May está mesmo determinada a oferecer um país que trabalhe para todos, o sistema judiciário também precisa ser para todos, não só para quem pode pagar.”
Alice Wyss

 Os cortes à assistência jurídica civil “dizimaram o acesso à justiça” e deixaram milhares dos mais vulneráveis, incluindo crianças e pessoas com dificuldades de aprendizado, sem o aconselhamento e o apoio jurídico essencial, segundo novo relatório publicado hoje (11) pela Anistia Internacional.

O relatório de 48 páginas“Cortes que ferem: O impacto dos cortes referentes ao acesso à justiça” (Cuts that Hurt: The impact of legal aid cuts on access to justice) expõe o impacto da lei sobre assistência jurídica, condenação e punição de infratores, a LASPO, que entrou em vigor em 1º de abril de 2013 e impôs uma grande variedade de mudanças ao sistema de assistência jurídica para famílias e outras áreas do direito civil na Inglaterra e no País de Gales.

O relatório alerta para o fato de que a redução no acesso à justiça é muito pior do que a projetada e pede para o governo realizar uma revisão ampla e urgente sobre os efeitos das mudanças, algo que os governantes ainda não fizeram, apesar de terem se comprometido. A assistência jurídica civil agora só está disponível para poucos tipos de caso prescritos.

O relatório documenta:

– O impacto da remoção de assistência jurídica em áreas que incluem o direito privado de família, o direito imigratório e o direito de assistência social, documentando o resultado desproporcional sobre grupos vulneráveis e marginalizados.

– Como os cortes reduziram o acesso a aconselhamento jurídico especializado inicial; as pessoas agora precisam chegar a um momento crítico com mais frequência antes de poderem acessar a ajuda necessária.

– O surgimento de “desertos de aconselhamento” na Inglaterra e no País de Gales, locais onde o fornecimento de aconselhamento jurídico gratuito está desaparecendo, especialmente no Sudoeste, em partes das Midlands e em áreas no Norte da Inglaterra.

– Como os fracassos sistêmicos e inerentes do esquema governamental de financiamento a casos excepcionais fazem com que ele não forneça a rede de segurança prometida para as pessoas vulneráveis ou desfavorecidas, que estão sofrendo para se orientar em processos legais complexos e lutar de maneira eficaz por seus direitos.

No ano anterior àquele em que as medidas relevantes da LASPO entraram em vigor, a assistência jurídica era fornecida em 925 mil casos; no ano seguinte à aprovação das medidas, a assistência foi dada em 497 mil casos, uma queda vertiginosa de 46 por cento.

“Os cortes à assistência jurídica civil impostos por esse governo dizimaram o acesso à justiça e deixaram milhares dos mais vulneráveis sem o aconselhamento e o apoio jurídico essenciais.”
Alice Wyss, pesquisadora da Anistia Internacional para o Reino Unido

“Corremos o risco de criar um sistema de justiça civil com dois pesos e duas medidas, aberto para quem pode pagar, mas cada vez mais fechado aos mais pobres e aos que mais precisam de proteção.”

“Desde os pais que lutam para ter acesso a seus filhos até aqueles que tentam permanecer no país onde cresceram, passando por pessoas com problemas mentais e correndo o risco de ficarem desabrigadas, esses cortes atingiram com mais força os mais vulneráveis.”

“Se Theresa May está mesmo determinada a oferecer um país que trabalhe para todos, o sistema judiciário também precisa ser para todos, não só para quem pode pagar. O governo deve começar protegendo os mais vulneráveis e fazendo a revisão desse sistema fracassado imediatamente.”

O relatório inclui depoimentos de pessoas que não conseguiram o acesso à assistência jurídica. Por exemplo, pessoas que representavam a si mesmas no tribunal de família falaram que se sentiram intimidadas, acharam difícil explicar seus casos e sofreram para entender o processo e o que o juiz estava dizendo. Quando o outro lado era representado de maneira adequada no tribunal, as pessoas muitas vezes sentiam que o processo não era justo. Um mulher disse à Anistia:

“Não tenho ninguém. Quando vou ao tribunal, tenho que contrainterrogar meu ex e isso me deixa apavorada. Passo várias noites sem dormir. Se eu perder, vou me culpar porque não fui boa o bastante, mas daí penso: ‘como posso ser boa o bastante se estou enfrentando um advogado?’ Não sei se posso conseguir sozinha. Procurei e pedi ajuda em todos os lugares, mas tudo pede dinheiro, e eu não tenho. Então, o que fazer?”

Crianças e jovens vulneráveis são um dos grupos impactados negativamente pelos cortes à assistência jurídica.

Enquanto o Reino Unido enfrenta uma contestação jurídica da Children’s Society, a Anistia pede para que todos os menores de 18 anos recebam assistência jurídica, sejam quais forem as circunstâncias. Por exemplo, o governo estima que há quase 2.500 casos por ano envolvendo crianças como requerentes em pleno direito que não recebem mais assistência jurídica por seus casos de imigração.

As crianças que lidam com os pedidos de imigração por conta própria estão em desvantagem automática, já que as leis, processos e sistemas que governam as circunstâncias são profundamente complexos e exigem conselheiros especialistas com experiência não apenas no direito imigratório, mas também no trabalho com crianças. Um advogado disse à Anistia:

“A ideia de que as crianças e os jovens podem se representar não funciona. Esse grupo é muito vulnerável. Eles não só não entendem processos e conceitos jurídicos, mas também não têm ideia de como preencher os formulários da maneira correta, do que escrever, de onde mandar a papelada, de onde buscar aconselhamento e de com quem falar. Sem apoio profissional, eles simplesmente não podem acessar a justiça e não conseguem se envolver no processo legal.”

O governo se comprometeu a fazer uma revisão abrangente do impacto da LASPO até abril de 2018. A Anistia pede para que essa revisão comece imediatamente.

Para ler o relatório completo, em inglês, clique aqui.

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